Restaurante Popular do bairro Bom Sucesso sofre com a precarização da estrutura física

Servindo 750 refeições diárias o estabelecimento não cumpre demanda necessária para o bom funcionamento

Ana Oliveira

Com apenas 250 refeições servidas no jantar e 500 no almoço, segundo informações oficiais, o Restaurante Popular da avenida Industrial, no bairro Bom Sucesso, em Imperatriz (MA), é um forte aliado para combater a fome, mas não chega sequer perto de alimentar todos que precisam dele, conforme a opinião dos seus usuários. A organização do estabelecimento desperta reclamações por parte daqueles que o procuram, principalmente nos horários de pico. Além do pequeno espaço, conta com apenas nove mesas com seis  cadeiras embutidas em cada uma, enquanto centenas de pessoas passam pelo restaurante durante as três refeições.

Posição das mesas dificulta a movimentação dos frequentadores (Crédito: Ana Oliveira)

Durante o almoço, pode-se notar que a quantidade de pessoas dentro do restaurante é grande o suficiente para ser difícil transitar no espaço. Elas se esbarram, pisam sem querer nos pés uma das outras e correm o risco de cair sobre as cadeiras embutidas nas mesas, que tomam muito do espaço pequeno. Além disso, cadeirantes que costumam comer no restaurante mal conseguem se movimentar e sentam nos fundos para não serem constantemente esbarrados com chance de tropeçar ou se machucar.

Nas calçadas e na rua, as bicicletas dos frequentadores ficam amontoadas, causando dificuldade para os motoristas. Não existe nenhum bicicletário onde possam ser colocadas com cadeados, o que aumenta a chance de serem roubadas ou até mesmo serem esmagadas pelos carros.

O restaurante abre das 11h às 14h30 para o almoço, mas é comum encontrar pessoas que, mesmo chegando antes das 13h, encontrem o local fechado. O mesmo problema já ocorreu no jantar, que começa a ser servido às 17h e deve oficialmente encerrar às 19h. A população sai das escolas, faculdades e empregos das 18h em diante, e mesmo que consigam chegar antes das sete da noite, a comida já pode ter acabado. Embora haja um grande quadro na parede em frente às mesas que especifica os horários de funcionamento, no dia a dia não é assim que ocorre.

As refeições acabam rápido no restaurante e, muitas vezes, as atividades terminam quando diversas pessoas ainda estão na fila, no sol quente de meio-dia ou na correria após o trabalho, perdendo a chance de almoçar ou jantar. O restaurante funciona apenas em dias úteis, sendo um problema para a população em situação de rua ou de insegurança alimentar, que não tem onde comer durante o domingo e os feriados.

Insegurança Alimentar

De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), em 2022, 33,1 milhões de pessoas não tinham o que comer, conforme revela o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar. “São 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome em pouco mais de um ano. A edição recente da pesquisa mostra que mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau – leve, moderado ou grave (fome). O país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990”.

“O restaurante popular desempenhou um papel importante na minha vida, porque por causa dele, mesmo que às vezes eu não tivesse condições de me alimentar três vezes ao dia durante a semana inteira, eu sabia que se eu estivesse com fome, eu poderia descer a rua com apenas um real e conseguiria comer até a barriga encher.” Ana Maria, 45 anos, autora desse depoimento, conta que muitas vezes, em um passado recente, quando estava desempregada, não teve condições de manter a família de cinco pessoas alimentada durante o dia e o Restaurante Popular do Bom Sucesso, inaugurado em 2022, acabava sendo a solução.

Maria levava marmitas para que toda sua família se alimentasse no almoço e podia até sobrar para a noite. Embora gastasse um valor a mais, com aquele dinheiro ela não conseguiria comprar sequer um pacote de arroz e um de feijão para alimentar seus filhos. Atualmente, com o novo emprego, já consegue manter a família alimentada, mas conta que às vezes, ainda almoça no restaurante, pois é uma opção barata e rápida.

Ela diz que por muito tempo sofreu de insegurança alimentar, pois tinha que lidar com as contas do aluguel, luz, água e ainda arcar com as outras despesas dos filhos. Por isso, um dia podia haver comida em casa, mas à noite, já não sabia o que seria deles na manhã seguinte. Quando o Restaurante Popular do Bom Sucesso ainda não funcionava, e existiam apenas dois, mas distantes uns dos outros, Maria precisava se deslocar do bairro Santa Rita para o estabelecimento da rua Simplício Moreira.

Hoje empregada, com uma situação financeira bem melhor, ela se recorda do alívio da rotina familiar quando o restaurante popular foi aberto. “Mesmo que não fosse tão perto de casa, eu não me atrasava para o trabalho e nem meus filhos para a escola, pois nós íamos para lá juntos e depois cada um seguia seu caminho”. Maria ficava aliviada por ver as crianças irem embora bem alimentadas.

Na opinião de Maria, mais restaurantes populares deveriam ser abertos, principalmente nos bairros mais periféricos de Imperatriz. “Isso diminuiria a situação lamentável que nós vivemos. As crianças deixam de estudar para vender doce no sol quente no trânsito o dia inteiro, sofrendo a chance de serem atropeladas e mortas, além de serem constantemente humilhadas por todo mundo. Se elas tivessem o que comer eu sei que elas não escolheriam estar ali”, analisa. Mesmo sem frequentar o restaurante popular há meses, sempre que passa na frente ela abre um sorriso. Sua vida agora é outra, mas se precisar, terá onde comer.

