Texto: Maira Soares
Acordar, tomar café, abrir o computador e assistir aulas de forma remota se tornou a nova rotina de vários alunos do país e do Maranhão. Ou seria assim se o estudante tivesse internet de qualidade ou um equipamento que não precisasse dividir com os irmãos para acompanhar o ensino a distância.
Com a pandemia do novo coronavírus e o isolamento social, escolas foram fechadas e um novo formato foi instituído para que o ano letivo tivesse continuidade. Os estabelecimentos de ensino da rede pública foram os que mais sofreram para se adequar a essa realidade, com aulas paralisadas desde março e sendo retomadas de forma virtual somente em julho.
Com uma população estimada em mais de sete milhões de pessoas segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado do Maranhão vem crescendo com a Educação Básica, com 311.830 matrículas no Ensino Médio contabilizadas em 2018.
Novas ferramentas começaram a ganhar destaque para a realização de aulas on-line e lives para tirar dúvidas. Google Meet, Google Classroom, Zoom, Microsoft Teams, WhatsApp, Youtube e Telegram passaram a fazer parte do cotidiano dos estudantes com a suspensão das aulas presenciais, mas a utilização dessas novas tecnologias trouxe algumas dificuldades de adesão.
Dificuldades
Suzane Evelly Pereira Lopes, 17 anos, estudante do Centro de Ensino Salomão Cury-Rad, localizado no município de Senador La Rocque, assiste as aulas pelo celular e conta que não sentiu dificuldades em utilizar as plataformas destinadas ao envio de atividades e videoaulas. “Dificuldade a gente tem mesmo em se adaptar com essa nova rotina de aulas on-line e estudos em casa”, afirma.
Se para alguns alunos foi difícil aprender a manejar as ferramentas, para os professores e, até mesmo as equipes pedagógicas das instituições de ensino, o manuseio destes novos aparatos foi um processo conturbado, pois muitos não estavam acostumados com as ferramentas.
Para Iolanda Silva dos Santos, 55 anos, professora de língua portuguesa e redação do Centro de Ensino Nova Vitória – escola localizada no bairro Conjunto Vitória – o início foi complicado, mas ela logo aprendeu a manusear as novas tecnologias utilizadas nas aulas virtuais. Até mesmo as coordenadoras tiveram dificuldades em aderir aos novos ambientes didáticos e a procura de cursos, pagos e gratuitos, foi importante para auxiliar na preparação do retorno das aulas.
De acordo com dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2020, realizado pela organização sem fins lucrativos e não governamental, Todos Pela Educação, apenas 14 de 100 alunos do Ensino Médio da rede pública aprendem o adequado em Língua Portuguesa. E, a cada 100 estudantes, 58 deles chegam a concluir o Ensino Médio aos 19 anos.
O processo de ensino e aprendizagem também ficou abalado com as mudanças ocasionadas pela pandemia. A falta de contato entre professor e aluno modificou o modelo avaliativo e o planejamento de aulas sofreu alterações fazendo com que os docentes tivessem que adotar novas perspectivas para atrair a atenção dos alunos.
Além da incerteza diante de tantas mortes e dos possíveis retornos de aulas presenciais, alguns professores também adoeceram psicologicamente, sendo pressionados tanto na esfera pessoal quanto na profissional. Margoula Soares Ribeiro ou Margô, como os alunos a chamam, 33 anos, docente tanto da rede privada como da rede pública da cidade de Imperatriz e do município de Ribamar Fiquene, afirma que os professores têm um acúmulo de funções.
Fora o fato de estarem desmotivados com a falta de interatividade dos alunos, vários dos profissionais foram remanejados ou sofreram diminuição do salário e da carga horária e tiveram que assumir outras funções que antes não precisavam exercer, como a de psicólogo dos alunos.
Falta de internet
O acesso à internet de qualidade e a dificuldade em manusear as tecnologias ainda é crescente no Maranhão, especialmente em áreas rurais no interior do estado. Com a adoção do distanciamento social e o cancelamento de aulas presenciais, a utilização da internet e de recursos tecnológicos se tornou uma realidade no cotidiano escolar.
