“Não posso mais estar tão atenta a brancos de trança”, comenta trancista reconhecida pelo seu projeto de tranças africanas

Repórter: Nylla Dias e Rafaela Vitoria 

Fotos: Nylla Dias  

“A nagô foi a primeira trança que aprendi quando comecei a treinar. Porque aprendi por um vídeo do YouTube, e essa foi a primeira trança que peguei. Até hoje, me pergunto como consegui fazê-la tão bem de primeira. A nagô é muito difícil

Luana Giovana Reis e Silva é uma trancista de 20 anos que atende em sua residência. Em julho de 2020, durante a pandemia, a empreendedora lançou um novo projeto chamado Nalua Nagô e descobriu novas possibilidades. A iniciativa tem como foco as tranças africanas nagô, um penteado feito desde a raiz, que fica bem preso no couro cabeludo. Elas podem ser feitas com o seu próprio cabelo ou usando cabelo sintético. Além disso, você pode escolher fazer as suas tranças em diferentes formatos, que podem formar desenhos na sua cabeça.  

Com o Nalua Nagô, Luana se dedica a destacar a beleza e a importância desses penteados históricos e resgatar a tradição para a atualidade. No período da escravidão foi usado para guardar grãos e até como mapa para encontrar quilombos como dizem algumas pesquisas históricas. Para ela a cidade de Imperatriz, ainda não tinha explorado essas questões o que lhe impulsionou a começar. 

A trancista ganhou mais de dois mil seguidores em suas redes sociais após realizar o projeto, e trançou o cabelo do artista Jefferson Carvalho, que já possui mais de dez mil seguidores no Instagram. Produzindo em média trinta cabelos por mês, em sessões que podem ser de quarenta minutos até modelos mais complexos que chegam a seis horas de trabalho.    

A precificação do trabalho da Luana leva em conta sua mão-de-obra (horas de trabalho) e se terá a necessidade de usar Jumbo (material sintético utilizado para trançar, que tenta se assemelhar com cabelo humano). Seu catálogo tem disponível modelos como a nagô lateral com apenas três trancinhas que custa R$30 para ser feito, e outras mais avançadas como as box braids, que consistem em dividir o cabelo em quadrados e trançá-los até as pontas, chegam no valor de R$250 pois tem um tempo de duração maior no cabelo.  

Em entrevista ao Imperatriz Notícias, Luana compartilhou como descobriu sua paixão pelas tranças, seu processo de aprendizado e suas opiniões sobre sua atual ocupação. Segundo ela, a primeira trança que fez foi nagô, que é considerada uma das mais difíceis e complexas de se fazer, mas conseguiu fazê-la tão bem na sua primeira vez que se surpreendeu.  

Imperatriz Notícias: Existem algumas informações na internet onde falam que as tranças nagôs eram utilizadas para guardar grãos e como mapa. Essas informações são verdadeiras?

Luana Giovana Reis e Silva: Sobre os mapas, não existem artigos científicos para comprovar. Os de grãos têm, mas são poucos. Na verdade, eles talvez fossem usados para plantio ou mesmo para carregar comida de um lugar para outro. Algumas pessoas fugiam e os quilombos eram criados em matas fechadas, e eles precisavam se alimentar ali. Mas é complicado essa parte, porque podem realmente ter existido essa questão dos mapas, mas como não há artigos científicos, a gente acaba não falando muito, porque é um assunto muito delicado. Não é porque não é muito falado que deixa de ser um assunto delicado. E outra coisa quando a gente vai entendendo que a escravidão literalmente interrompeu a cultura, interrompeu uma nação e aí escravizou ela. Precisou ser como um filme de ação, sabe? Eu acredito que eles poderiam ter mecanismos muito mais efetivos, e a resposta viria em curto prazo em relação aos mapas. Essa questão dos penteados foi a primeira coisa a cortar a autenticidade de uma cultura.

“Cara, acho que hoje, como a pessoa que vende a mão-de-obra, preciso ter muito cuidado com essas questões, porque assim, eu, como pessoa preta, não espero muita coisa de pessoas brancas”

IN: Como aconteceu a ideia do projeto nalua nagô?

LGRS: O nalua nagô foi porque eu não vejo nagô desenhada na cidade. Aí fiquei assim: Gente, vamos fazer umas nagôzinhas só para gente testar umas coisas. Imperatriz, ela tem um espaço muito grande, mas ela não é tão explorada culturalmente. E as pessoas aqui da cidade, elas conseguem sim olhar para fora e manter e criar um próprio estilo, sacou? Não é à toa que a gente vê bares como o esquina e como o pub. Não é à toa, é porque a gente pode ver lá fora e tentar colocar na cidade. Mas cobertos de muitas questões, entendeu? Tem muitas box braids na cidade, assim como também tem muita trancista, mas tem um padrão muito grande. Eu sinto que tem um padrão muito grande. O carro-chefe são as box braids, entendeu? Mas dá para você explorar um universo enorme dentro da trança nagô. E aí eu vi que as pessoas não usavam tanto a trança nagô e quando usavam era de uma forma muito delicada, muito simples, para não chamar muita atenção e nem dizer que não tem nada no cabelo. E eu acredito que a nagô pode ser tão “cheguei” quanto uma box braids.

