Poucos movimentos: a vida de uma imperatrizense com doença rara

Conheça a história de Irenice Cândido, que convive com doença rara neuromuscular desde 2017 e hoje luta para viver

Por Wanderson Souza

Sem os movimentos das pernas, do quadril e com os músculos de deglutição comprometidos, a advogada Irenice Cândido Lima, de 41 anos, natural de Imperatriz, vive agora de cadeiras de rodas. Acometida por uma doença rara neuromuscular e degenerativa em 2017, conhecida como Esclerose Lateral Primária (ELP), que é uma variante da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença que afeta os neurônios e desgastam até não conseguir mandar comandos para os músculos, agora só se alimenta por meio de sonda e precisa usar por mais tempo um aparelho compressor de ar para ajudar na respiração, que antes só era utilizado na hora de dormir.

Irenice usa o aparelho BiPAP para ajudar na respiração (Foto: Irenice Cândido)

Há quase cinco meses a imperatrizense convive sem a voz e se comunica apenas por meio da escrita. “Eu já não falo, estou com dificuldades pra escrever e a previsão é que no futuro eu venha a ficar com o corpo totalmente imóvel, me comunicando apenas através da tecnologia assistiva”, conta a advogada. Ela ainda pontua que o medo “faz parte da vida”, e que isso não é motivo para desanimá-la, e “que quer viver”, mesmo não sabendo a forma como isso irá acontecer.

Em 2009, Irenice sofreu um acidente de moto a caminho do trabalho, e desde então passou a apresentar sintomas como dores e fraquezas. Os médicos, até então, alegavam de que poderia ser sequelas do acidente. Porém, em maio de 2017, a realidade foi outra. Com uma piora brusca no seu quadro de saúde, chegando a apresentar dificuldades para caminhar e fraqueza mais acentuada, o médico que lhe atendia disse que poderia ser Esclerose Lateral Primária (ELP).

DIREITO PARA VIVER

Formada em Direito pela Faculdade de Imperatriz (FACIMP), Irenice fala que conseguiu aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ainda estando no nono período da graduação, sendo a única aluna da turma a passar antes da formatura. “É algo surreal. Nunca imaginei que pudesse alcançar essa vitória”, comemora.

Porém, o caminho percorrido para se tornar advogada teve algumas barreiras. Irenice relata que a disponibilidade financeira estava presente quando estudava, e que no quinto período da graduação, quando engravidou do seu filho que hoje tem sete anos, o levava para assistir às aulas, porque não tinha dinheiro para pagar alguém para olhar e também não tinha com quem deixar. “Concluí o curso levando ele pra faculdade, todos os dias. Às vezes eu assistia à aula pela janela, pra ele não fazer barulho na sala, foi bem difícil, eu precisava me desdobrar pra olhar ele e prestar atenção na explicação dos professores”, diz.

Dificuldades financeiras não impediu Irenice de concluir graduação (Foto: Acervo pessoal)

No entanto, após a aprovação no exame da OAB, Irenice revela que foi “proibida pela faculdade de levar o filho” para assistir às aulas, e como fez um financiamento do curso, não podia mais trancar. Ela conta que buscou ajuda nas redes sociais e também teve o apoio de um professor e de um funcionário de uma rádio na cidade, que o ajudaram em uma mobilização. “Graças a essa mobilização, a promotora me concedeu o direito de concluir a faculdade com ele”, recorda.

Devido à maternidade, Irenice ficou afastada das aulas práticas o que a fez estudar sozinha, já que não tinha orientações presenciais dos professores. Ela lembra que no dia que passou na primeira fase da OAB, ganhou um curso preparatório para a segunda fase, os livros e até a inscrição. “Me senti na responsabilidade de passar. Estudava na madrugada, depois que meu filho dormia, ou com ele nos braços, conciliando casa e estudos”.

Acreditando sempre que Deus tem um propósito para sua vida, ela diz que não teria outra oportunidade caso não fizesse o exame em 2017, já que sete meses depois da formatura teve piora no seu quadro de saúde, e que “desde então, o direito tem sido” o seu “aliado para viver”, explicando que por ter uma doença rara, precisa recorrer na justiça pelo “direito de continuar vivendo, de ter possibilidade de diagnóstico e de qualidade de vida”, ações que se não tivesse conhecimento das leis, “não estaria mais viva”.

SOBRE A DOENÇA

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença do sistema nervoso que afeta as funções físicas e enfraquece os músculos.  A ELA atinge os neurônios motores espalhados pelo corpo, que são responsáveis por encaminhar as ordens do cérebro  e conduzi-las aos músculos. Em todo mundo, mais de 200 mil pessoas convivem com a doença. 12 mil só no Brasil.

CAMPANHA

Em janeiro, Irenice publicou um vídeo em uma rede social pedindo ajuda para comprar uma cadeira de rodas motorizada, que custava um pouco mais de 17 mil reais. O vídeo viralizou e teve mais de 250 mil visualizações. A advogada, com a campanha, conseguiu  arrecadar o dinheiro para comprar o objeto que o ajudaria a ter mais de qualidade de vida e autonomia. “Eu não esperava a repercussão que teve. A campanha foi mais uma das bênçãos de Deus”, comemora. Ela diz que no momento não pretende fazer outra campanha, mas que tem “o desejo de desenvolver algum trabalho para ajudar as pessoas com doenças raras que tanto sofrem apenas por querer viver”.