Um novo olhar para a disciplina de matemática

“Matemática você vai pra escola pra aperfeiçoar as noções que já aprende nas suas relações do dia a dia”, ressalta o professor Josemarlon Oliveira Silva.

 

Repórteres: Janayna Sousa, Maria Eduarda Anchieta, Rayane Castro e Saiury Lima

Fotos: Arquivo pessoal do entrevistado.

 

Josemarlon Oliveira Silva há 33 anos atua como docente de matemática.

Quando o assunto é geometria, álgebra, porcentagem, entre outros conteúdos relacionados a área de matemática muitos alunos sentem dificuldades para compreenderem. Matemática é uma das disciplinas mais difíceis para a maioria das pessoas. Diante dessa realidade, trabalhar com os números de maneira envolvente é um desafio para os docentes.

Inspirado em um dos seus professores, Josemarlon Oliveira Silva se tornou professor de matemática. O educador leciona no ensino médio do Instituto Federal do Maranhão, campus Imperatriz (IFMA). Há 33 anos Josemarlon trabalha com essa disciplina e reconhece a dificuldade que as pessoas enfrentam para entenderem os assuntos. Na percepção do profissional falta familiaridade e orientações adequadas do quanto a matemática está relacionada com o nosso cotidiano.

A partir dessas constatações o educador tenta identificar as dificuldades dos alunos referentes a matéria para buscar métodos que facilitem o processo de ensino-aprendizagem. À vista do momento pandêmico, segundo o professor, emergiu a necessidade em aplicar novas metodologias nos projetos pedagógicos, mudanças não só ocorridas no ambiente escolar, mas também nas práticas de ensino. Na entrevista o docente comenta sobre o funcionamento da disciplina matemática, os desafios recorrentes do cenário pandêmico causado pela Covid-19 e uma breve opinião sobre políticas afirmativas e implantação do novo ensino médio.

 

Imperatriz Notícias: Quando você decidiu que a docência era a carreira que queria seguir?

Josemarlon Oliveira Silva: É engraçado, quando a gente começa, não começamos como professor. Por exemplo, eu não tinha a perspectiva no ensino médio de ser professor, eu estava construindo uma identidade, e eu tinha algumas perspectivas profissionais, mas em nenhuma delas contemplava a ideia de ser professor. Eu tive um professor do ensino médio que faleceu recentemente, o professor Magno Urbano, muito amigo, e eu via nele um referencial, eu passei a pensar em dar aula porque eu pensei “eu quero ser igual a esse cara”. E aí eu estava no segundo ano do ensino médio, o município aqui passava por uma crise, na época os professores, muitos com salários atrasados por seis meses e sem dar aula, uma greve, e foram lá na escola e colocaram um cartaz de um seletivo pra professor de química, não era nem de matemática, eu estudei e consegui passar em primeiro colocado. Era pra pessoas formadas, me chamaram e eu não tinha idade porque eu estava no segundo ano do ensino médio, eu não tinha idade sequer para celebrar um contrato.

 

IN: Enquanto docente qual a sua perspectiva sobre a disciplina de matemática?

JOS: Eu sou suspeito pra falar dela, mas eu vou passar a visão dos meus alunos. Um aluno me disse nessa semana assim: “Professor, eu não entendo muita coisa de matemática, mas mesmo sem entender eu me empolgo quando o senhor tá dando aula”. Eu perguntei: “Mas por que você se empolga?” ele disse: “porque o senhor ama o que faz”. E isso me lembrou uma frase de um pensador, que ele diz assim: “A diferença entre fazer bem feito e fazer melhor, é que você faz melhor quando você ama o que faz”. Eu gosto da disciplina, eu escolhi dar aula dela e eu tenho uma frase que eu gosto de dizer pros meus alunos: Se Deus me facultasse o benefício de voltar a terra e escolher algo pra fazer, uma profissão, eu escolheria exatamente a mesma. Se mil vezes eu tivesse a opção de escolher, mil vezes eu escolheria a mesma.

 

IN: Como você espera que o aluno utilize os aprendizados de matemática?

JOS: Engraçado, matemática você não tem como fugir dela, porque por mais que você não queira nas suas relações com o meio no qual vive, você precisa de matemática, por isso que é importante que você faça as coisas com paixão, com amor, para que as pessoas percebam o que muitos tem, que é o bloqueio em relação a disciplina. Matemática você vai pra escola pra aperfeiçoar as noções que já aprende nas suas relações do dia a dia.

 

IN: O que fazer para adquirir a atenção do aluno para a matéria de matemática?

JOS: Ai que tá a questão, eu consigo, e é um fato importante. Com a experiência de professor eu aprendi que é mais fácil as pessoas gostarem de algo que alguém faça quando as pessoas gostam desse alguém. Quando elas têm uma relação de proximidade com esse alguém. Mas como é que você desenvolve uma relação de proximidade? Num universo de 40 alunos que você nunca viu, que provavelmente depois dali você nunca mais verá, portanto, sua relação com eles é temporária. Você precisa desenvolver uma relação de aproximação com os alunos, precisa de algo que os aproximem, não digo que você precisa ser amigo, porque talvez não dê pra aprofundar a amizade, mas eles precisam gostar do que você faz, gostando de você, precisa conquistar a atenção.