Acessibilidade

Moradores de bairros próximos, como o Santa Rita, Santa Inês e São José, podem não conseguir chegar no horário que o restaurante popular abre nas três refeições servidas. “É acessível para o Bom Sucesso. Mas tem mais pessoas para se alimentar nesses bairros próximos do que tem de comida para dar a elas”, comenta Valmir De Souza, 50 anos. Ele só consegue ir ao restaurante popular de moto, pois mora em uma rua do Santa Rita muito distante da avenida Industrial. Porém, muitas pessoas tem que se dirigir a pé para o local, no sol quente de meio-dia, incluindo idosos, mães com crianças pequenas e até mesmo cadeirantes.

Os horários que o restaurante abre para as três refeições são curtos. “É um restaurante distante para muitas pessoas de bairros vizinhos. Por isso, ao chegar lá, pode já ter acabado bastante da comida ou ter fechado”, alerta Valmir. Ele afirma que deveria existir um restaurante por bairro, ou pelo menos diversos bem posicionados, já que existem apenas quatro, para que não ocorra uma luta por comida “daquele jeito”.

Cozinheiras servem a população do bairro (Crédito: Beatriz Laboro)

Valmir é pedreiro e comenta que muitas pessoas que trabalham pesado como ele, enchem o prato de comida “até fazer montanha”. Ele já viu alguns frequentadores comprarem duas fichas para comerem, sozinhos, duas vezes. Assim, não sobra tanto para todo mundo. “Eu não culpo eles, são pessoas que muitas vezes nem vão ter como comer outra coisa durante o dia. Ou sequer chegar a tempo para o jantar, que termina na hora que as pessoas saem do trabalho”, lamenta Valmir.

Karol Santos, 24 anos, diz que o restaurante popular é uma boa alternativa para ela quando não tem tempo de cozinhar, ou no fim do mês, com o dinheiro raro para comprar comida, mas a questão dos horários incomoda. “Eu ficaria mais aliviada em saber que não preciso sair correndo meio-dia e antes das 19h para chegar lá e ainda haver o que comer ou não estar fechado. Mas, infelizmente, é a realidade. Tem dia que tem uma variedade de coisas. Em outros, você pode chegar e não terá quase nada”, afirma.

Em certas ocasiões até dormiu ou passou a tarde com fome. “É frustrante. Algumas vezes eu comi apenas uma fruta durante a tarde, ou algum colega me deu um pouco do almoço dele. Mas, à noite, nem isso eu consigo ter”. Boa parte dos trabalhadores e estudantes da região saem depois das 18h, e fica difícil chegar antes de 19h, quando o restaurante encerra o seu turno, mas muitas vezes, mesmo que compareçam horas antes, ainda pode já ter acabado. “É questão de sorte, mas não deveria ser”, acredita Karol.

Ela afirma que entende que a situação do país não está boa. Mas gostaria que as pessoas no poder entendessem a dor do que é dormir de barriga vazia ou não saberem se vão conseguir comer no dia seguinte. “Se eu sinto fome de segunda a sábado, por que eu não sentiria fome no domingo?”. O restaurante abre apenas de segunda a sexta.

Assim, como lembra Karol, muitos moradores de rua que dependem das refeições só conseguem se alimentar com regularidade seis dias da semana. “Apesar de tudo, eu sou grata por ainda ter onde comer, mesmo que não todo dia. Eu não sei o que seria de todas essas pessoas se esse fechasse, como já ocorreu com outros restaurantes populares em Imperatriz”.

Horários

Camille Oliveira, 20 anos, mora no Santa Rita e ressalta que não costuma frequentar com regularidade o Restaurante Popular, mas sempre que vai, reconhece diversos rostos. “Eu vejo gente de diferentes idades. Mas o que eu sempre presto atenção é que tem pessoas que não importa se eu passe um mês sem ir, quando eu for, elas ainda estão lá”, comenta. Apesar de não necessitar do Restaurante Popular para sobreviver como muitos que todos os dias estão na fila, ela entende a sua importância para a população mais necessitada. Camille percebe pessoas que sentam juntas na mesma mesa, se cumprimentam e vão embora por caminhos diferentes. Então acredita que por frequentarem tanto aquele espaço, já se sentem em casa de alguma maneira.

“Muitas pessoas, como eu, têm o tempo de almoço muito curto. Então não temos como ir lá e ir embora para casa, por isso temos que comer lá mesmo”. Na opinião de Camille, algumas questões da estrutura do restaurante podem ser melhoradas, como o espaço de alimentação. Como o lugar é pequeno, quando está cheio, as pessoas se esbarram umas nas outras e nas mesas, que também estão disponíveis em pouca quantidade. “Eu vejo aquela fila tão grande quando passo lá. Sempre que entro, parece pequeno, é sufocante”.

Os restaurantes populares têm um papel essencial na luta contra a fome no país, mas estão longe de garantir pleno acesso a todas as pessoas que passam necessidades alimentares. “Eles são essenciais para a população, mas ainda precisamos de mais, só podemos parar quando todos tiverem acesso às três refeições por dia todos os dias da semana”, ressalta Karol.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria Adjunta de Segurança Alimentar e Nutricional (SASAN) da Sedes, em forma de e-mail, e expôs todas as questões apresentadas, mas não obteve respostas.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística, chamado “Meu Canto Também é Notícia”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar histórias jornalísticas em seus próprios bairros. Essa é a primeira publicação oficial de todas, todos e todes.