“Aqui eu me sinto mais negra”: conversa com a artesã responsável pelo ateliê Crioullo’s em Imperatriz

Repórter: Kananda Araújo e Luana Araújo

Foto: Luana Araújo

A empreedendora Roselia Costa Moreira, 38 anos de idade, há dois anos começou no ramo da costura de forma inovadora e criativa, vendendo produtos à base de tecidos africanos trazidos diretamente da Angola. Os tecidos demoram entre 15 a 16 dias para chegarem ao ateliê e a maioria das peças como, brincos, turbantes, colares, quadros e pochetes são confeccionadas por ela, a única exceção são as batas que já vêm prontas.

Roselia teve seu primeiro contato com tecidos africanos quando ganhou dois tecidos de um amigo que faz trabalhos na Angola, a partir daí criou-se um interesse em produzir suas próprias peças. Seu primeiro tecido comprado foi em São Paulo através de um senegalense, que ainda hoje é seu fornecedor. “Ele não trabalha com tecidos, mas como ele mora em São Paulo e a mulher dele vem todo mês para o Brasil, nós temos uma camaradagem, ela traz os meus tecidos”, conta ela.

O público que frequenta o Crioullo´s, nome dado ao espaço, é diversificado, Roselia afirma que chega a ser 50% branco e 50% negro, mas em sua maioria são mulheres, a idade também varia. Ainda segundo ela, não houve tantos problemas, como aceitação, pois quem busca seus produtos são pessoas que realmente querem, gostam e admiram o seu trabalho, e principalmente que querem se sentir representadas.

Uma mulher que se considera empoderada, corajosa, forte e defensora do patrimônio cultural africano, Roselia diz que vê no seu negócio a necessidade de ajudar outras pessoas a se descobrirem e se reconhecerem, assim como ela. “Hoje o Crioullo’s reina, não há outro espaço como este mas, eu quero que em todo canto tenham pessoas disponíveis a fazer esse trabalho, porque quando vierem mais pessoas pra esse segmento eu vou ver que as coisas estão de fato acontecendo, pois terão mais pessoas se assumindo como negras e isso que é gratificante, quando você vive quem você é”, disse Roselia.

Roselia enxerga o Crioullo´s Ateliê como uma maneira de ajudar as pessoas a se afirmarem e reconhecerem sua identidade negra, e mais, a dizer isso com orgulho. “Chegam mulheres aqui no meu espaço que dizem ‘aqui eu me sinto mais negra’, isso para mim é o importante, o que o Crioullo´s gera na sociedade, mais do que o rendimento”, afirma ela.

 

Imperatriz Notícias: O fato de serem tecidos trazidos da África não encarece o produto?

Roselia Costa Moreira: Claro, porque tem um custo, eu pago algumas taxas, além disso, comparando os produtos, acredito que se eu fosse fazer uma peça de tecido local sairia mais barato. Entretanto, ele perderia essa originalidade, esse diferencial que eu busco trazer em minhas peças, que é o tecido africano.

” É importante porque ele me ajudou a me achar, a reconhecer a minha identidade, e não só a minha mas de outras mulheres também. ‘

I.N: Qual a importância do Crioullo´s?

R.C: É importante porque ele me ajudou a me achar, a reconhecer a minha identidade, e não só a minha mas de outras mulheres também. Chegam mulheres aqui no meu espaço que dizem ‘aqui eu me sinto mais negra’, e isso é mais importante do que o próprio dinheiro.Então para mim isso que é valioso, isso que é importante. Quando eu ajudo na aceitação das pessoas, no reconhecimento de seus traços, porque fazer isso não é fácil,a gente sempre encontra alguém para dizer que isso é “bobagem”, mas só quem é negro sabe a dificuldade que existe para nós, é algo que mexe no nosso íntimo.

I.N: A senhora fez algum tipo de pesquisa sobre o tema, sobre os produtos que produz?

R.C: Eu comecei a pesquisar o que os africanos usavam que ficava bonito e trazia essa identidade. Vi que eles usam brincos grandes, colares grandes, muitas cores, estampas, eu sentia necessidade de usar algo que me identificasse como uma mulher negra, então comecei a fazer para mim depois passei pra alguns colegas. A partir daí as pessoas começaram a me procurar, a me perguntar onde eu tinha comprado, porque elas também sentiam essa mesma necessidade, foi aí que nasceu o Crioullo´s.

IN: Essas pesquisas que a senhora fez, esse contato que teve com angolanos, ajudaram de alguma forma a se afirmar como mulher negra? 

