Gil Santos, que já fez matéria para o Fantástico, conta como é atuar no interior do Maranhão

Repórter: Karina Santiago e Gabriel Araujo

 Fotos: Arquivo pessoal

“Durante a pandemia ficou parecendo que a  gente estava tomando um lado político A ou B, na verdade não era isso, a gente tinha um lado, o lado da garantia de que o cidadão tem direito a ter um tratamento correto e a ciência prevalece sob qualquer pensamento”

Gildasio Brito Santos, mais conhecido como Gil Santos, tem 56 anos, iniciou sua carreira como professor do ensino fundamental, mas sempre demonstrou interesse na área de comunicação, especialmente em rádio e televisão. Ao longo de sua trajetória, ele trabalhou em diversas empresas em diferentes cargos, incluindo office boy, na Camargo Corrêa e como almoxarife em algumas empresas de Imperatriz e na TV Mirante, onde começou a trabalhar na área administrativa do almoxarifado em 1989.

Na TV Mirante, ele teve a oportunidade de mostrar suas habilidades na comunicação e, após alguns testes, começou a trabalhar como redator. Com o tempo, ele ganhou mais oportunidades e foi escalado para o time de repórteres, onde atua há 34 anos. Durante esse tempo, ele buscou aprimorar suas habilidades por meio de observação, participação em eventos presenciais e virtuais, como a plataforma Une Globo, e experiências práticas no dia a dia de sua profissão.

Apesar de não ter cursado nível superior em jornalismo, ele considera que a TV Mirante foi sua faculdade, pois aprendeu a fazer “fazendo e errando muito, sempre buscando acertar”. Ele é muito grato às oportunidades que teve ao longo desses anos e se considera um dos profissionais de comunicação mais dedicados do estado. Ele já teve a oportunidade de contar muitas histórias por meio de suas reportagens, entre as mais marcantes a queda de um avião que gerou uma pauta para o Bom Dia Brasil, e recentemente Gil Santos se destacou por sua reportagem exibida no Fantástico, nessa reportagem, ele abordou o caso do atual prefeito de Carolina, acusado de praticar um aborto ilegal sem o consentimento da vítima dentro de um motel.

Gil Santos é natural de João Lisboa do município de Carrapicho que hoje faz parte de Senador La Rocque. Chegou na Mirante na época em que não havia o curso de Comunicação Social na região sul do estado. Apesar de não possuir formação em Comunicação, Gil defende a causa de que as vagas voltadas a essa área devem ser ocupadas por jornalistas formados. Foi para Balsas quando a TV Mirante assumiu o jornalismo que pertencia a Tv Rio Balsas, hoje Gil coordena as atividades do departamento e também tem a função de correspondente da região sul do Maranhão. Gil Santos acredita que isso se deve ao aprendizado constante que busca, aliado à sua paixão pela comunicação.

Karina Santiago – Quais são os principais desafios que um repórter enfrenta ao trabalhar em uma cidade pequena no interior do Maranhão?

Gil – Para mim é um grande desafio. Balsas é uma cidade do sul do Maranhão, no extremo sul do estado praticamente, tem só 102 mil habitantes de acordo com o dado mais recente que a gente tem do IBGE, e os desafio são enormes, porque jornalismo eu costumo dizer que vive de três grandes situações, o factual que é aquilo que é notícia que tem que ser dada de qualquer jeito, é o material produzido, apurado e planejado que requer um tempo melhor da gente, e ainda tem um fato que eu acho que é muito importante aí, que aquele jornalismo por demanda, ou seja, alguém me demanda uma pauta de fora ou interna mesmo e eu tenho que fazer. Então os desafios são enormes, porque as coisas em uma cidade pequena não acontecem na mesma velocidade e nem no ritmo que acontece por exemplo em Imperatriz, São Luís, ou qualquer outra capital do país. A minha principal missão aqui e o maior desafio é exatamente garimpar notícias, eu costumo dizer que é meio que função de garimpeiro, porque eu tenho que buscar, tentar encontrar uma pauta que seja interessante, que não tenha interesse só aqui na cidade local, mas como a gente faz um jornalismo em rede estadual, que também tenha interesse para a rede estadual e que possa despertar alguma coisa. É a curiosidade, é o elemento diferente, é o modo de vida das cidades, são os costumes, são as tradições, as manifestações culturais que às vezes aqui são diferentes de outros estados, a gente precisa ter muito jogo de cintura para conseguir transformar isso em um produto jornalístico, transformar isso em notícia, e a partir disso a gente se debruçar para tentar produzir bons conteúdos.


Gabriel – Como você define sua responsabilidade como repórter ao cobrir notícias na região e como equilibra a objetividade jornalística com a necessidade de dar voz às comunidades locais?

