Influenciadora com síndrome de Tourette fala de desafios e planos

Repórter: Artur Marques e Carolina Sena

Fotos: Artur Marques e Carolina Sena

A síndrome de Tourette é um distúrbio neuropsiquiátrico genético que se manifesta na infância e suas características são definidas por tiques nervosos e sonoros que o indivíduo pode emitir involuntariamente. Pouco é comentado sobre esta no Brasil, apesar da mesma atingir 0,3% da população. Os “tiques” são emitidos de maneira complexa, cada portador possui suas particularidades em relação a eles e, em muitos casos, não recebem o diagnóstico da síndrome por apresentar sintomas leves. No país, ainda é comum que em algumas cidades, até mesmo estados, a doença não seja percebida pelos médicos por conta da baixa visibilidade ou carência estudos especializados na área.

Rycaelle Bacelar, 19 anos, acadêmica de Letras na Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão, é diagnosticada com a síndrome de Tourette desde os 15 anos de idade. Desde 2021 produz conteúdo informativo acerca do tema para as redes sociais. Inspirada e apoiada pela mãe, resolveu dar o primeiro passo para alcançar a autoaceitação e ajudar pessoas que enfrentam problemas semelhantes. No mesmo ano iniciou uma campanha coletiva pedindo suporte financeiro para realizar o tratamento da condição, o que chamou atenção de artistas e outros influenciadores da cidade. Alguns se juntaram para propor uma feijoada beneficente focada na arrecadação desses recursos. 

No seu perfil do Instagram, Ricaelly costuma abordar o tema de maneira simples e íntima, possibilitando assim a compreensão daqueles que não possuem conhecimento aprofundado sobre ele, além de conseguir alcançar a identificação de outros seguidores pelo caráter pessoal de algumas postagens. Em entrevista ao Imperatriz Notícias, a influenciadora falou sobre sua vida, como uma portadora da síndrome, os acontecimentos que passou até ser diagnosticada e a necessidade de se valorizar o diálogo acerca do tema. 

fala em entrevista sobre sua vivência com a Síndrome de Tourette, a estudante comenta sobre suas experiências tanto no âmbito familiar quanto na relação com seus amigos. No seu perfil no Instagram costuma abordar o tema de maneira dinâmica buscando conscientizar os amigos nas redes sociais, usa o os meios de comunicação para informar e facilitar o entendimento desta síndrome, contando sua história de vida desde a infância e adolescência.

Imperatriz Notícias: Antes de ser diagnosticada com a síndrome, você já imaginava possuí-la?

Ricaelly Bacelar: Tenho o diagnóstico desde os quinze anos, porém eu apresentei a síndrome aos dois anos e a “descoberta” veio aos seis, antes de ser diagnosticada. Dos seis aos quinze estava nessa incerteza, sem saber o problema real que eu tinha. Os médicos, inclusive, falavam que era só tique nervoso mas não se aprofundavam para apontar algo a mais. Então recebi o diagnóstico no CAPS, onde eu fazia terapia. Lá, a psiquiatra já tinha um conhecimento sobre a síndrome, então perguntou para outros profissionais de São Paulo e do Rio de Janeiro, se não me engano. Aí que aos quinze anos eu recebi o diagnóstico.

Imperatriz Notícias: Quem foi a primeira pessoa a perceber os sintomas da síndrome em você?

Ricaelly Bacelar: Minha mãe tinha essa dúvida porque aos dez anos eu fazia tratamento para um problema nos rins em Teresina. Em uma dessas viagens o médico com quem eu me consultava falou para ela que eu fazia muitos movimentos repetitivos, mas não teve a curiosidade de pensar o que poderia causar isso, assim como outros médicos que me consultaram. Apesar disso, minha mãe já desconfiava que poderia existir alguma relação com a Síndrome de Tourette, daí começou a pesquisar sobre, ela chegou até a conhecer, em um encontro sobre o tema, uma menina que grava vídeos para o Youtube e fala da Tourette. Daí ela me pediu para assistir eles para que observasse se me identificava com algo, e fez o mesmo com um filme chamado “O Primeiro da Classe”, pois ele aborda o assunto em um tom de aceitação e superação, e isso me ajudou pois me sentia estranha em relação aos outros por não saber o que eu tinha de diferente e pela questão do bullying que sofria. Ela persistiu muito para que a gente fosse atrás da busca pelo diagnóstico.

Imperatriz Notícias: Além dos vídeos informativos sobre Tourette, você também produz outros focados em games. Como você chegou à decisão de criar esse conteúdo?

