Texto e fotos por Laís Gomes
A música tem a essência feminina. Sua origem remete ao grego “a arte das musas”. Musas que se destacaram com um diferencial: tocam instrumentos estereotipados como masculinos. Existem muitas intérpretes cantoras. O canto é o meio em que elas ganharam mais força. Quantas vozes femininas marcaram e seguem marcando a música brasileira? Muitos nomes podem vir à memória de imediato. No entanto, ao se perguntar sobre as instrumentistas do país, pouco se sabe, porque apenas uma minoria se tornou conhecida.
Pequena/Gigante
Quem vê a Milena Morais, 22 anos, com seus 1,59 de altura, nem imagina o quão gigante ela é na bateria. Integrante do ‘Ellas’ (banda de Imperatriz que tem apenas mulheres, tanto no vocal quanto no instrumental) é uma das que se apaixonou por um instrumento considerado masculino. Quando tinha 12 anos, ela se encantou pela bateria e de lá para cá, não largou mais o instrumento. “No início foi bem difícil, na minha igreja tinha sete bateristas, eu seria a oitava e, além disso, ainda era mulher, o que “piorava” minha situação. Tive que aprender sozinha, olhando eles tocarem.” Hoje ela é uma das referências em Imperatriz e região quando o assunto é bateria. “O fato de eu tocar bateria não tira a minha feminilidade. O instrumento é apenas uma forma de expressar emoções e mostrar meu talento. Isso independe de sexo.”
Desde sua origem no século XX, até os dias de hoje, a bateria, como instrumento rítmico de percussão, é visto por muitos como “coisa de homem”. O preconceito ainda existe. Quando se trata de uma mulher baterista, a desconfiança e a não aceitação são os maiores incômodos para as musicistas. Mas elas são tão competentes quanto qualquer homem, as mulheres também têm suingue, percepção musical, dominam os ritmos, as levadas, ao vivo ou em estúdio. Prova disso é a lista de profissionais bateristas, que não para de crescer. “Sinceramente, as mulheres têm um ‘tchan’ a mais, por isso acabam se destacando nos instrumentos que tocam”, comenta o baterista Roberto Teodoro dos Santos Júnior.
É claro que o surgimento de bateristas profissionais mulheres não acompanha nem de longe o de homens. Isso se deve a qualquer motivo, menos à incompatibilidade física com o instrumento. Infelizmente, por causa do preconceito, muitas adolescentes e mulheres deixam de tocar, estudar e praticar bateria. Algumas até creem, por algum motivo, que não lhes cairia bem e que bateria é coisa de homem.
Assim como outras mulheres, Milena sofreu preconceito durante sua trajetória. “É muito difícil ocupar espaços que para alguns é só chegar e tocar. Você tem que ficar convencendo que sabe, tem que falar, brigar, ouvir bobagens. Foi difícil, mas reconheceram meu talento e hoje sou conhecida como ‘Mileninha Batera’.” Atualmente, ela é respeitada e famosa no meio, mas afirma que ainda quer mais. “Eu continuo crescendo e buscando ser melhor a cada dia, não para mostrar que sou melhor do que os homens, mas para me aperfeiçoar nesse instrumento que tanto amo.”
O mercado está se abrindo, a sociedade está mudando. Não existe mais a máxima de que mulher tem que tocar só violão e teclado. Mesmo em instrumentos considerados “masculinos”, como a bateria e o contrabaixo, é possível encontrar grandes artistas mulheres. Ainda assim, há muitas instrumentistas que estão cansadas de ouvir: “Ah, mas até que você toca direitinho, né?… “Não é que você tem talento?” “Acham que pelo fato de eu ser mulher, não vou dar conta do recado. Ainda tem muito disso”, garante a baterista Milena Morais. “O preconceito sempre existiu, mas eu nunca dei ouvidos. Apesar de por vezes ficar triste, ergui a cabeça e continuei. Tomei a decisão de lutar pelo meu sonho e consegui, graças a Deus. Hoje sou baterista.”
A paixão pelo “Precioso”
A imperatrizense Edileusa Aguiar, 20 anos, é uma das baixistas mais conhecidas da região. Ela afirma que não tinha o sonho de dominar o instrumento. “Não era algo que eu queria levar para vida, ser conhecida como baixista”. Aos 16 anos ela teve o primeiro contato e o som grave, a melodia e a própria beleza do contrabaixo a encantaram de primeira. “Costumo dizer que me identifiquei com esse instrumento porque tenho mania de grandeza”.
O fato é que um contrabaixo costuma medir entre 1,70m e 1,80m e pesar de oito a 15 quilos. Mas acha que isso a assusta? Nem um pouco. “Tem gente que me pergunta como consigo tocar um instrumento pesado assim. Mas isso é o de menos. Ele é pesado, grande, mas a gente se acostuma.” Edileusa toca violão, bateria, contrabaixo e também canta, mas a paixão maior é pelo ‘Precioso’, o contrabaixo de quatro cordas que ela possui.
As desigualdades entre mulheres e homens é visível em diversos setores da sociedade. Apesar dos avanços, elas ainda são menos reconhecidas na ciência, sub-representadas na política e no mercado de trabalho e ainda recebem menos que os homens quando exercem a mesma profissão. O mundo da música parece não ser diferente: as mulheres enfrentam, algumas vezes, preconceito e desafios como instrumentistas. “Sofri muito preconceito, principalmente pelos rapazes da minha própria igreja. Eles não queriam que eu desenvolvesse, mas eu não desisti, eu amo tocar. Admiro mulheres que tocam, por isso não desisti”, afirma Edileusa.
Embora já não seja tão incomum, uma mulher em cima do palco empunhando um contrabaixo ou “quebrando tudo” na bateria, ainda impressionam os olhos menos habituados. Aos poucos, elas crescem e evoluem, ganhando espaço no mundo da música e provando que assim como os homens, também são capazes.