Mulheres lutam por uma representatividade feminina negra

Processo de valorização da cultura negra ainda é muito complexo

Texto: Paula Pacheco e Soraya dos Santos

Foto: Beatriz Gama

“Se você não se vê na TV, em revista, jornais, se você não é representado, se desde a infância você não brinca com bonecas negras, se desde a infância você não assiste desenhos com representatividade negra, quando você cresce, aquilo está instalado na sua cabeça e você não vai achar que você é uma pessoa bonita”. A opinião de Thaires Sousa, 19 anos, miss Imperatriz 2020, deixa claro as dificuldades que jovens negros enfrentam para ter representatividade e conquistar espaço na sociedade.

A taxa da população preta no Maranhão ainda é baixa. Segundo a PNADC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) realizada pelo IBGE em 2019, o estado possui apenas 12,8%. Apesar de muitas lutas conquistadas ao longo dos anos ainda há a carência de representatividade destes que sofrem muito com o preconceito e a desigualdade.

A cultura e a representatividade ainda que poucas, são vistas em algumas épocas do ano onde há comemorações, como a festa do bumba meu-boi, no mês de junho, ou nas juninas. Tal personagem histórico é uma das principais referências da cultura negra maranhense, que se faz presente em vários estados brasileiros, como rodas de capoeira, samba e também na culinária. Desde que os movimentos negros ganharam voz na mídia em maio desse ano, as questões dos movimentos e a retratação negra têm sido assuntos recorrentes e pautados.

Em razão desses movimentos, a cultura e a representatividade estão mais ativas, se tornando essenciais e de grande importância para que possa haver a conscientização e lugar de voz negra na sociedade. E como falar em Maranhão e não citar Imperatriz, a segunda maior cidade do estado com uma população estimada de 259.337 pessoas, de acordo com o IBGE 2020, com uma diversificada miscigenação, rica em culturas e costumes, além de acolher todos que nela chegam, do negro ao asiático. “Surgiu na minha vida a partir que me dei conta. Ser uma mulher negra na sociedade infelizmente é sofrer com essas duas coisas: o racismo e o machismo. Então voltei o meu olhar pra essas questões, até ter um olhar mais ativista de fato, porque poxa! eu não vou ficar parada diante de injustiça”, conta a ativista do movimento negro, Talita Lima, de 21 anos.

Quando falam em igualdade racial ouve-se discursos que classificam o debate da causa antirracista como vitimização. Thaires, defensora da causa, fala sobre represálias sofridas. “A gente vive no meio de uma sociedade em que se uma pessoa negra fala demais sobre a causa, levanta bandeiras, milita, ela é extremista, é uma pessoa vitimista, ela tá o tempo todo falando sobre isso, ela é um rádio quebrado, enfim… Se você tem uma pessoa branca que fala sobre o mesmo assunto, que levanta as mesmas bandeiras, ela é tida como uma pessoa com consciência de classe, que entende do assunto, é sempre assim”, declara Thaires. Diariamente relatos como estes são vistos em redes sociais, nas quais, muitas vezes, jovens e adultos negros têm suas vozes caladas pela massa branca contraditória.

O processo de valorização da cultura negra é ainda muito complexo e assumir-se negro tem sido cada vez mais doloroso, pois os ataques e ofensas são corriqueiros e comuns. Mas, com a determinação e encorajamento de muitos jovens isso tem sido mais recorrente ao longo dos anos. Na jornada em busca da compreensão da sua própria identidade, a jovem de 23 anos, Letícia Hellen, empreendedora negra, montou seu próprio negócio, um salão voltado para cabelos crespos e cacheados a fim de ajudar aquelas pessoas que também buscavam sua identidade de volta, e deixar de vez o padrão que a sociedade impõe. “Ver como o meu trabalho é útil para outras pessoas me faz ficar mais realizada. Inicialmente era algo pra me encontrar, acabou aí fazendo outras pessoas se encontrarem. Então, pra mim, é mais que autoaceitação, não é apenas o empreendimento”, relata Letícia.

A autoaceitação da cor e a transição capilar são processos que requerem muita garra e força de coragem, numa sociedade em que se observa muitos padrões de beleza e racismo enraizado. “Meu cabelo interferia bastante com relação às entrevistas, quando eu entrava na sala já via o olhar da pessoa sobre mim”, descreve Victória Santos, estudante, de 21 anos, sobre a sua dificuldade em implantar-se no mercado de trabalho, não somente, mas também em circular em alguns locais públicos sem sofrer algum tipo de ofensa por ser negra. “Já fui maltratada no shopping por um segurança que estava me seguindo e me perguntando porque eu estava de mochila. Eu estava comprando e ele pensou que eu estava furtando a loja”, complementa Victória.

Mulher negra

“A leitura visual de achar que a mulher negra é fogosa, que a mulher negra se prostitui, que dança e samba, que precisa estar nos lugares de trabalho manual mais forçado comparando-se ao trabalho de força do homem”, comenta a professora da UFMA, Herli Carvalho, atual presidente do Centro de Cultura Negra – Negro Cosme (CCN-NC), sobre questões culturais enraizadas na sociedade. A mulher negra na nossa sociedade ainda sofre com a falta de respeito por muitas pessoas. “Para mim é uma questão muito forte, enraizada, que está presente e que precisa ser descontruída. Que a mulher negra fede, há pessoas que chegam perto de mim ‘nossa, mas tu está cheirosa’, ‘por quê? Eu não poderia estar cheirosa? Teria que estar fedendo?’, ‘Meu cabelo teria que estar fedendo?”, conclui Herli.

A mulher negra muitas vezes também é vista como símbolo sexual e esse discurso pode ser observado em variadas atitudes. “Muitos dos homens às vezes nem casam com mulher negra porque a mulher negra serve pra ser amante e não pra ser esposa. Isso é visto constantemente em nossa sociedade, na forma de como eles olham pra gente. A branca é pra ser esposa, a negra é pra ser amante. Isso é dolorido pra gente, e vemos isso a todo tempo, infelizmente”, relata Maria Luiza, uma das fundadoras e atual tesoureira do CCN-NC.

O que é ser negro?

Discutir identidade racial é falar em construção social, a questão da negritude é complexa. “Dizer ser negra em Imperatriz, eu ainda sofro, apesar de ter pele com mais melanina, ter cabelo cacheado, mas ainda têm muitas pessoas que vão dizer ‘ah, mas você não é tão negra assim!’. Aqui tem esse dizer do negro mesmo, o que é um negro mesmo? E a pessoa dizer ‘ah é aquele negro mesmo!’, e existe esse que não é negro mesmo?”, questiona a professora e pesquisadora Marinalda Pereira, sobre a depreciação às pessoas com pele menos retinta.

O termo “negro” era utilizado para inferiorizar os escravos desde o período da colonização. Atualmente, a expressão ainda é usada de modo ofensivo e preconceituoso. A pesquisadora esclarece que “não existem negros, negro é uma construção social, não existia negro antes da colonização, então o negro foi uma construção do outro que olhou as pessoas a partir da cor da pele e chamou de negro por conta da melanina”. Esse processo construtivo de identidade racial necessita de esclarecimentos, em que cada pessoa passa por uma fase de construção e aceitação, pois, nascer em uma família negra não significa que ela irá se identificar.