Feira LGBTQIA+: Mais do que empreendedorismo, uma celebração

Textos e fotos: Dhara Inácio

Ainda na calçada do Centro Cultural Tancredo Neves, em Belém (PA), dia 23 de abril, o burburinho que sobe as escadas já pode ser ouvido. Beira o meio-dia,  mas ao contrário do imaginado, o sol não está a pino. O tempo mais nublado, com nuvens cinzas bloqueando os raios solares, promete uma chuva no fim da tarde. Em contraste com o dia sem muitas tonalidades lá fora, a feira de empreendedorismo esbanja cores. O colorido da bandeira LGBTQIA + se destaca em todos os cantos, exibido em camisetas, artesanatos e cartazes.

O salão amplo já está repleto de mesas e tendas. Avista-se todos os tipos de produtos, desde roupas de brechó até um estúdio de tatuagem que oferece “flash tattoo” – tatuagens pequenas, feitas por um preço baixo. As barracas de comida ficam mais à margem e vendem comidas rápidas, expostas em estufas. Placas indicam as opções aos fregueses e cadeiras estão espalhadas para maior conforto do público.

 

Cantor Marquinhos Pará arrasa com paródias
Cantor Marquinhos Pará arrasa com paródias

 

Ao fundo, ressoa por todo o ambiente um tecno-melody “marcante”, como costumam dizer os regionais. É uma paródia de “Girls Just Wanna Have Fun”, de Cindy Lauper, convertida em batidas dançantes interpretadas por Marquinhos Pará, na versão “Ouro Negro”. Mais próximos ao palco, alguns visitantes até improvisam danças em par, enquanto outros apenas assistem sentados em suas cadeiras de plástico.

Davidson Porteglio, 54 anos, um dos organizadores, lembra que a primeira edição do evento aconteceu em maio de 2019, com 16 empreendedores, depois aumentou para 33 e hoje a feira conta com 200 participantes ativos. Ele admite, orgulhoso, o grande feito, mas revela também a dificuldade em realizar a feira. “Fizemos mais uma edição, estamos aqui ocupando  um espaço que é aberto a todo mundo. Mas é muito trabalhoso pra aqui”. Davidson ressalta as dificuldades de “sentar com o empresário que não é LGBT”, ou com representantes do governo estadual e municipal.  “Você mostra o projeto, fala no movimento financeiro que essa feira pode agregar a essas pessoas. E não vem só o LGBT: vem o pai, a mãe, a família, o filho, vem toda companhia de coisas”.

 

Feira de Empreendedorismo reúne várias atividades

 

O evento é promovido pela ONG “Arte pela vida”, que luta em prol de indivíduos soropositivos em Belém (PA), em parceria com a Secretaria de Cultura (Secult). Ao longo dos dias 23 e 24 de abril, aconteceram desfiles e shows artísticos e culturais, performances de drag queens, cantores e músicos. Com organização planejada das 10h às 21h, no horário de almoço deste dia 23 o espaço ainda está semi esvaziado. As mesas vão se enchendo de empreendedores ao longo das horas. Um homem idoso, que vende vinis e livros, sorri para os visitantes que se aproximam de sua barraca. “Aqui tem de tudo”, ele garante.

Superação

A feira, que acontece desde 2019, não pôde ter edições em 2020, por conta da pandemia de Covid-19, e retornou só no ano passado, mas ainda com dificuldades. “Na pandemia, que ficou todo mundo preso em casa, eu sentia muita falta dessa troca. E quando eu venho pra cá e posso encontrar os clientes, sobretudo porque a gente ainda não tem espaço físico, é uma ótima oportunidade pra mim”, relata a empreendedora Petra Marron, 28 anos, idealizadora e dona da Verderosa, a primeira padaria vegana de Belém. Ela contou que é sua terceira vez na feira, e que participou das outras duas edições, ocorridas no ano passado.

Quem se senta nas cadeiras ao redor do seu carrinho de comida para tomar um suco de taperebá gelado, consegue mirar diretamente o palco, que brilha de luzes coloridas. O vento fresco corre por todo o salão, dando um intervalo ao clima abafado, tão típico da cidade paraense. Se o momento pudesse ser descrito numa sentença, o belenense diria que é “pai d’égua”.

Não muito longe da banca de Petra, encontra-se Nayan Aviz, de 19 anos, reunido com amigos. Também não é sua primeira vez na feira, ele é um frequentador assíduo, que conta ter comprado uma bolsa e feito uma tatuagem na edição de 2021. “Pra mim tem um significado muito importante, pois já tive problemas em casa por ser LGBT, uma pessoa trans, precisei sair de casa. A gente sente na pele como é difícil entrar no mercado de trabalho, conseguir um emprego”.

Nayan pontua, ainda, a importância de o evento acontecer no Centro Cultural Tancredo Neves, no coração de Belém: “Óbvio que a gente ainda precisa de muita coisa, mas de saber que esse evento está acontecendo aqui no Centur, que é um espaço público, que é do governo. E que esses artistas não estão sendo cobrados para estarem aqui expondo sua arte e seus produtos, eu acho uma política pública muito boa mesmo”.

 

Feira marca celebração ao empreendedorismo LGBTQIA+

 

O Centro Cultural, que oferece diversas atividades ao longo da semana, já foi palco de outras edições do evento. A estimativa dos organizadores é de que a feira movimentou  entre 300 e 500 mil durante os dois dias de programação. Uma feira de Empreendedores LGBTQIA + também foi sediada na cidade de Imperatriz, no Maranhão, no dia 18 de junho. “Antes de mais nada, de ser o empreendedorismo, é uma grande celebração, uma grande confraternização e, acima de tudo, a resistência de mostrar que tem um público LGBTQIA + que trabalha muito, que tem muita coisa boa e não tem a oportunidade no mercado de trabalho”, considera Davidson.

* Esta matéria faz parte do Projeto Vivências, que estimula os estudantes de jornalismo a abrirem todos os seus sentidos e narrarem ambientes, ações e personagens.