IN: A Nagô tem muita da questão ancestral, ao contrário das outras que são mais relacionadas ao estético certo?

LGRS: É porque, na verdade, todas as tranças são estéticas. Não há uma questão de parâmetro, mas é porque, dentro de uma sociedade capitalista, eu acredito que a box braid é preferida porque tem mais entrada de dinheiro e um hype maior. Eu já vi pessoas negras colocando tranças box braids porque preferiam o comprimento que se igualava ao cabelo liso, não necessariamente pela ancestralidade. Porém, acho que é comum as pessoas se conectarem com a ancestralidade depois que já têm algum tempo com as tranças. Esse padrão influencia a visão de um povo.

IN: Você acha que foi esse o motivo de você iniciar o projeto? Mostrar essa ancestralidade para quem lhe segue nas redes sociais?

LGRS: Eu consegui bastante seguidores depois do nalua nagô, porque, você vai fazer desenhos na cabeça das pessoas, é basicamente isso. Meu cabelo estava grande, eu fazia umas nagôs grandonas com desenhos e as pessoas ficavam: ‘como é que tu faz isso?’ E eu ficava assim: ‘não sei…não sei se devo te contar o segredo.’ E nem são tantos segredos assim, eram realmente cálculos.

IN: Você acha que o projeto aumentou o interesse do público pela nagô?

LGRS: Aqui dentro, as pessoas ficaram mais seguras para fazer a nagô. Alguns clientes meus ficaram mais seguros de uma forma que eles conseguiam falar ‘eu quero essa nagô hoje’, e não mais ‘o que tu escolhe?’. Já era tipo ‘eu quero assim’, então já dava para criar uma linha ali de raciocínio. O meu público se formou depois do nalua nagô, sabe? E é muito louco observar isso, porque as pessoas que vêm, elas vêm com mais frequência, mas não tem medo de fazer a trança.

IN: Quanto tempo duram as tranças?

LGRS: As minhas tranças duram de duas a três semanas, mas também depende muito do cuidado. Tem pessoas que não gostam tanto de frizz. Tem pessoas que já gostam de fazer a trança e por durag e aí já vivem a vida delas. Tem gente que já gosta de fazer nagô pra viajar, tem gente que gosta de fazer a trança para guardar o cabelo. Eu acho que, inclusive, as pessoas estão realmente entendendo que a trança é feita para guardar o cabelo. Claro que, quando tirar, vai ter que cuidar bem mais porque ele está acionando o fio, mas, essa coisa de guardar o cabelo é tipo poupar. Geralmente, nagô é de uma semana, mas já durou um mês porque depende muito do acabamento. Alguns nagôs são realmente feitos para durar mais de três meses, mas também se, em uma semana, você se sentir satisfeito para tirar, pode.

IN: Por que você gosta mais desse estilo? Qual o diferencial da nagô?

LGRS: A nagô foi a primeira trança que aprendi quando comecei a treinar. Porque aprendi por um vídeo do YouTube, e essa foi a primeira trança que peguei. Até hoje, me pergunto como consegui fazê-la tão bem de primeira. A nagô é muito difícil e peguei logo no início, e já me reconheci nela. Acho que foi porque também terminei um processo de aceitação sobre cachos. Meu cabelo não é cacheado, é bem crespo. Lembro que quando fazia, pensava “Meu Deus, que coisa gostosa é fazer trança no cabelo”. Era muito fácil manusear o cabelo crespo e fazer a nagô. Então, realmente comecei a amar a nagô.

IN: Apropriação cultural para você existe?

LGRS: Cara, acho que hoje, como a pessoa que vende a mão-de-obra, preciso ter muito cuidado com essas questões, porque assim, eu, como pessoa preta, não espero muita coisa de pessoas brancas. Mas a trança hoje é um comércio, praticamente uma indústria. Então, chega um ponto em que não posso mais estar tão atenta a brancos de trança. Ainda não tinha feito nem um ano de carreira quando eu me peguei nessa linha de pensamento. Porque, para uma pessoa preta, é preciso ter um acolhimento antes mesmo de fazer a trança, e tem toda uma questão para ela fazer as tranças que vão além da autoestima. Se tenho que trabalhar essa questão, não preciso dar tanta importância para brancos de trança.

IN: Então você não se recusa a pôr tranças em pessoas brancas?

LGRS: Não, eu não tenho nenhum império. Se fosse pique Beyoncé, eu atenderia só quem eu quisesse. Mais, hoje em dia, formando um público e me formando, sei que o comércio muda muito. Ser autônomo muda muito as pessoas e modifica o nosso pensamento, ou é tu ou é tu. 

IN: E em relação aos atendimentos, no dia 10 de fevereiro a Anvisa proibiu o uso das pomadas, Como foi que essa proibição afetou seu trabalho?

LGRS: Nossa menina é o seguinte: De certa forma a proibição das pomadas foi uma coisa certa porque já estava ocorrendo investigações e por mais que não tenha ocorrido tantos acidentes assim como foi noticiado em algumas reportagens é muito importante essa investigação. Depois de tudo isso se descobriram pomadas de um quilo por seis reais, colocava as piores fórmulas possíveis dentro de uma pomada e aí baixava o preço que dava para comprar. Mas não é em todo lugar que se pode esperar uma ética de trabalho.

Serviço:

Instagram: @nalua_braids @luannagioh