Texto: Aline Leite
Fotos: Acervo pessoal do entrevistado
“Tinha professor que não sabia nem ligar o computador”
Ivanildes Silva Viana
A pandemia obrigou a uma readequação comportamental no âmbito educacional, um novo modelo quarentenes de vida. A educação presencial se fez on-line e as deficiências tornaram-se escancaradas, fazendo com que uma parcela da população projetasse aspectos que embora ignorados, ainda são sensíveis à educação brasileira – a educação digital. Os pontos mais desconfortáveis vividos na educação por meio das plataformas em tempos de coronavírus foram a falta de capacitação dos professores para o ambiente digital, o desleixo da família em dar suporte para o estudante, a demora na retomada do ano letivo, e principalmente as falhas em ter uma boa rede de dados. Consequentemente, com as aulas remotas, vários pequenos desajustes digitais sugiram para alunos e professores, atingindo todas as redes de educação: municipal, estadual, federal e particulares em menor propensão.
“Tinha professor que não sabia nem ligar o computador. Alguns professores não tinham acesso de nada em informática, e os celulares deles serviam apenas para ligação e WhatsApp, nem pesquisa no Google sabiam fazer. Nisso eles tiveram dificuldades, veio o novo e aí o desespero, e teve gente que foi parar no hospital”, lembra Ivanildes Silva Viana, 44 anos, coordenadora da escola Lago do Cisne da rede municipal. Essa falta de capacitação lembra uma ferida na história brasileira, vista no último relatório da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) contínua de 2019, no qual o Brasil consta com 11 milhões de analfabetos. Embora esse número esteja em queda, o Maranhão continua a ter uma das piores taxas (15,6%), figurando como quarto maior no país em analfabetismo.
O analfabetismo funcional é uma realidade antiga para os brasileiros, e a educação digital vem formando um novo aspecto no país. Essa nova maneira de educar, demonstra também ser uma tendência negligenciada no Brasil, como observado na readequação compulsória do ano letivo de 2020 e as suas constantes e repetitivas problemáticas.
Uma outra situação percebida pela coordenadora Ivanildes Viana, em Imperatriz, foi a não colaboração dos pais nos estudos dos filhos. Segundo a coordenadora, para alguns alunos o uso da plataforma on-line Geduc, depende da supervisão dos pais, mas nem todos dispõem de um temperamento equilibrado e acabam por “estourar” com o filho e professores. “Muitas histórias desse tipo, muitas mesmo, a criança do ensino fundamental menor, depende do pai e mãe para fazerem a leitura da atividade para eles. Então, os pais devem entrar na plataforma e mostrar o celular. Mas alguns não quiseram dar o celular para o filho, alegando ter conteúdo inapropriado para crianças”, afirma Ivanildes. Os professores tiveram que insistir para que emprestassem o telefone para o filho, no que resultou em farpas. “Eu recebi muitas ameaças, de pais perguntando ‘se eu estava na cola do filho deles’ e continuaram ‘se eu denunciaria eles e que eu poderia denunciar’ que eles não dariam o celular para o menino não”, lembra a coordenadora.
“Não professor, se eu ligar a câmera eu saiu do sistema, então, fica difícil”
Jorge de Souza e Silva
O Brasil dispõem de variadas operadoras que fornecem planos de internet, mas a sua infraestrutura e suporte não correspondem com o esperado, sentimento compartilhado em todas as esferas da educação. “Nem todos tem computadores ou notebooks, acessam pelo celular. E eles precisam de uma interface para o acesso no YouTube e em outros apps. O aluno diz ‘professor estou no celular, eu não tenho como fazer isso’ e eu quero ver ele ‘o rosto do aluno’ e o aluno responde ‘não professor, se eu ligar a câmera eu saiu do sistema, então, fica difícil’. Embora seja uma faculdade particular, os alunos também sentiram o desequilíbrio econômico”, lamenta Jorge de Souza e Silva, 56 anos, professor titular na Faculdade Ceuma.
