“Eu alio poema a tudo”, diz a professora da UFMA que usa literatura até em curso de Exatas

Repórteres: Isabelle Gesualdo, Juliana Fernandes e Pedro Lucas

Fotos: Arquivo pessoal de Deivanira Vasconcelos

 

As áreas de pesquisa da doutoranda Deivanira Vasconcelos são em literatura e cinema, ela sempre encontra um jeitinho de associar o poema a tudo. Atualmente, atuando como professora no curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, ela também ministra aulas de Português Instrumental no curso de Ciências Contábeis e associa poemas às aulas, porque acredita que eles servem para desenvolver o pensamento crítico.

A paixão por poemas iniciou aos 10 de anos, quando a professora de português, da escola Dom Pedro II, em Coquelândia, colocou livros em uma estante e pediu para os alunos escolherem um e levassem para casa. Por acaso, Deiva, como é carinhosamente apelidada, escolheu uma coletânea de poemas. Sem saber o que era poema, ficou encantada pelos escritos poéticos de Vinicius de Moraes, ali nasceu o gosto pela literatura. Deivanira é da Estrada do Arroz, em Coquelândia, a 78.9 km de Imperatriz. Na infância, adorava ler, mas “não tinha condições” para comprar os livros. Os livros didáticos cedidos pela escola serviram como porta de entrada para a literatura.

Apesar do apreço pela literatura, o sonho de Deiva era cursar jornalismo. Prestou vestibular em 2009 para o curso, foi aprovada, mas o destino a traçava para outros rumos. Quando o resultado do vestibular saiu, Deivanira estava em Campo Formoso, um interior de Amarante, que fica entre aldeias indígenas. Devido ao fraco sinal telefônico, soube da aprovação com atraso e não pôde fazer a matrícula. Anos depois, Deivanira conseguiu aprovação no curso de Letras, na Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (UEMASUL). Não era o curso almejado, mas se encontrou ao cursar o primeiro período e não quis mais sair.

Atualmente, Deivanira está fazendo doutorado em Estudo de Literatura, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e ministrando aulas de produção textual, lógica, retórica e oratória na UFMA.  Nessa entrevista, Deivanira comenta sobre o papel do poema na atualidade, além de dar dicas e características de poetas clássicos e contemporâneos.

Imperatriz Notícias: Quais poetas você indica para quem quer entrar no universo da poesia?

Deivanira Vasconcelos: Olha só, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar. A poesia do Drummond é de ruptura. O Ferreira Gullar, por outro lado, é mais clássico. Por exemplo, quando o Drummond lançou “No meio do caminho” e o Ferreira Gullar leu, ele achou aquilo um absurdo, porque como se vai fazer poesia com palavras tão simples e cotidianas? Mas depois ele entendeu que aquilo era um novo jeito de fazer poesia. As pessoas gostam muito do Paulo Leminski, eu também acho que é muito popular ultimamente a Alice Ruiz, Eucanaã Ferraz, Arnaldo Antunes. Eu acho importante a gente falar o nome de mulheres da poesia e poetas contemporâneos.

“A poesia do Drummond é de ruptura”

IN: Você acha que as redes sociais servem para dar mais visibilidade aos poetas contemporâneos?

DV: Eu acho que serve, mas o que sobressai no meio das redes sociais? Parece o mesmo de antes, o mesmo de sempre ou ‘o mesmo do mesmo’, como costumam dizer. Mas a gente tem exemplos de pessoas que produzem coisas muito relevantes e conseguem visibilidade. As pessoas tratam a poesia – aqui eu trato poesia e poema como sinônimo – como uma coisa capciosa, que não é para todo mundo, que é difícil, impenetrável. Na verdade, não é não. É a aura que constroem ao redor disso que distancia. Eu acho que as redes sociais servem para quebrar um pouquinho essa aura, para aproximar do grande público e tudo mais.

 IN: Quais poetas maranhenses você considera referência?

DV: Eu tenho um livro de uma autora que é não só regional e maranhense, é daqui de Imperatriz. É a Lília Diniz, o nome do livro é “Sertanejaras”, é de poemas, eu o acho muito legal. O tom de leitura dos poemas desse livro é um pouco de cordel e são poemas que tratam de assuntos nossos, muito locais. Tem um outro livro dela que se chama “Mundo de Mundin”, conta a história de um garoto submetido a trabalho infantil, perde um braço e se encanta por livros, mas ele ouve, da mãe dele, inclusive, que ele não pode ler, porque livro é coisa de gente rica. Tem um outro poeta que é bem reconhecido pela Academia Imperatrizense de Letras, o Zeca Tocantins. Além de  escrever poemas, escreve crônicas e publica no Instagram e Facebook. No curso da UFMA nós temos um escritor que se chama Marcos Fábio, ele escreve crônicas maravilhosas e isto é do campo da literatura, da arte. Não é poesia, mas é um escritor importante para a nossa região.

