Marta Alencar, jornalista especialista em Fact Checking, fala sobre os desafios e combates às fakes news na Internet

Repórter: Jeciane Chaves e Henrique Cesar

Nascida em Teresina, Piauí, a doutoranda em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), a jornalista Marta Alencar que é membra da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) e da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), é especialista em fact checking e no combate a desinformação. É fundadora do portal COAR, uma startup jornalística e educacional de debunking e fact-checking no Nordeste, e recentemente entrou para a docência atuando como professora no curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), campus Imperatriz.

Em entrevista ao Imperatriz Notícias, a jornalista falou sobre como tem atuado a função de fact checking diante do aumento e perigos que as fakes news estão trazendo para a sociedade, a importância do projeto COAR nesse meio jornalístico e os desafios e dificuldades que as checagens dos fatos podem trazer, além de relatar também sobre como é acumular as funções de repórter, pesquisadora e docente, e como ela se encontra realizada com as diversas funções que realiza em sua carreira.

Imperatriz Notícias: Nesses últimos anos nós temos observado um aumento significativo no compartilhamento de fake news e já foi provado que esse tipo de conteúdo tem um amplo poder de propagação, no ano de 2018, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts realizou o estudo que é considerado o maior estudo sobre a disseminação de notícias falsas, e eles constataram que as fake news se espalham 70% mais rápido do que notícias verdadeiras. Como funciona a função de fact checking e como tem contribuído para impedir ou reverter os danos causados por essas notícias falsas?

Marta Alencar: No contexto atual, a desinformação, às fake news, que a gente costuma falar tem um impacto muito grande, tanto na questão social, como na política, na economia, até mesmo na saúde. Muitas vezes  a gente fala muito das fake news no âmbito político, mas ela pode ter vários desdobramentos, várias outras questões e ser trabalhada em vários aspectos. Porque eu falo isso? Porque a gente viu mesmo agora recente da Covid-19, a questão das vacinas, as desinformações fazendo com que várias pessoas não se vacinassem justamente por causa daquelas teorias conspiratórias, aquela questão do negacionismo, misturada com desinformação, ou informação manipulada e fora de contexto. A gente observa que hoje em dia não é nem tanto a mentira que as pessoas acabam acreditando e compartilhando, mas na verdade são informações descontextualizadas, e o que é isso? Seriam informações até verdadeiras mas que são muitas vezes do passado sendo repaginadas de outra forma e muitas vezes com alguma manipulação, então ela ganha um novo contexto, porque justamente é uma forma de fazer com que as pessoas sejam mais facilmente manipuladas, além da questão da velocidade como você bem citou na pergunta, e acaba que nosso trabalho fica um pouco mais complicado porque não adianta só dizer se é mentira ou verdade, tem que ter todo um aspecto de investigação que envolve também analisar por exemplo se aquilo foi por um humano ou se foi feito por um robô, se foi feita de forma automatizada, a gente observa por exemplo se aquela mesma fake news não foi divulgada anteriormente, então assim acaba que o nosso trabalho fica sendo difícil por causa dessa questão da velocidade, imediatismo, sensacionalismo.

IN: Aproveitando que a senhora citou robôs, como você vê a influência da IA (inteligência artificial) na propagação das fakes news??

MA: Elas tem tido um grande impacto, a gente observa que desde as eleições de 2020 a desinformação tem essa notoriedade com a inteligência artificial, essa automação da desinformação, porque acaba que por exemplo sendo utilizado o deepfake, a manipulação das imagens para dizer por exemplo que o político estava naquele lugar e na verdade ele não estava, vocês podem observar que é como se fosse realmente uma guerra política em que muitas vezes o adversário que é para manipular a opinião pública ele divulga a imagem do opositor em um determinado contexto, manipula determinado texto então vocês observam que a inteligência artificial tá sendo cada vez mais utilizada justamente porque ela é mais rápida que um ser humano, porque ela tem um alcance também mais rápido e também porque de alguma forma acaba sendo até mais barato do que pagar várias pessoas para ficar ali fazendo um texto se pode usar um robô pra propagar de forma mais rápida, disseminar uma informação falsa, então nesse contexto em que a gente tá vivenciando que é mais complexo porque acaba que você tem que checar o que é produzido pelo humano e também produzido por robôs e aí talvez seja o mais complicado, não é impossível. Por exemplo a história do papa, da jaqueta vocês lembram?? Muitos jornalistas acreditaram que era o papa usando a jaqueta porque estava mais estiloso, eu falo isso pra vocês porque eu já chequei jornalistas que divulgaram a informação inclusive a Meu Norte que circula aqui em Imperatriz dizendo que a informação era verdadeira e eu até falei “gente, chequem corretamente as informações, foi uma inteligência artificial que produziu”, pra vocês verem que tem jornalistas que acabam até acreditando, mas era uma informação equivocada, aí também esse é o nosso cuidado, que é redobrar a nossa atenção para essa questão do uso da inteligência artificial.