Gil – É exatamente, a gente cobre toda região sul do estado, uma área de aproximadamente de uns 13 municípios que a gente está cobrindo e óbvio que o nosso maior foco e aqui na cidade de Balsas e assim a nossa a intenção aqui é da voz para comunidade e quando eu falo em comunidade entendo e comunidade ela é composta de nichos diferentes, hoje vive num país onde tem valorizado muito, por exemplo, grupos específicos, têm valorizado grupos que muitas vezes são minorias, para gente e um desafio muito grande cobrar das autoridades, eu costumo dizer que quando jornalismo tem esse olhar comunitário ele tem essa responsabilidade de ser o elo mesmo entre a demanda a necessidade da comunidade seja ela de infraestrutura, seja de garantia de direitos com as autoridades que tem que dar respostas, então esse é um movimento que todo bom jornalista precisa ter precisa fazer é exercitar diariamente, no meu caso aqui em uma cidade pequena isso e ainda um tanto mais complicado pelo fato de que em uma cidade pequena as pessoas se conhece muito mais, eu costumo dizer assim, um problema, por exemplo, que eu vá mostrar em um bairro da periferia aqui de balsas eu tenho que saber ouvir a pessoa fazer o link com a autoridade, mas eu sei que a autoridade muitas vezes conhece essa pessoa, não sei se vocês estão entendo o que eu estou querendo dizer, então assim para evitar, por exemplo, que de repente aquela pessoa sofra algum tipo de retaliação ou que a autoridade queira tirar proveito de alguma forma dessa situação a gente tem que ter muito cuidado para gente não deixar de cumprir aqueles princípios básicos do jornalismo.

Como a gente está muito próximo da comunidade, mas as autoridades também estão, a gente precisa ter muito cuidado na hora de fazer esse link entre a demanda da comunidade e a autoridade com os princípios básicos do jornalismo que é a impessoalidade, imparcialidade, a apuração correta dos fatos o combate a desinformação. A gente que trabalha em um veículo tradicional tem de fato essa responsabilidade, isso vale na grande, na média e na pequena cidade também, com a globalização e com a democratização dos meios de comunicação a gente hoje mesmo estando em uma pequena cidade sofre os mesmo problemas de comunicação que hoje tem com essa onda de desinformação de fake news a gente também tem aqui.

Karina – O jornalista deve ser totalmente imparcial em seu trabalho?

Gil – Esse é um princípio inegociável do jornalismo, a imparcialidade, é óbvio que se a gente for fazer uma análise macro dessa situação, a gente sabe que o jornalismo brasileiro, vocês que estão na academia e vão aprender muito sobre isso quando forem estudar a história do jornalismo brasileiro, não é bem assim, dizer que imprensa é cem por cento parcial, ou alias imparcial, é meio complicado. Mas como profissional, aí é uma questão muito pessoal, a gente precisa buscar sempre essa imparcialidade, que é exatamente não tomar parte na notícia, ou seja , por exemplo que o têm sido tema de pesquisas científicas, há casos que o repórter  tem que tomar partido, situações que ele precisa tomar partido, o jornalista ele não pode por exemplo sair em público defendendo misoginia , ou causas nazistas e neonazistas , ele não pode defender isso jamais. Ele não pode defender também coisas, por exemplo o negacionismo, que são legítimas. A pandemia do Covid-19 ensinou muito isso pra gente , de  que algum momento durante a pandemia os veículos de comunicação, principalmente os mais tradicionais, tiveram que de fato tomar partido pela ciência, tomar partido pelo que era correto, e durante a pandemia ficou parecendo que a  gente estava tomando um lado político A ou B, na verdade não era isso, a gente tinha um lado, o lado da garantia de que o cidadão tem direito a ter um tratamento correto e a ciência prevalece sob qualquer pensamento, em relação a pandemia, especificamente. 

“A minha principal missão aqui e o maior desafio é exatamente garimpar notícias, eu costumo dizer que é meio que função de garimpeiro, porque eu tenho que buscar, tentar encontrar uma pauta que seja interessante, que não tenha interesse só aqui na cidade local”

Karina – Qual foi a história mais impactante que você já cobriu em Balsas e como você se prepara para cobrir um evento importante?

Gil – Eu cobri muitas coisas importantes aqui sabe, contei boas histórias, mas por incrível que pareça geralmente os fatos mais factuais acabam marcando. Eu lembro assim que eu cheguei aqui, tinha pouco tempo, acho que não tinha nem um ano, teve a queda de um avião que decolou do aeroporto e caiu em cima de uma casa, e nessa casa tinha uma família, e as pessoas que estavam no avião morreram todas, se eu não me engano 4 pessoas, e o avião caiu em cima do quarto da casa, e no quarto tinha mãe e filho, e ele se conseguiram se salvar, então eu contei essa história, depois essa reportagem gerou uma pauta para o Bom Dia Brasil. O próprio programa Encontro, que não é do jornalismo, é mais do entretenimento, mas tem jornalismo também, levou a mãe e a criança pro estúdio, foi uma coisa que me impactou muito muita, não tem como a gente não se emocionar e não se envolver, a gente acaba entrando nessas histórias.