IN: Você acha que os poetas locais têm visibilidade?

DV: Eu acho sempre que o povo da poesia não tem a visibilidade que deveria ter. As pessoas acham que a poesia é da pessoa muito culta ou então que é de um lugar inatingível, que não é para todo mundo. Aqui em Imperatriz, eu não sei se a Lília Diniz tem visibilidade, eu trabalhei os dois livros dela com os meus alunos, porque eu acho importante a gente mostrar que aqui tem escritores, tem pessoas que pensam a nossa realidade de forma poética ou usam a literatura também para contar sobre a gente. Outra pessoa que eu acho importante destacar, que entra nesse grupo que não é reconhecido, é o Antônio Coutinho, professor da UEMASUL. Ele tem livros incríveis, eu tenho um livro dele que se chama “Osculários”, é um livro de contos que você entra e fica lá para sempre, maravilhado, a coisa da poesia acontece ali.

IN: É mais difícil ser um leitor de poesia do que um livro de conto ou de reportagem?

DV: Eu acho que as pessoas leem mais narrativas ficcionais. A gente gosta de contação de história. Eu acho que as pessoas têm um pouco de medo de poesia, porque esperam uma multidão de significados de um poema e, às vezes, é um poema despretensioso. Eu adoro poesia, mas acabo lendo mais prosa. Outra questão é a relação do leitor com o texto que ele está lendo. A gente acaba lendo muitas reportagens, mas não considera isso como uma leitura, normalmente. Considera como leitura se estiver lendo um livro de romance ou conto, por exemplo. Você não considera leitura se estiver lendo um livro de poesia, porque a poesia também não tem uma continuidade, cada poema é um. Você pode ler e depois ler outro, não precisa dar continuidade.

“As pessoas acham que a poesia é da pessoa muito culta ou então que é de um lugar inatingível, que não é para todo mundo”

IN: Para você, existe uma hierarquia de gêneros literários?

DV: Eu não hierarquizo, não! Eu amo poesia, eu leio poesia, mas a minha necessidade no momento é de leitura de prosa e eu acabo comprando mais prosa do que poesia. Das minhas últimas compras não tem um livro de poesia, tadinha da poesia {risos}. Eu adoro a poesia, é verdade! Mas também, a leitura da poesia não exige continuidade, a gente tem muito acesso aos textos de poesia pela internet e eles são curtos. Se a gente for hierarquizar, eu leio muito mais romances.

IN: E por que você lê mais romances?

DV: Não sei, gente {risos}. Eu estou lendo alguns livros para a disciplina do doutorado, um deles é “O reino deste mundo”, do Alejo Carpentier, esse livro é incrível. Fala sobre a independência do Haiti, luta dos grupos organizados negros contra os franceses. É um romance histórico. Romance não tem relação com coisas românticas, de amor, de conquista ou de relaçõezinhas amorosas entre casais, romance é um gênero literário. Quando eu estou falando de romance, é sobre o gênero literário em prosa, que é uma história longa e, às vezes, tem um único núcleo ou vários núcleos e às vezes são classificados como romance psicológico, porque os personagens não praticam muito a ação durante a narrativa. Eles pensam sobre as coisas, ou então um romance cheio de ação, como o livro “O reino deste mundo”, não tem um beijo, para distanciar o gênero romance de coisa romântica.

IN: Mas você gosta de livros sobre amor romântico?

DV: Olha, das minhas últimas leituras, nenhuma é sobre amor. Tem um livro que eu li que chama “Carta à Rainha Louca”, que é da Maria Valéria Rezende, é um romance histórico. É uma mulher presa em um convento, no Brasil do século XVIII, escrevendo para a rainha dona Maria I, de Portugal, conhecida como rainha louca. Ela viveu uma vida triste, não tinha liberdade para nada, nem para viver e era uma mulher branca. A personagem vai contando para a rainha de Portugal qual é a condição de vida da mulher no Brasil, como maltratam a mulher. É um livro atualíssimo, lançado em 2019. Então, assim, não tem nada de romântico nisso.

IN: Quem lê poemas escreve bem?