A gente observa que hoje em dia não é nem tanto a mentira que as pessoas acabam acreditando e compartilhando, mas na verdade são informações descontextualizadas

IN: E de onde veio seu interesse por desenvolver um trabalho nessa área?

MA: Eu não vou negar que o meu interesse maior surgiu durante minha pós graduação em marketing digital, em 2014. Eu vi uma imagem de uma mulher sendo espancada por várias pessoas, era a Fabiana Maria de Jesus, em Guarujá, São Paulo. Naquela época aquilo me arrepiou, eu chorei, eu fiquei assim “nossa, uma mulher, mãe de duas meninas que praticamente não conseguiu reagir”, e ela foi espancada, ela era inocente e por causa de uma fake news ela foi assassinada por 50 moradores, se eu não me engano apenas 4 foram presos, então pra vocês verem que uma informação falsa pode… E aí naquela época eu pensei “eu quero trabalhar com isso”, quando entrei no mestrado, no primeiro dia de aula eu falei “eu quero fazer o mestrado, trabalhar com checagem, no combate a desinfirmação em homenagem a Fabiane de Jesus” e aí desde então eu trabalho com isso em homenagem a ela.

IN: Quais dificuldades podem surgir, e já surgiram, durante o processo de checagem de fatos?

MA: A maior dificuldade eu acho é por exemplo às vezes a questão dos dados por isso que eu acho que é importante quem trabalha com checagem saber um pouco de Jornalismo de dados porque as vezes o dado que você está investigando pode está um pouco equivocado então você tem que pedir a ouvidoria do órgão, governo do estado, às vezes conferir no portal da transparência se aquele dado realmente não foi alterado, foi equivocado, tem que analisar muito entendeu? É por isso que é um pouco mais complexo, porque não é só checar por cercar, é chegar e demandar tempo, aí tu me pergunta: mas é um trabalho fácil no sentido de tempo? Que a desinformação rola muito rápido, então como é que fica a checagem? Aí é que tá, enquanto a gente demora as vezes 1 semana ou 15 dias para checar uma informação, a desinformação ela em minutos alcança mais rápido e aí é um desafio porque a gente demora muito tempo mesmo tendo ferramentas tecnológicas para checar mais rápido, mas ainda sim a gente tem que parar um pouco para conferir o lado humano e aí é complicado porque a desinformação ela rola muito mais rápido e aí quando a gente termina o trabalho de checar para chegar na população, às vezes a população já não quer mais conferir, tem outra fake news para checar, é bem complexo isso.

IN: A senhora enquanto profissional da área, ou o projeto Coar como um todo lidam de que forma com possíveis fake news criadas para lhe prejudicar tanto na vida pessoal como na profissional?

MA: Eu já fui, na verdade assim eu já fui ameaçada de morte, rolou várias fake news. Um exemplo foi quando um jornalista da extrema direita tinha um portal de notícias, e eu comecei a fazer checagens, inclusive das desinformações que eles propagavam, e a gente começou a dizer que as checagens deles estavam um pouco equivocadas, aí ele começou a tirar print do nosso site e dizer que eu tava recebendo dinheiro por parte dos veículos quando eu ia dar entrevista. Quando ele falou isso, foi horrível, me acusando e me difamando, aí o pessoal começou a me esculachar, me xingar, me ameaçar, eu falei com o sindicato dos jornalistas e eles falaram que não podiam fazer nada, então foi muito complicado. E além de eu sofrer o assédio no sentido moral, e por ser mulher também, porque de certa forma ele me atacou como mulher também porque muitas pessoas me chamaram de vagabunda, de prostituta, só porque eu estava trabalhando com aquilo, então pelo fato de eu ser mulher, o ataque foi mais intenso.

IN: E como a senhora lidou com isso, em algum momento a senhora pensou em parar ou isso deu mais gás pra continuar?

MA: Me deu mais vontade de continuar, eu não tava nem aí não, porque eu estou com a consciência tranquila.

IN: Para a senhora, enquanto profissional da área de checagem de fatos, como você vê a recepção desse tipo de conteúdo pelo público, você acredita que a área tem se popularizado tanto entre o público quanto entre os profissionais e se têm surgido um aumento no número de estudantes e profissionais que têm interesse em desenvolver essa função dentro do meio jornalístico?