Gabriel – Qual é o papel do jornalismo local ao informar a comunidade e promover a mudança social?

Gil – É um trabalho fundamental do jornalista, ele tem que prover a mudança social ele é um agente de transformação, porque toda vez que ele divulga um dado uma informação que ela tem um fundo de verdade que ela é verídica ele deve cobrar, por exemplo a autoridade responsável para dar uma resposta para aquela situação, por exemplo, a gente trata sobre índice de mortalidade infantil a gente precisa obviamente ajudar a transformar esse número, a transformar esse dado, a reduzir os números, e como a gente faz isso, primeiro fazendo um jornalismo responsável, mostrando a fato como ele realmente e, sem ter, por exemplo ter essa questão do partidarismo, ter sempre cuidado com isso para ser o mais imparcial possível né, e partir daí a gente começa a fazer essa ponte com a autoridade com as pessoas, e a gente tem que denunciar, eu acho que um papel nosso como jornalista e falar das minorias, e da voz pras minorias, dar voz para aqueles grupos que são mais discriminados, e garantir acesso à informação corretas para quem tá ligado no telejornal no rádio ou em qualquer outro veículo, é fundamental para isso.

Karina – Como identificar as fontes de notícias mais confiáveis ​​e relevantes para a população local?

Gil – Em uma cidade pequena a gente tem uma proximidade com as fontes, pelo fato das distâncias serem menores. Mesmo assim, a gente utiliza muitos dos meios tecnológicos, internet, whatsapp, para poder ter acesso a essas fontes. Agora um cuidado que a gente precisa ter em relação a isso, é porque numa cidade pequena é natural os interesses que sejam muito locais, a gente tem que fazer um filtro muito bem-feito para evitar que a gente tenha algum tipo de relação com a fonte que venha prejudicar o nosso trabalho. As fontes que eu tenho são não só as fontes oficiais, as autoridades, o poder legislativo, a prefeitura, o poder judiciário, o ministério público, como também as fontes de pessoas da comunidade,  representantes de bairros, pessoas que têm algum tipo de liderança. A gente sempre tem contato com essas pessoas, sempre costumo dizer que todo jornalista independente do lugar onde ele trabalha, ele precisa ser bem robusto de fontes, ter uma boa agenda com bons contatos, isso faz uma grande diferença.

Gabriel – Como lidar com situações de perigo ou conflito enquanto faz uma reportagem e como você se mantém seguro em sua cobertura?

Gil – Situações de perigo a gente sempre corre, seja o tamanho da cidade que for, pequena ou grande por que muitas vezes a gente mexe com interesses escusos de outras pessoas obviamente, e muitas vezes esses interesses de certa forma meio que na linha de tiro, eu digo na linha de tiro assim, tanto por ataques verbais ou ataques mesmo cibernéticos ou até mesmo um atentado contra vida, a gente tem que ter todo cuidado, primeira coisa, a gente tem que se manter isentos em relação às fontes, ter o cuidado de não se expor exageradamente ao perigo, eu lembro que houve uma época no Brasil que era muito comum jornalista que ia cobrir um sequestro talvez movido pelo interesse de resolver aquela situação ele misturava às vezes a questão emocional com profissional, algumas vezes eu vi jornalista se trocando por pessoa sequestrada para tentar resolver, isso e um perigo, e tanto que essa prática hoje é reprovada pelos grandes grupos de comunicação do país, isso a gente não deve fazer de jeito nenhum, e a gente precisa tomar todos os cuidados necessários, especialmente avaliar muito bem o que você vai fazer para evitar um problema maior.

Karina – Como você avalia o impacto da pandemia na forma como você e sua equipe fazem reportagens e como você se adaptou a essa nova realidade?

Gil – Acho que que esse é um discurso que não é meu apenas, todo jornalista pensa a mesma ideia, a pandemia revolucionou o jeito de fazer notícia, primeiro porque a gente teve que se proteger, a gente estava exposto a linha de frente de contaminação, todos os dias na porta de hospital, dando boletim, resultados de algum dado oficial, e a gente teve contato com muitas pessoas com autoridade. E isso revolucionou porque a gente passou a utilizar mais a internet, passou a usar mais o celular, passou a usar muito mais por exemplo trabalho remoto, de dentro de casa, quantos vezes a gente precisou fazer isso ou mesmo que não tivesse dentro de casa ,um trabalho mais de redação, foi um negócio que pegou de tal forma que hoje é quase impossível não perceber que algumas mudanças na rotina dos jornalistas permanecem depois que os meios caíram, como por exemplo utilizar imagens de internet, ou por exemplo fazer entrevistas remotas utilizando aplicativos que hoje são disponíveis no mercado.

