Entre medos e textos: relatos e vivências de quem é linha de frente da informação

Por: Mariana Muniz e Wanderson Souza

 

As notícias sobre a Covid-19 começaram a ganhar destaques nos noticiários em dezembro de 2019, e em 26 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso da doença no Brasil. Com mais de um ano e dois meses de pandemia instalada no país, a demanda por informações confiáveis aumentou e o papel da imprensa firmou-se como essencial no combate à desinformação, principalmente agora em que o mundo vive a maior crise sanitária da história. 

“Inicialmente eu não tive medo”, afirma Pollyana Galvão, coordenadora de jornalismo da TV Difusora Sul, afiliada SBT em Imperatriz, sobre a chegada da pandemia em março na cidade. Na empresa em que Pollyana trabalha foi disponibilizado álcool em gel, máscaras e garrafas de água para uso individual dos funcionários. Porém, não foi o suficiente para que ela não fosse contaminada, sendo a primeira entre os 45 colegas.

 

 

Na redação, como é chamada a sala em que os profissionais de imprensa ficam reunidos para definir as pautas e escrever o texto das reportagens, medidas foram adotadas para prevenir a disseminação do vírus. Pollyana conta que o distanciamento físico, a higienização com mais frequência da mesa de trabalho, a transferência de pessoas de uma sala para outra, foram algumas das novas mudanças que a pandemia trouxe.

 

 

Pollyana ficou afastada da TV em abril quando recebeu diagnóstico positivo para Covid-19 (Foto: Lorena Guimaraes)

A alta demanda para atendimentos de pessoas com suspeitas ou infectadas pelo novo coronavírus é uma realidade em todo país, tanto na rede pública de saúde como na rede privada. Em Imperatriz, houve uma reorganização das filas das Unidades de Pronto Atendimento (UPA) para desafogar quem buscava tratamento e também para evitar exposição de pacientes infectados com outros pacientes. 

Na rede de saúde privada não foi diferente. Em abril, quando a cidade enfrentava um dos picos da pandemia, Pollyana descreve a cena que encontrou em um hospital da rede privada no momento em que recebeu o seu diagnóstico positivo para Covid-19.

 

 

O cenário de atuação dos profissionais mudou e coube aos jornalistas se adaptarem à nova rotina. O uso de máscara e distanciamento social foram algumas das medidas de maior impacto para apresentadores e repórteres. “Não poder chegar mais perto ou tocar nas pessoas, quando a reportagem exige uma aproximação maior, me causou estranhamento”, lamenta a repórter da TV Mirante, afiliada da Rede Globo em Imperatriz, Simone Joe.

 

A apresentadora e repórter do Imperatriz Online, Ananda Portilho,  destaca o grande desafio enfrentado. “Tive que reaprender a fazer jornalismo. Eu nunca tinha coberto uma pandemia, nunca tinha lidado com as dificuldades que o distanciamento impôs, trabalhava em ambientes cheios (e amava). Fomos perdendo isso ao mesmo tempo em que o medo começou a tomar conta de todo mundo. E como eu era imprensa, tinha a missão de desmistificar as coisas, de explicar (muitas vezes coisas que eu mesma não sabia até então) para as pessoas que esperavam que a gente as “orientasse”.”

“Tive a honra de estar presente quando as primeiras doses da vacina chegaram em Imperatriz”, diz Lorena. (Foto: Valeria Rosa)

As entrevistas em estúdio foram suspensas, adotados trabalhos em home office, equipes e salários reduzidos, entrevistas viraram pautas técnicas e o foco tornou-se a pandemia. Boletins que apresentavam mortes e fome fizeram parte do cotidiano da imprensa.

Se por um lado a pandemia modificou as rotinas de trabalho de comunicadores e profissionais de imprensa, por outro mostrou uma realidade atípica nas redações dos jornais para estagiários. Como é o caso da Lorena Marques Guimarães, de 21 anos, estudante do quinto período do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e estagiária de produção na TV Difusora Sul, em Imperatriz.

Por estar diretamente ligada à criação de pautas, Lorena Guimarães conta que o maior desafio que a pandemia provocada pela Covid-19 trouxe para o seu trabalho é a busca de fontes para as reportagens. “Algumas pessoas são tímidas, outras não possuem tempo para falar com a imprensa”, diz. Ela ainda comenta que, muitas das vezes, o contato com profissionais da saúde, que estão na linha de frente no combate a pandemia, exige um distanciamento que antes não tinha nas gravações, e que “é uma escolha que a imprensa adota” para tentar evitar a disseminação do novo coronavírus.

