Uma mulher que transformou sua história, fortaleceu sua cultura e viveu com intensidade
Larissa Novais Silva
Jacilene Alves Viana, mais conhecida como “Jacy”, era daquelas pessoas que pareciam carregar o sol dentro de si. Seu riso fácil, sua energia vibrante e sua paixão pela vida marcaram todos que tiveram o privilégio de conhecê-la. Em Imperatriz (MA), seu nome ecoa nas rodas de samba, nas tranças que ainda contam histórias e no coração de quem a amava. Para sua filha, Ingredh Juliana Alves Carvalho, sua maior admiradora, Jacy não foi apenas uma mãe. Foi um farol, uma mulher que viveu intensamente cada momento.

Desde pequena, Jacy era “danada”, como dizem os mais velhos. Uma criança cheia de alegria, que amava estar entre as pessoas, dançar, brincar e, acima de tudo, brilhar. Mas a vida a fez crescer rápido. Aos 16 anos, tornou-se mãe, casou- se e, pouco depois, teve mais dois filhos. Os anos que seguiram foram de luta. Ela trabalhou no que aparecia para garantir o sustento da família. E foi nessa caminhada que ela se descobriu. “Minha mãe nunca abaixou a cabeça para nada. Ela trabalhava no que fosse preciso para criar a gente”, relembra sua filha.
Quando se separou, parecia que outra Jacy nasceu. Livre, dona de si e decidida a transformar sua vida e a de outras mulheres. Um dia, teve um sonho: via-se fazendo uma trança nagô colada na cabeça. Ao acordar, tentou repetir o que vira enquanto dormia. E deu certo! Aos poucos, seu talento se espalhou, primeiro foram os amigos, depois os amigos dos amigos. Logo, Imperatriz conhecia Jacy como a primeira trancista da cidade. “Ela fez isso sozinha, aprendeu, treinou e de um simples hobby fez um trabalho que mudou a vida de muitas mulheres”, conta Ingredh, com orgulho.
O que começou como um passatempo virou profissão e, mais do que isso, revolução na cidade de Imperatriz/MA. O salão Crioullo’s Cabelo Bom não era só um lugar para cuidar dos cabelos, era um espaço de fortalecimento, de autoestima, de identidade. Por meio das tranças, Jacy ajudava mulheres negras a se reconhecerem bonitas e potentes.
Mas se havia algo que fazia seu coração bater mais forte, era o samba. O ritmo não era apenas uma música em sua vida, era parte dela. Jacy era daquelas que organizava, chamava os amigos, fazia o som acontecer. “Ela era o próprio evento”, dizem os que a conheceram. Sua presença era magnetizante. O sorriso largo, a risada gostosa, o jeito de quem sabia viver. “O samba era a alma da minha mãe. Onde tinha um pandeiro, ela estava”, resume sua filha.

Sua importância para a cena cultural foi tanta, que Imperatriz oficializou sua memória: a Lei Municipal N° 2.051/2025 instituiu o Dia Municipal do Samba e Ação de Memória à Jacy, celebrado em 15 de julho. Segundo o texto da lei, a data será dedicada à valorização do samba e da cultura afro-brasileira, com atividades culturais e educativas para manter vivo o legado de Jacy. “Minha mãe não fez história sozinha. Ela fez isso com amigos, com o samba, com a cultura preta de Imperatriz e agora, todo mundo pode lembrar dela do jeito que ela merece”, diz Ingredh, emocionada.
Mas Jacy não era só trancista, nem só sambista. Era uma mulher de fé, espiritualizada, apaixonada por viagens. Amava o Nordeste, o mar, o sol na pele. Para ela, a vida precisava ser experimentada ao máximo, sem medo. “Minha mãe vivia como se soubesse que não teria muito tempo”, conta sua filha.

A partida de Jacy foi abrupta, um vazio que parece não ter fim. Mas sua essência continua presente em cada traço da cidade, nos amigos que mantêm viva a sua memória, no salão que ainda acolhe tantas mulheres e nas rodas de samba que seguem ressoando o seu nome. “Ela tinha esse poder. De juntar as pessoas, de fazer todo mundo se sentir parte de algo maior”, diz a filha, lembrando dos incontáveis amigos que sua mãe cultivou ao longo da vida.

Hoje, um memorial está sendo construído no Centro de Cultura Negro Cosme, localizado na Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul), para garantir que sua história não se perca. Mas, para quem conheceu Jacy, isso nunca seria possível, porque ela não foi apenas uma mulher: Foi um movimento! Um vento forte, uma revolução silenciosa que tocou e transformou vidas. Enquanto o samba tocar, Jacy continuará dançando entre nós e nos inspirando.
Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, chamado “Meu canto também tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.