Gabriel – De que forma o jornalismo local pode ajudar a fortalecer a democracia e a cidadania em uma cidade como Balsas e como você acredita que os repórteres podem ser agentes de mudança social?

Gil – O bom jornalista e de fato uma agente de mudança social, qualquer jornalista que trabalhe pensando contrário a democracia a liberdade e expressão, qualquer jornalista que pensa em fazer seu trabalho dando espaço para práticas que são contrárias à democracia ele não é um jornalista, acho que todo jornalista deve pensar que ele contribui para formação da cidadania, quando eu defendo, por exemplo, a uma pessoa ter acesso a um posto de saúde, uma boa escola, quando eu defendo isso nas minhas pautas, e que as pessoas têm direitos adquiridos e que ela precisa lutar por seus direitos, quando, por exemplo, dou espaço para os grupos minoritários, também é interessante isso, eu acho que a gente precisa fortalecer a democracia e a cidadania a partir daquilo que a gente produz como notícia ou como reportem, muitas vezes a gente ao se reportar ao público a gente precisa dar as informações certas na hora certa, e todo bom jornalista tem um pouco de intencionalidade, ele tem que ter intencionalidade naquilo que ele faz, ah! A minha reportagem vai contribuir para quê? Para melhorar essa situação, ou ela vai contribuir para beneficiar o grupo A ou grupo B, eu tenho que pensar muito bem na hora de fazer essa leitura daquilo que eu estou produzindo.

Karina – Como você vê o futuro do jornalismo local em Balsas e como você acha que ele pode evoluir para atender às necessidades da comunidade?

Gil – Eu costumo dizer que não só em Balsas, Balsas é uma cidade bem característica porque é uma cidade que só tem 100 mil habitantes mas tem uma economia muito pujante, aqui por exemplo o acesso a informação é muito fácil, porque a gente tem muita tecnologia e muita informação dentro da cidade, no entanto acho que assim, o  jornalismo local ele vai ter que caminhar para convergência de mídias, pra mim o maior desafio nesse aspecto é a gente fazer um jornalismo que conversem entre as mídias tradicionais, rádio, tv e jornal com as novas mídias e ao mesmo tempo tomar um cuidado, fazer um filtro muito bem apurado  para evitar da gente ter que noticiar fake news,  mas eu acho que é um caminho sem volta de que a gente precisa se adequar a questão tecnológica para poder atender as necessidades da comunidade. Uma coisa que tem crescido muito no país é o chamado jornalismo comunitário, e muitas vezes um jornalismo comunitário feito pela própria comunidade, não só as rádios comunitárias que já são assim de grande expressão no país, mas também agora blogs, portais, canais no YouTube e outras ferramentas que acabam de certa forma dando a voz pra comunidade muito mais rápido do que os veículos tradicionais. Acho que os veículos tradicionais têm que caminhar nessa direção, usar muito mais a figura do vídeo repórter, interagindo com as redes, o repórter tem que ser agente da sua própria cobertura, da sua própria informação. Acho que é uma tendência do jornalismo local, não só aqui em Balsas, mas em toda cidade, evoluir para questão tecnológica mais avançada.

Karina – Quais são as principais diferenças entre o jornalismo local e o jornalismo nacional e como você acha que eles se complementam?

Gil – A primeira diferença é a abrangência, é óbvio, o jornalismo nacional é muito mais abrangente e aí de certa forma ele requer uma linguagem acima, uma linguagem mais abrangente, ele tem que ter dados de uma reportagem sobre um determinado assunto, sejam dados que interessem para quem ta vendo a noticia em São Paulo ou no Nordeste , ou na menor cidade do Brasil, isso é um grande desafio para o jornalista que trabalha no chamado jornalismo nacional. O jornalismo local ao contrário disso, a gente precisa colocar nossas informações mais pra dona de casa ouvir, pra dona Maria do bairro tal entender, e a gente tem que ter boas fontes de relação com essas pessoas. Eu acho que elas se complementam pelos princípios, o mesmo princípio do bom jornalismo que tem ser praticado nacionalmente ele deve se replicar no jornalismo local, a gente precisa ter essas duas  coisas muito bem claras, por exemplo, jornal nacional é a mesma coisa feita pelo jornal da Mirante aqui em balsas quando se olha pelo aspecto da imparcialidade, da isenção, do cuidado com trato da notícia, com a boa apuração, e principalmente daquele jornalismo que busque respostas para os anseios da comunidade. 

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