Segundo dados divulgados pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) intitulado TIC Educação 2019, 58% dos alunos de escolas urbanas e usuários de internet utilizam o telefone celular para realizar atividades escolares e 98% destes alunos acessam a internet no telefone celular. Enquanto que nas escolas rurais apenas 40% delas possuem ao menos um computador com acesso à internet e 9% acessam à rede por meio de outros dispositivos.
“Muitos deles não têm telefone celular. Aqueles que têm, às vezes não têm internet em casa e quando têm é internet móvel e não é suficiente”, explica a professora Margô sobre a situação dos alunos que não possuem acesso a uma rede de qualidade em áreas rurais. Professora de uma escola particular localizada no centro de Imperatriz (ArteCeb) e uma da rede pública (Escola Manoel Bezerra de Oliveira) situada no município de Ribamar Fiquene, a diferença entre as duas realidades torna-se bem mais patente do que apenas 51 quilômetros de distância.
Enquanto as instituições particulares se adequaram rapidamente ao ensino remoto, adotando equipes para realizar a gravação e edição das videoaulas e o acompanhamento da direção, coordenação e psicopedagogos, na rede pública muitos estabelecimentos não possuem esse suporte, como é o caso da Escola Manoel Bezerra de Oliveira. “Na escola, em especial a que trabalho, nós não temos uma coordenação, por exemplo. Nós temos a direção, os professores e os alunos”, afirma Margô.
Os professores também sentiram o impacto do uso de novas ferramentas educacionais. De acordo com o TIC Educação 2019, 33% dos docentes que lecionam em escolas urbanas afirmam ter participado de um curso de formação continuada sobre computador e internet e 93% dos educadores salientam que buscam sozinhos novas formas de atualização sobre a utilização de tecnologias.
A professora Iolanda, para investir em aulas remotas, precisou adquirir um novo computador que atendesse as demandas atuais e procurou cursos para compreender as novas ferramentas de aula.
Rotina na pandemia
Com mais tempo em casa, a rotina se tornou uma bagunça e ficou difícil separar os horários de trabalho dos momentos de descanso. As demandas profissionais aumentaram durante a pandemia e as atividades feitas especialmente nos locais de trabalho agora são desenvolvidas inteiramente nas próprias residências. “Às vezes tive que ficar até meia-noite, uma hora da manhã trabalhando”, comenta a professora Margô.
O isolamento social ainda faz parte da rotina da professora Iolanda, já que é do grupo de risco da Covid-19. Para ela, os horários de trabalho e lazer se misturam e com tanto tempo em casa o trabalho acaba se tornando prioridade.
Diante do fato de os alunos não terem um acesso adequado ao horário de aula e de as demandas serem inseridas em horários inadequados, muitos docentes ainda não conseguiram estabelecer a separação entre o profissional e o pessoal. “Eu não sou mais apenas professora de um turno matutino ou vespertino. Sou professora do turno matutino, vespertino, noturno e nos finais de semana, de domingo a domingo”, destaca Margô.
Autonomia e ensino remoto
A falta do processo de socialização na sala de aula e do contato direto entre professor e aluno fez com que os estudantes tivessem mais autonomia. O ensino remoto exige independência e os alunos buscam apoio nos colegas e amigos por meio de aplicativos de mensagens instantâneas.
A aluna Mayarlla Fernanda da Conceição Carvalho, 17 anos, explica que tem um grupo no aplicativo WhatsApp destinado a tirar dúvidas com as amigas, no qual elas repassam tutoriais sobre as ferramentas utilizadas durante as aulas. A estudante Suzane Evelly também tem um grupo de estudos destinado a tirar dúvidas sobre a resolução de questões.
Por outro lado, a independência adquirida ainda não é a realidade de todos. Keverson Costa da Conceição, 18 anos, não conseguiu se organizar com as atividades e aulas remotas: “Estou me sentindo atrasado por conta que nem todas as atividades dá tempo para fazer e também um tempo especifico para estudar”.
Já a professora Iolanda Silva acredita que houve uma desmotivação por parte dos pais no incentivo aos estudos dos alunos do Ensino Médio. Por acharem que eles já estão crescidos e tem autonomia, acabam não acompanhando o desenvolvimento das aulas e atividades. “O aluno ficou órfão”, define a educadora, ao tratar dos estudantes que não conseguem estudar sozinhos e têm problemas em organizar a rotina de estudos.