Equipe de reportagem da TV Difusora Sul acompanhou a chegada do primeiro lote de imunizantes no aeroporto de Imperatriz (Fotos: Janaína Amorim e Lorena Guimaraes)

MORTES

O Brasil é o país que registrou o maior número de jornalistas profissionais mortos pela Covid-19. O levantamento, que faz parte do dossiê “Jornalistas vitimados por Covid-19”, feito pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e divulgado no último dia 06, véspera do Dia do Jornalista, mostrou que em abril de 2020 e março de 2021, 169 profissionais da área morreram vítima da Covid-19.

O levantamento ainda mostra que no primeiro trimestre de 2021 a doença fez 86 vítimas, uma média de 28,6 de mortes por mês, representando um aumento de 8,6% do que em 2020, quando o número de óbitos registrados de jornalistas mortos pelo novo coronavírus era de 78. 

O Pará e o Amazonas são os estados que mais registraram mortes de profissionais de imprensa no Brasil, ambos com 19. No Maranhão, quatro jornalistas morreram. Em Imperatriz, a vítima foi o jornalista Saulo Gomes, em novembro de 2020. Ele trabalhava como apresentador na TV Imperatriz, afiliada à Record News. 

A necessidade e reafirmação da utilização de medidas de segurança se faz cada vez mais indispensável no exercício do jornalista no dia a dia, principalmente para aqueles que atuam nas ruas.  “Sabemos onde podemos e não podemos ir, e quais são os protocolos necessários. Porém, às vezes é preciso lembrar que certas matérias colocam a equipe em risco. Cabe ao repórter impor os limites de segurança para si e toda a equipe.” detalha a repórter e apresentadora plantonista da TV Mirante, Diulia Sousa, sobre a adequação realizada na produção de notícias em período pandêmico, visando a segurança dos profissionais.

VACINAÇÃO

Em quase todo o país a vacinação teve início no dia 19 de janeiro. Em Imperatriz, a aplicação das doses começou pelos trabalhadores de saúde que atuam na linha de frente do combate à Covid-19. Atualmente, a aplicação tem seguido uma lista prioritária, que inclui idosos, profissionais da educação e profissionais da saúde. 

Estima-se que no Brasil cerca de 46.426.188 doses já foram aplicadas. Em Imperatriz, segundo a Prefeitura Municipal, as doses aplicadas já chegaram a 48.888, até a última quinta-feira (29).

No Brasil, vários Sindicatos de Jornalistas solicitaram a entrada na lista de prioridade na vacinação contra a Covid-19.  O argumento utilizado é que os profissionais da comunicação têm permanecido na linha de frente da informação desde o início da pandemia, incessantemente.

O jornalista e professor acadêmico do curso de Comunicação Social da UFMA, Alexandre Maciel, concorda com a ação e também destaca a atuação dos jornalistas na linha de frente da cobertura da Covid-19.

 

Diulia Sousa diz que é a favor da inclusão de jornalistas no grupo prioritário para receber a vacina (Foto: reprodução Instagram)

Diulia reafirma seu posicionamento. “Super concordo, nossa categoria não só não parou nenhum dia, como estamos em risco diário na execução do nosso trabalho. Temos contato com milhares de pessoas todos os dias, inclusive profissionais da saúde. O trabalho da imprensa é essencial, merecíamos mais respeito e consideração. O que infelizmente não existe no nosso atual governo”, conta a repórter.

Já a apresentadora Ananda se contrapõe ao pedido dos sindicatos. “Sou totalmente contra, acho que as prioridades foram elencadas com base em pesquisas científicas, e é nelas que a imunização tem que se basear. Se for um jornalista idoso, tudo bem. Se for um jornalista com comorbidades, tudo bem, mas vacinar pelo simples fato de ser jornalista, não.”

E justifica dizendo que o problema perpassa a situação atual a muito tempo. “Acho que isso passa por outra vertente que os sindicatos há anos não têm conseguido fazer controle: questões trabalhistas, exigência de segurança no trabalho e etc. Nossa categoria tem sofrido muito, principalmente em um governo que odeia nossa classe. Há séculos não entramos na faixa de risco para jornalistas. É muito além da vacinação, sabe. Os riscos que nos cercam são muito mais complexos.”

O projeto de lei que inclui os jornalistas e demais profissionais, criado pelo Deputado Federal Dagoberto Nogueira (PDT-MS), seguiu para tramitação por comissões da Câmara de Deputados, sem previsão de votação.