MA: Cada vez mais eu vejo assim que os alunos estão interessados em trabalhar com isso, eu acho até legal porque facilita a gente ser mais ágil na checagem dentro das redações por exemplo só este ano eu já dei 4 palestras para 4 universidades sobre esse assunto tipo eu falar com os alunos, o último agora foi em Santa Catarina, em Chapecó, que os alunos são de uma disciplina de jornalismo de dados que não tem aqui e os alunos queriam entender checagem, e eu falei pra eles que vocês estão com a faca e o queijo na mão porque vocês trabalham com o assunto que eu moro de vontade de estudar mais afundo, mas embora eu estudo, o jornalismo de dados, e com checagem vocês vão ganhar muito dinheiro porque assim quem trabalha com jornalismo de dados ganha muito bem porque hoje em dia cada vez mais é importante nas redações terem jornalistas específicos que trabalham com dados, que trabalham no sentido de analisar minuciosamente os dados e checagem é justamente essa questão de não só interpretar, investigar, mas também analisar esses dados então acaba sendo duas coisas que quem trabalha com os dois deve tá ganhando bem, aí eu falando pra eles, eles ficaram super interessados porque assim gente é muito bom trabalhar com checagem, muitos editais que apoiam iniciativas independentes não importa do local que seja e para vocês terem ideia pela segunda vez eu tô participando de uma seleção internacional de checadores na América Latina que trabalha com desinformação, ano passado eu fui uma das 300 jornalistas, só selecionam quem trabalha com isso e esse ano eu fui selecionada novamente, é uma seleção gratuita onde fazem vários cursos e eu não pago nada, extremamente valiosa e dando treinamento a quem trabalha com isso na América Latina e eu tô lá no meio então fico feliz, é muito importante para vocês é maravilhoso porque se vocês fizerem pode ganhar financiamento, apoio, podem ir mais longe porque hoje em dia as empresas necessitam tanto de jornalistas de dados como de fact checking.

IN: Além de pesquisadora, você já atuou no mercado como repórter, e agora se tornou uma docente da UFMA. Como foi passar por essa mudança na sua atuação profissional?

MA: Eu ainda sou jornalista, eu gosto de fazer muitas coisas. Eu não vou mentir, eu não achava que um dia eu ia ser professora, eu pensava que eu ia ser só jornalista, e eu acabei percebendo com o tempo que eu poderia trabalhar com docência. No estágio do mestrado os alunos falavam que gostavam do meu jeito de dar aula, aí eu comecei a perceber que eu tinha um desejo por aquilo, então assim, eu continuo sendo jornalista, pesquisadora, fact checking e agora na docência eu digo que eu me encontro, porque eu acho que eu consigo fazer as 4 coisas em uma só, porque eu ensino e ainda dou dicas do mercado, eu sinto que é uma vocação e eu me sinto contemplada talvez em ser mais docente do que jornalista.

IN: O projeto Coar é um dos grandes exemplos que temos sobre jornalismo independente, uma prática que tem se tornado cada vez mais comum entre os profissionais da área. Com essa sua mudança de estado agora para atuar na docência, como tem sido liderar uma equipe de profissionais independentes onde cada um se encontra em uma parte diferente do país?

MA: É bem difícil porque por exemplo, não é fácil trabalhar com jornalismo independente, eu sempre falo que é possível trabalhar porque é, mas é muito difícil você encontrar pessoas que estejam com os mesmo valores e ideias, por exemplo eu quero criar um jornalismo independente que trabalha com jornalismo investigativo em Imperatriz,  você criam, ganham financiamento, a galera pode até ficar por um tempo, mas depois saem quando o dinheiro acabar. Já sei como lidar com isso e eu vindo pra cá é que ficou mais complicado porque a gente teve que dar umas pausas este ano devido minha vinda pra cá, mas só que agora chegou uma nova equipe, então a gente vai trabalhar com a educação midiática, não tanto com checagem porque hoje tem muitos agências de checagem e a gente está focando em um outro segmento que tem haver mais com a nova formação da equipe, porque na equipe atual da COAR tem muitos pesquisadores e tem uma galera de fora, de São Paulo, Espírito Santo que querem fazer parte dessa nova etapa da COAR, não são pessoas do nordeste, são gente de fora porque eles querem trabalhar com educação midiática e combate a desinformação então eu já vejo um outro patamar, agora sim eu sinto que eu não preciso ficar indo atrás de pessoas que são da mesma região, não precisa ficar “ah, são todos nordestinos”, é melhor essa mistura com especialistas de outras áreas, não foi fácil.

IN: Como saber se uma notícia é falsa ou não? Quais os principais passos e pontos que devemos levar em consideração na hora de analisar um conteúdo noticioso?

MA: A primeira dica que eu sempre dou é se o texto tem palavras que tendem a ser sensacionalista, “compartilhe”, “veja isso”, veja também se no link não há um errinho de ortografia, porque às vezes tem, a dica que eu dou é sempre conferir diretamente no site do governo em coisas relacionadas a políticas públicas. A outra dica que eu dou é você conferir o expediente do site, o expediente são as pessoas que trabalham no site, se não tiver ninguém, desconfie, provavelmente aquilo ali foi criado apenas para divulgar desinformação, pode parecer simples mas essas são regras básicas para não cair na desinformação.