Ricaelly Bacelar: Sobre a síndrome, eu queria falar sobre minha história de superação, dos meus anseios e da minha experiência pois infelizmente a Tourette não é muito conhecida, principalmente na nossa cidade. Quero fazer com que outras pessoas que passam pelo mesmo não se sintam sozinhas e minha mãe também me influenciou dizendo que fazendo isso eu estaria ajudando-as. Quanto aos jogos, eu jogo desde criança e eles acalmam meus tiques. Vejo eles como uma terapia para mim, como um refúgio.

Imperatriz Notícias: O cordão de girassol costuma ser usado para identificar pessoas que possuem deficiências ocultas. Alguma vez o uso dele lhe rendeu uma história memorável?

Ricaelly Bacellar: Eu acho legal que muita gente vem me perguntar o que ele significa. Isso me mostra que ele tá servindo para algo. Eu trabalho no Colégio Dorgival Pinheiro e tenho um aluno que tem autismo. Mesmo tendo essa limitação, ele é muito inteligente. Por não saber ler me perguntou por quê eu uso esse crachá? Expliquei e ele falou: “Nossa, eu conheço essa síndrome. Acho muito interessante.” Então a gente foi conversando sobre.

Imperatriz Notícias: Você conhece outras pessoas que possuem a síndrome? Quais vivências em comum você costuma perceber entre elas?

Ricaelly Bacelar: Pessoalmente não. Em Imperatriz eu não conheço ninguém que tenha a síndrome. Uma amiga me falou que conhecia uma pessoa que tinha mas não falou o nome e nada mais, então não consegui encontrá-la, gostaria de ter conhecido ela.

Faço parte de uma fraternidade, onde conversamos muito sobre nossas experiências.

Você costuma falar com algum amigo sobre a sídrome?

Ricaelly Bacelar: Faço parte de uma fraternidade, onde conversamos muito sobre nossas experiências. Uma coisa que a gente tinha comentado na época do ensino médio e me deixou preocupada foi sobre a questão de ter filhos. E se esse filho acaba tendo a mesma síndrome que eu? Então um dia o professor tava falando sobre isso e lembrei dessa reflexão, então eu perguntei para o professor sobre e uma colega comentou que se identificava, de alguma forma, comigo. Isso meio que entrelaçou nossos pensamentos, sabe? E é muito legal ver que são pensamentos assim que pensamos que só nós pensamos, mas na verdade outras pessoas se encontram na memsa posição.

Imperatriz Notícias: Você decidiu por não realizar a cirurgia para a reversão da síndrome por conta de relatos de ineficácia. Como funcionou o tratamento desde então?

Ricaelly Bacelar: Meio que atolando todas as tarefas, né? Seminário, prova, essas coisas. Aí a gente quer ir esse mês ou em julho, mas assim, vimos o mais rápido possível para dar continuidade ao tratamento. Eu faço o tratamento desde dois mil e vinte e um. Ou dois mil e vinte por aí. Quando estava num ponto muito crítico da minha vida que eu não estava conseguindo fazer quase nada. Eu estava tão triste que eu ia para a escola e eu não aguentava ficar assistindo as aulas, estava no ensino médio nessa época eu ia pra escola e os tics me atrapalhavam, eu saía da aula ia pro banheiro e ficava lá chorando. Aí foi o ponto que meus pais viram que eu não estava muito bem, não estava nada bem, aliás eles falaram que a gente tinha que ir pra São Luís naquele momento. Na mesma semana nós fomos pra São Luís e começamos o tratamento.

Imperatriz Notícias: Como o uso das medicações tem ajudado?

Ricaelly Bacelar: Faço uso da quetamina que é mais pra depressão e ansiedade porque a síndrome de Tourette não se restringe à síndrome. Ela acarreta em depressão, ansiedade e às vezes o toc.

Imperatriz Notícias: O que você diria pra quem não considera relevante debater sobre a síndrome de Tourette ou outra deficiência oculta?

Eu penso que a gente deve começar a debater sobre as deficiências ocultas pois é uma questão de pensar que não estamos sendo invisibilizados, de começarmos a falar sobre a minha síndrome. Os meus colegas, eles não conheciam nada da síndrome e estão começando a conhecer, tanto é que quando eles vêem um vídeo sobre, eles mandam pra mim, falam: “olha, eu lembrei desse vídeo por sua causa, da sua história!”. Acho isso importante, porque é questão de conscientização, não só a respeito da Tourette mas todas as deficiências ocultas. Como em um palco, existe a questão das luzes e quem está sendo visto. Por trás de tudo estão as deficiências ocultas que não estão sendo vistas, e precisam ser. Acredito que todas as pessoas merecem ser conscientizadas, se antenarem sobre o preconceito. Por mais que não o percebam também existem pessoas que conhecem mas carregam o preconceito enraizado. Toda vez que eu falo que eu tenho síndrome de tourette me imaginam da mesma forma que um influenciador que também a possui. Porém, cada portador possui suas particularidades, seus tiques, alguns têm tiques severos, outros não, então não é um padrão.