 

Professor Josemarlon no exercício da profissão.

IN: Que estratégias você utiliza para entusiasmar os alunos durante as aulas de matemática?

JOS: Você precisa primeiro, ser dinâmico, ter uma boa metodologia e mergulhar no universo dos alunos. Alunos têm expressões próprias, linguagens próprias e até tratamentos próprios que você vai percebendo no dia a dia. A medida quando tudo começa é muito frio, início do ano e você nunca viu aquela turma, mas à medida que o tempo vai passando você vai costurando aproximações, você precisa circular pela sala, ir até a cadeira, conversar, investir alguns dos seus intervalos para permanecer próximo dos alunos conversando. É nessa hora que você percebe quem tem dificuldade, quem está com algum problema, quem precisa ouvir algum conselho. Assim, você atrai o aluno não somente com a metodologia, mas com a aproximação que desenvolve com ele.

 

IN: É possível verificar as dificuldade que os alunos enfrentam na vida pessoal?

JOS: É onde está o detalhe, dá pra saber. Quando você está explicando, você capta o nível e atenção das pessoas, a gente acaba desenvolvendo a habilidade de ser um bom observador. Você consegue entender quem está na aula de corpo e mente, e quem está na aula só de corpo. O que aprofunda a relação com as pessoas é você ser solidário a elas no momento de dificuldade, de repente você quer ganhar a pessoa e percebe que ela está na aula, porém não está. Quando eu percebo que o “fulano não é assim, não está bem”, eu vou ficar no intervalo da aula e conversar com ele.

 

IN: Você já vivenciou momentos em sala de aula que lhe surpreendeu positiva ou/e negativamente?

JOS: Sempre tem, sempre. Quando é positivo é bom, a gente costuma focar nesses casos quando tem uma turma que é extraordinária, que é um ponto fora da curva, que extrapola as metas. Mas eu também já tive umas com enormes dificuldades. Engraçado, eu tive turmas de educação de jovens e adultos, aquelas pessoas que já tem uma vivência, o próprio nome já diz, alguns são até idosos, em que eu encontrava um ambiente de esforço e dedicação, não estou dizendo de tempo, nem de oportunidade, mas de vontade de conquistar, de esforço e de querer até mais do que as turmas de jovens e adolescentes. Então, as turmas que mais me surpreendem são as turmas que tem mais dificuldades e que tem menos oportunidades.

 

IN: Como você sentiu o impacto da pandemia nos alunos da disciplina de matemática?

JOS: Eu vou te contar um negócio, a pandemia piorou as relações e causou distanciamento, não só o distanciamento social, mas uma ruptura nas relações de aproximação. Eu não vejo meu aluno, eu vejo a foto dele estático, por exemplo, a Maria não liga a câmera e eu não sei se ela está bem ou não, se está compreendo, eu não sei nem se ela está fazendo o que eu proponho ou se apenas copia do colega. Resumindo, nós já tínhamos uma educação deficitária no Brasil, a pandemia conseguiu piorar tudo isso.

 

IN: Como as políticas afirmativas contribuem para o desempenho acadêmico dos seus alunos?

JOS: Essa é uma questão importante, eu tenho alunos que se provavelmente não fossem as políticas de inclusão não teriam chegado aonde estão. A mais relevante política de inclusão é a política de cotas. Primeiro exemplo, eu tive um aluno filho de um fiscal de justiça renomado na cidade, ele foi meu aluno durante metade do ensino fundamental e todo o ensino médio, graças a política de cotas ele conseguiu um diploma de Direito na Universidade de Brasília (UNB), graças a isso ele é um advogado em Brasília. Então, eu sou apaixonado pelas políticas de inclusão, pois elas beneficiam aqueles que mais precisam.

 

IN: Com as próximas mudanças no ensino médio o que você acha que ocorrerá com o ensino brasileiro?

JOS: Esse é um problema sério. Na verdade está tentando se copiar modelos, a educação brasileira ocorre em dois níveis que por hora são separados, ela ocorre no nível técnico, ou ela ocorre no nível básico. Ou eu preparo um ensino médio focado no mercado de trabalho, ou preparo um ensino médio que o aluno saia preparado para adentrar numa faculdade e, portanto, ter acesso ao ensino superior. Aí vieram os institutos federais e perceberam que era possível fazer as duas coisas, tanto é, que onde tem um instituto federal ele tem níveis de aprovação e desempenho similares ao das melhores escolas particulares. Se pergunta: como que o cara consegue isso se lá ele não tem só as disciplinas do ensino base? Porque as coisas são feitas num nível de qualidade diferenciado, agora vem a reforma do ensino médio e na reforma se pretende dá enfoque exatamente a isso. Vão querer que desde o ensino médio você direcione os estudos para uma área de afinidade sua, e que você saia do ensino não apenas com a qualificação básica, mas com a qualificação alinhada na sua área profissional. Isso é bom desde que você não comprometa o ensino básico. Não se está acrescentando nada ao ensino médio, se está tirando do ensino médio parte do tempo pra acrescentar coisas novas. Quando se tira o que é pouco você acaba enfraquecendo aquilo que já existia.

 

Entrevista produzida para a disciplina Técnicas de Entrevista e Reportagem (2021.2), ministrada pela professora Nayane Brito.