De acordo com a pesquisa realizada pelo Itaú Cultural e pelo Datafolha em outubro de 2020, regularmente 71% das pessoas entre 16 e 65 anos acessaram as redes via celular, enquanto 7% delas sequer têm acesso à internet. Dessa forma, as redes federais e estaduais em tempos de pandemia ofertaram um auxílio facilitador no processo de integração digital. Por meio de editais permitiram que alunos e professores pudessem ter um chip com pacote de dados e o empréstimo de tabletes. Mas “nem sempre a rede do chip fornecida entrega sinal, de modo que atrapalha também o rendimento dos estudantes, principalmente os que moram nas cidades circunvizinhas”, afirma o docente Allisson Bezerra Oliveira da Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul). Situação também percebida no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), onde, segundo Marcio Mosiel do Nascimento Oliveira, 41 anos, que trabalha na equipe pedagógica, as dificuldades técnicas são enormes. “Mesmo com a oferta de chips e com as bolsas correspondentes aos valores da internet, o pacote de dados não consegue acompanhar as aulas no Classroom ou YouTube, o pacote não dá conta”.
“As unidades escolares não sabiam muito bem o que fazer”
Djalma Oliveira de Sousa
A falta de capacitação na formação digital também foi percebida em outros estados, sendo que cada educador desenvolveu os seus métodos, como relata o professor Djalma Oliveira de Sousa, 42 anos, docente em dez turmas do Ensino Médio na escola Estadual Lyceu de Goiaz, no estado de Goiás. Assim, observando os caminhos que a situação tomava, “as unidades escolares não sabiam muito bem o que fazer”, no que desembocou o evidente desnível socioeconômico entre os seus alunos. O professor na área de filosofia e projeto de vida, no ímpeto de suprimir a falta de suporte e direcionamento, diante a retomada inevitável do ensino, conhecido como Regime Especial de Aulas Não Presenciais (Reamp), passou semanas desenvolvendo habilidades para lecionar no ambiente virtual. “Eu fui um dos primeiros a gravar vídeos, e a utilizar a plataforma no Google Forms. Também tive que aprender edição de áudio e vídeos, tudo por conta”, na esperança de diminuir esse abissal contraste.
O desempenho na reestruturação do ano letivo pelas universidades e institutos foi melhor do que nas redes básicas. Entretanto, a particular sequer parou. Como destaca o professor Jorge de Souza, segundo o qual a readequação na faculdade particular foi imediata. “Ficamos dois dias sem aulas, apenas. Aguardando o decreto do governo do estado para poder agir conforme a lei”. O mesmo se deu na escola particular Delta. Segundo a professora e psicopedagoga Arlete Ramos dos Anjos, 39 anos, professora do infantil “a instituição estava a meses trabalhando em adotar uma plataforma e ficamos 15 dias sem ter aula. Então, com a Microsoft Teams, temos três aulas com um intervalo de dez minutos. Ficou combinado com os alunos esse método, e eles seguem a risca”. E a Faculdade particular Facimp Wyden segue a mesma praticidade, de acordo com a aluna Mayra Rebecca Carvalho Santos de Lima, 24 anos, que cursa Farmácia pela instituição “Estávamos estudando desde fevereiro e ficamos umas duas semanas interrompidos até retornar as aulas de forma remota”.
Destreza que faltou para as instituições públicas. Mesmo com o fato de IFMA, UFMA e Uemasul manterem os seus respectivos Núcleos de Educação a Distância (NeaD), infelizmente não tinham a expertise do trabalho a distância. “Então, a gente ficou perdido e com muita dificuldade em nos encontrar, ficamos muitos dias, inclusive, sem aulas. Porque ficamos esperando se a pandemia passaria. Estávamos há 70 dias parados, esperando o início das aulas. Na verdade os alunos ficaram uns três meses em espera. Os professores estavam fazendo lives e estudos dirigidos, mas isso não foi de forma organizada definida pela escola”, lembra Marcio Mosiel. O despreparo também pôde ser visto na má utilização dos recursos de algumas instituições, que mesmo possuindo uma plataforma interativa própria repleta de recursos, o seu uso prático não se faz na sua totalidade. “Eu optei pelas ferramentas do Google. O Sigaa é mais pesado, não dá pra fazer as aulas por ele, além de que muitos alunos não tem computador, e pelo celular trava”, conta Alline da Silva, docente no curso de Engenharia Agronômica da Uemasul.