A DUPLA JORNADA DE ESTUDO E TRABALHO NA PANDEMIA: estudantes que também são trabalhadores relatam suas experiências com home office e ensino a distância durante o período de isolamento social

Por Cairo Yuri e Kennedy Mendes

Laís Santana se desdobra para conciliar rotina remota e presencial — Foto: Acervo pessoal

 

O home office e o ensino à distância são formatos em crescente uso antes mesmo da pandemia, porém, após o surgimento da Covid-19 a utilização de modos remotos se intensificou ainda mais. Devido à necessidade do distanciamento social muitas pessoas passaram a trabalhar e estudar em casa.

Fabiana Pureza, de 24 anos, moradora de Belém – Pará, professora de informática e acadêmica de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, conta que antes da pandemia, por depender de ônibus, acordava às 05:00 para chegar ao trabalho às 08:00. Ela relata que saía do serviço às 18:30 direto para a faculdade, chegava em casa todos os dias por volta das onze da noite. Após viver a experiência do home office Fabiana destaca um ponto positivo: não precisar mais acordar tão cedo para ir ao trabalho e não encarar os ônibus lotados da capital paraense.

Como o constante crescimento no número de estudantes que também são trabalhadores é possível perceber que a parcela da população mais atingida pelas atividades remotas são os jovens. Como aponta um levantamento da consultoria IDados, essa expansão tem motivo na popularização do ensino à distância, por ser uma modalidade mais barata e mais compatível com a jornada de trabalho.

Estudante de Jornalismo no ensino à distância e funcionária de uma agência de viagens durante a maior parte do dia, Laís Santana, 22 anos, acredita que não há conciliação plena entre trabalho e estudo. “Um dos dois lados vai faltar. Ou foca em um, ou foca em outro.” Isso se deve às rotinas exaustivas que impedem uma boa gestão do tempo de quem necessita da renda enquanto estuda. Ela admite que antes da pandemia tudo era mais simples, pois seguia um cronograma e o trabalho em tempo parcial permitia mais organização.

Bianka Damascena, 29 anos, professora e empresária, também tem suas queixas sobre o home office e o ensino à distância. Ela conta que encontrou dificuldades em estabelecer rotina em casa: “alguém te chama, bate na porta, é difícil não ser interrompido”. Além disso, Bianka explica que somado aos problemas de adaptação ao novo modo de trabalhar e estudar, o fato de não sair de casa e não interagir com outras pessoas abalou a sua saúde emocional.

Durante a pandemia ela se formou no curso de Engenharia Civil, que anteriormente fazia de forma presencial. Mas sua frustração com o ensino remoto foi tão grande que resolveu não dar sequência à carreira de engenheira. “Senti que não aprendi mais nada com EAD”, lamentou.

Outros fatores têm atrapalhado nessa dupla jornada online, como a falta de equipamentos, estrutura e de internet. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (2018) 5,8 milhões de estudantes não tinham acesso à internet. Isso representa quase 14% do total de estudantes de instituições públicas e se torna uma fonte de ampliação da desigualdade.

Fabiana Pureza tenta conciliar trabalho, estudos e cuidados com os sobrinhos
que moram com ela — Foto: Acervo pessoal

A universitária e professora de informática Fabiana Pureza mora numa região de Belém com difícil acesso à internet e contou como foi seu desafio quando seus estudos e trabalho migraram para o modo online:

“Eu tive muita dificuldade logo no início da pandemia, porque eu não tinha acesso à internet, aqui onde moro é muito limitado, perto do interior, então a linha de internet é complicada pra cá. E computador também não tinha, mas a empresa me forneceu para que eu pudesse trabalhar em casa. Isso tudo gerou um bloqueio porque eu tive dificuldade, utilizava dados móveis para dar aula, a conexão caía e os alunos reclamavam. Nos estudos, eu perdi um semestre inteiro quando não tinha essa internet em casa.”

No contexto familiar existem outras dificuldades, o cenário amplia-se para uma tripla jornada quando, além de trabalhar e estudar dentro de casa, se tem filhos para cuidar. Ao levar os trabalhos para o lar, quem é pai ou mãe tem problemas na gestão de cuidados com os filhos e com a casa, assumindo responsabilidades somadas às que já estava habituado(a) antes da pandemia.

Como relata Nathália Furtado, de 25 anos, que é mãe, professora infantil e aluna no curso de Odontologia: “O fato de ter que equilibrar a criação de uma criança de 2 anos, o trabalho, estudo, e ficar dentro de casa em isolamento mexeu muito com a minha sanidade mental”. A professora ressalta ainda que sua rotina ficou bagunçada, pois antes da pandemia deixava sua filha na escola e saia para trabalhar. Quando mudou para o home office, diversas vezes teve que parar de dar sua aula online para atender às necessidades da filha.

Para manter a saúde mental e administrar o tempo, a psicóloga Andressa Cury indica inserir um cronograma na rotina, se bem feito, pode proporcionar controle e satisfação. Ela também fala que é necessário priorizar os momentos de descanso junto a prática de atividade física para descarregar as energias.

A profissional defende a importância da psicoterapia nesse momento de necessidade de aprender a gerir estudo e trabalho remoto, visto as chances da modalidade permanecer, além do uso do ensino híbrido. Aos poucos tem se criado um novo olhar sobre a terapia nesse contexto cada vez mais denso de sobrecarga. Uma boa opção para que essa nova rotina, ao invés de trazer pesadelos, traga a sensação de dever cumprido.