DV: Nem quem lê romance! {risos}. Depende do que você pretende escrever. Se você quiser escrever poesia, indico a você a leitura de poesia para ser um bom poeta. Se quer escrever romance, indico a leitura de romance para ser um bom escritor de romance, mas se você quiser ser um escritor acadêmico, você tem que ler texto acadêmico. Sempre digo aos meus alunos: ‘Leiam textos jornalísticos para vocês se aproximarem disso, porque não tem jeito melhor de aprender a escrever’. O melhor caminho para aprender a escrever é este. Não necessariamente a pessoa que lê romance vai acabar escrevendo romance um dia, e já que você perguntou de escrita, a escrita em si jamais é um trabalho de inspiração, é um trabalho de “suspiração”, é suado. Você não vai lá achando que: ‘se eu estou lendo, eu estou absorvendo e vou conseguir escrever’. Necas! Você lê, absorve o que está sendo dito, observa a estrutura, organização, escolha de palavras e extensão de parágrafos.

IN: Como surge o insight para escrever uma poesia?

DV: Eu vou te falar uma coisa em defesa dos poetas: existe necessidade de escrita literária. Você tem a história para contar, tem o poema para fazer, mas não é a inspiração que faz ele ir para o papel. Então, a coisa da inspiração pode até existir, porque a história se forma, você sabe que consegue contar aquela história, ela se forma internamente, mas para colocar no papel é o suor da existência. Porque as pessoas são críticas e elas precisam ser críticas, os poetas são, os romancistas são. Eles precisam ser críticos para conseguir uma coisa muito relevante.

IN: Dá para aliar poesia à formação em jornalismo?

DV:Eu alio poema a tudo {risos}. Outro dia eu estava dando aulas para os meninos, de português instrumental, eles são de ciências contábeis, e claro que tem poema na aula deles. Poema é para a gente pensar, escrever sobre, a partir do poema, escrever um texto, um comentário crítico, desenvolver outras coisas, outras percepções. Toda oportunidade que eu tenho de colocar poema num lugar, eu coloco! Acho importante, inclusive.

IN: Qual o seu poeta preferido?

DV: Drummond.

IN: E poetisa?

DV: A senhora Cecília Meireles, que faz a gente chorar quando lê, quando eu digo chorar quando lê, não tem nada a ver com estar sofrendo por algum motivo específico, tem a ver com a experiência estética. Não há essa diferenciação entre poeta e poetisa, e quando isso aconteceu, historicamente, era uma forma de menosprezar a escrita feminina na poesia. A Cecília é um nome de protesto contra isso. Cecília é a primeira poeta brasileira  de nome e reconhecimento, enquanto viva também. A Cecília é mais ou menos da década de 20 e 30, e quando a gente olha pra trás não tem uma poeta brasileira, não tem nenhuma. Então, para mim, ela é fantástica por tudo, porque ela é uma mulher muito sensível, a vida dela é absurdamente sofrida e a poesia dela também. É lindo! Então o termo correto é poeta, tanto pra homem quanto pra mulher.

IN: Por que o Drummond?

DV: Eles {Cecília e Drummond} são do mesmo período. Quando a gente está estudando poesia brasileira, a gente estuda eles dois pela divisão estrutural de currículo. Estudamos os dois no modernismo segunda geração, que é o modernismo depois de toda a ruptura na Semana de Arte Moderna. Eu me identifico com o que eles escrevem, com a forma com que eles tematizam. Eu li primeiro Vinícius, seria muito coerente se eu dissesse que meu poeta preferido é Vinícius, mas não é, é Drummond e Cecília. Tem uma coisa muito interessante nesses dois, a Cecília era uma mulher muito interessada em educação, ela trabalhou em educação. Ela tem poemas “normais”, para o público geral e para o público infantil. E quando eu estou dando aula de literatura para Ensino Fundamental, eu uso muito Cecília, porque me identifico muito com o que ela fala, ela tem poemas lindos.

 

 

 

BATE-BOLA

Um livro que mudou a sua vida?

As leituras e as mudanças na vida são constantes. Então, não vou responder um livro que mudou a minha, mas um livro que na leitura tive uma experiência quase física, se não física de fato: “O processo”, do Franz Kafka.

Um livro que gostaria de ter escrito.

“Cem anos de solidão”, do Gabriel García Márquez.

Uma música para tocar na sua playlist.

Estado de Poesia”, do Chico César.

Uma série que você indicaria.

“Anne com ‘E'” – para aliviar a alma em tempos difíceis.

“O conto da Aia” – para se tornar atento aos tempos difíceis.

Uma dica para quem quer ser jornalista ou professor de Letras.

Leiam. Textos e o mundo. Leiam literatura. Leiam textos jornalísticos. Leiam atentos ao tema e ao texto.