São Miguel: Onde a quebradeira é pura expressão de poder feminino

Nonata, Emília e Raimunda lembram momentos marcantes de formação e luta

Mariana Oliveira

“Eu sou quebradeira de coco desde que me entendi por gente”, afirma Raimunda Nonata Nunes Rodrigues, 70 anos, ao abordar a realidade da quebra do coco babaçu. Dona Nonata é uma das integrantes da Associação Regional das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (Asmubip), projeto iniciado em São Miguel do Tocantins, em 1992. 

Ela informa que o movimento foi criado para combater as tomadas de terra, que eram muito comuns nesse período. Alguns fazendeiros denominavam o solo como seu e faziam a derrubada da flora. Com essas destruições, muitos babaçuais foram atingidos, causando prejuízos e revolta às mulheres que dependiam da quebra do coco para sobreviver.

Coco babaçu é “ouro” em forma de fruto (Crédito: Mariana Oliveira)

Muitas mortes aconteceram nesse período de luta. “Se você andar por aí encontra muitas caveiras. Uma mulher foi arrastada por um capanga, pois tinha sido vista quebrando coco nas terras de um fazendeiro que ele dizia que era dele”, relembra Raimunda, acrescentando que esse foi apenas um dos casos ocorridos. Na época, não havia defesa e nem a quem recorrer, por isso a manifestação das quebradeiras. Elas só buscavam o que era delas por direito, algo que a natureza as tinha dado.

Conquistas

Quebradeiras reunidas em São Miguel (TO) (Crédito: Cajuí Comunicação Digital)

Após a legalização do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu(MIQCB), em 1995, muitos projetos que as beneficiaram foram aprovados. Elas conseguiram, por exemplo, uma máquina que auxilia na extração do óleo do coco babaçu chamada forrageira. Para combater a desvalorização do trabalho das quebradeiras, uma cooperativa passou a comprar seus produtos para revenda. As mulheres também conseguiram casas cadastradas na associação e hoje existe uma sede no São Miguel que as representa. Muitas viajaram todos os estados do Brasil, e até à Europa, levando sua cultura e aprendizado.

A conquista mais importante foi o empoderamento feminino. Muitos conflitos com os maridos se sucederam, principalmente por conta do período em que o machismo era uma constante. “‘Tu tem que decidir hoje: ou eu ou a tua luta’. Eu respondi pra ele: ‘Já está decidido, eu vou continuar lutando’”. Esta foi a resposta de Emília Alves da Silva Rodrigues, 68 anos ao seu marido quando ele a questionou sobre sua afiliação ao movimento das quebradeiras. Ela afirma que só respondeu daquela maneira por conta das experiências adquiridas nas palestras da associação. Antes, Emília enxergava o mundo de outra maneira e não reconhecia a sua força.

Artesanato e memória 

Passo a passo de dona Nonata produzindo acessórios utilizando a casca do coco babaçu (Crédito: Mariana Oliveira)

“Do babaçu tudo se aproveita”, enfatiza dona Emília, ressaltando que, da casca do coco, se faz o carvão, o fruto torrado vira azeite, e, in natura, batido com água, se torna leite de coco. O azeite também pode se transformar em sabão. A palha cobre a casa e o talo da palmeira sustenta as paredes nas construções de casas de barro. Com o babaçu, diversas peças artesanais podem ser produzidas. Raimunda Nonata foi a criadora e introdutora  do artesanato na comunidade, usando o coco babaçu. Ela já visitou vários lugares do mundo mostrando suas artes. 

Quando eu andei nas comunidades eu vi o quanto de diferença que ela fez na vida na pessoas”, relata Maria Helena Gomes da Silva, 50 anos, filha de Raimunda Gomes Silva. Uma das maiores representantes do movimento das quebradeiras de coco do Bico do Papagaio, dona Raimunda faleceu em 2019, aos 77 anos. A sua luta foi sempre focada no direito das mulheres e ela foi uma grande referência de representatividade, não só para as afiliadas à associação, mas a todas que a conheciam. 

Dona Raimunda em fotografia ao lado de líderes políticos (Reprodução: Mariana Oliveira)

“O que mais me impressiona é como uma mulher sem estudo conseguiu chegar tão longe”, declara  Helena, filha de dona Raimunda, sobre a  força e a determinação de sua mãe. Suas ações foram primordiais para a região. Inclusive, um memorial foi construído em sua homenagem no povoado de Sete Barracas, em São Miguel. Ela dizia sempre que gostaria de ser lembrada mesmo depois de partir. Hoje, sua filha e sucessora continua lutando e levando o nome de sua mãe nas conferências sobre as quebradeiras de coco.

Memorial divulga as ações e a trajetória de dona Raimunda com as quebradeiras (Crédito: Mariana Oliveira)

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística, chamado Meu Canto Também é Notícia. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar histórias jornalísticas em seus próprios bairros. Essa é a primeira publicação oficial de todas, todos e todes.