Terapia e força marcam a luta das raspadeiras de mandioca de Buritirana

Trabalhadoras de cidade do Maranhão aliam o trabalho à troca de experiências

Paulo Madeira

O trabalho de 15 mulheres raspadeiras de mandioca, em Buritirana (MA), vai muito além do esforço braçal. Elas desbravam o universo feminino de força de vontade e resiliência nesses encontros. Se afastam das suas casas para se reunirem algumas vezes por semana, na intenção de obterem uma renda extra. Deixam em suas residências seus afazeres domésticos, mas levam até a casa de farinha suas histórias, dores e amores.

O caráter terapêutico desses encontros é destacado por Maria Monica de Almeida Silva, 50 anos, que trabalha há três como raspadeira de mandioca. “Ali você se distrai, tem histórias para contar e para ouvir. Se sente mais leve, e os problemas que você tem em casa, acabam se tornando pequenos”, comenta, com entusiasmo.

O trabalho com a mandioca envolve uma série de atividades que vão desde a preparação do terreno para a plantação, acompanhamento do crescimento da planta e colheita, até a transformação do produto final, a farinha e a goma. Por isso, acaba envolvendo muitas pessoas até a etapa final. Várias famílias recebem a oportunidade de trabalho nessas épocas, de onde tiram seu sustento. Algumas preparam a terra para o plantio e outras para realizar a colheita, transportar as mandiocas para as casas de farinha, até chegar nas mãos das raspadeiras e tiradeiras de goma.

No processo de transporte da mandioca, homens se responsabilizam pelo manuseio até a Casa de Farinha. (foto: Paulo Madeira)

Os encontros, na maioria das vezes, ocorrem nas terças-feiras, 6 horas da manhã, podendo chegar a dois dias da semana. Quando as mulheres que descascam mandiocas trabalham até as 13h, a diária é R$ 50 reais e, passando desse horário, sobe para R$ 75. “Lá a gente toma o café da manhã, a gente tem o almoço, tem meia hora de descanso, e assim nós levamos o dia, né? Graças a Deus!”, informa Maria Mônica.  

Histórias e vivências

Maria Edileusa de Jesus, com uma voz mansa, e nitidamente calejada de sofrimento, abre o coração. “Aqui, vemos de tudo um pouco, coisas tristes, bonitas, mas eu prefiro contar a minha própria história”. Quando começou a raspar mandioca, era R$ 25 a diária, sendo que, se trabalhasse quatro dias, tinha direito a R$ 100. “Às vezes eu ganhava R$ 50, ou R$ 60 e guardava R$ 40, pois eu tinha um sonho de construir minha casa”.

Para complementar a renda, também fazia bolo, tendo que levantar de madrugada. A mandioca faz parte da vida de Dileuza, não só no manuseio na casa de forno. “Parece pouco, mas me serviu muito, serve! Na época eu só tinha o Bolsa Família, mas aí, graças a Deus, com muita luta e com muito trabalho, eu consegui a minha casa”.

Dona Dileuza diante da sua casa própria, fruto do trabalho com bolos caseiros e da lida com as mandiocas. (foto: Paulo Madeira)

Sobre o manuseio do serviço, Dileuza comenta que, no início é mais difícil. “A gente nunca nasce aprendido, né? Aí a gente vai descascando, vai aprendendo, aí vai indo em frente e vai dar certo. Mas é cansativo, mas com fé em Deus a gente enfrenta tudo e vence”.

Mônica relata o quanto os encontros são importantes para estreitar os laços entre as raspadeiras. “Troca de ideias, conhecimento. E lá, de tanto você conviver juntas, no dia que falta uma você já sente falta, fica se perguntando: ‘Ah, fulano não veio, o que foi que aconteceu?  Será se esta é doente?’”, descreve a raspadeira sobre o afeto conquistado ao longo dos tempos.

Mônica esbanjando autoconfiança no açude Calambanjo, ponto turístico de Buritirana. (foto: Paulo Madeira)

“Quando a gente se encontra, solta risada, conta história, essa renda das mandiocas já serve aqui dentro de casa”, afirma Antônia Cristiane Sousa de Jesus, 28 anos e mãe de dois filhos. Os encontros de mulheres fortes geram consequências de muitos ângulos, principalmente em quem conhece essas histórias. São verdadeiras heroínas sem holofotes, estrelas sem glamour. Marcadas com sinais do tempo e da vida, mas nunca conformadas com a dor. Todos os dias se reinventam, vislumbrando sempre um futuro mais leve.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, chamado “Meu canto também tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.