R.C: Tudo começou comigo, em setembro de 2010, quando eu me assumi e cortei meus cabelos. Isso era na época da progressiva em que todo mundo queria ter o cabelo liso e eu quis cortar meu cabelo. Foi um impacto porque ninguém aceitava, as pessoas achavam estranho, hoje não, em todo lugar você vê uma mulher cacheada, crespa se assumindo. Antes de me assumir como mulher negra, eu era uma pessoa que queria me encaixar no padrão, ao mesmo tempo eu sabia que precisava mudar, porque estava cansada de lutar por algo que não tinha nada a ver comigo. Eu me assumi e me senti muito segura do que eu estava fazendo, daí comecei a pesquisar o que combina comigo, o que as negras usavam, o que ficava bom no cabelo crespo, olhei em sites africanos, eu fui buscar isso para mim, as pessoas começaram a ver em mim um espelho, um modelo.

I.N: Quais foram os primeiros problemas que a senhora enfrentou quando se assumiu como negra?

R.C: Foi à rejeição, eu sofri muito preconceito. As primeiras pessoas que acharam estranho foram as crianças, às vezes eu saia na rua com o cabelo bem alto, e elas ficavam rindo, achando diferente. Eu usava meu estilo afro aonde eu ia e certa vez uma mulher falou para mim que eu ganhava mal porque não alisava e não arrumava meu cabelo. Ouvi muitas frases como ‘esse cabelo é feio’, ‘esse cabelo está ridículo’, então eram esses tipos de comentário que eu ouvia sempre.

I.N: A senhora não acha que é aculturação quando uma pessoa branca usa seus produtos?

R.C: Depende muito. Quando você veste como fantasia é aculturação, mas quando usa para homenagear ou porque você gosta não é. Sabe, como eu posso impedir de uma pessoa levar o que ela gosta, eu vendo para todos, desde que eu veja que a pessoa está apaixonada pelo produto, então, são coisas bem diferentes.

I.N: Já houve casos de racismo/intolerância aqui no Crioullo´s?

R.C: Tem sim, sempre tem. Outro dia chegou uma mulher aqui e me perguntou se eu frequentava um terreiro, ela viu o espaço e associou. Eu disse “não, não frequento”. Não sou contra o candomblé ou qualquer outra religião de matriz africana, eu acho até muito bonito, mas sou evangélica há 12 anos. Eu abraço as matrizes africanas, não tem como eu ser contra elas pelo fato de eu ser evangélica, e dizer que é do “diabo”, mas eu senti um preconceito na fala dela. Eu não sei se é por inocência ou falta de conhecimento, mas eu vejo que chega muita gente associando e sempre levando para o lado negativo.

I.N: Então para você o preconceito é só ignorância/falta de conhecimento?

R.C:Não, claro que tem a falta de conhecimento, mas tem também a perversidade, a maldade de ser preconceituoso, é uma mistura. A gente não pode dizer que é ignorância. É uma dor muito grande quando você se sente descriminado, você é uma vítima do preconceito, do racismo. As pessoas sabem o que elas dizem, elas sabem que é crime. O racismo é uma realidade de todos os dias, uma realidade que dói muito, dói demais para o povo negro.

I.N: A senhora acha que o racismo diminuiu?

R.C: É uma realidade, não diminuiu, ele está presente todos os dias, até quando você vai há um restaurante e paga a conta, o garçom sempre dá o troco para o branco, ele não dá para você que é negra, pois ele associa que você não é digna. São tantas coisas que acontecem no nosso cotidiano que você fica desacreditado. Por isso que o negro tem que se afirmar, independentemente das situações, ele tem que se sentir negro, feliz, sabendo quem ele é, e onde ele quer chegar, quando você se conhece essas coisas vão amenizando, porque se há duvidas sobre quem você é, vem a insegurança. Tem racismo todos os dias, o que vai continuar mudando somos nós, sabendo quem somos. Imagine uma mulher negra que tem todos os traços marcados como, nariz grande, eu, por exemplo, passo nas ruas e as pessoas me chamam de “nariz de batata”, mas eu tenho orgulho de quem eu sou, e isso não vai fazer diferença, os negros assumidos é que fazem a diferença.

I.N: É prazeroso trabalhar com o que se ama?

R.C: Demais, eu amo trabalhar com isso, tanto que eu nem considero aqui um trabalho, porque eu sou tão apaixonada, é tão tal que em um dia em que não vendo, não percebo, pois para mim todo dia é produtivo está aqui, os meus clientes são fidelizados, eles se sentem bem aqui, porque o Crioullo´s não é uma loja, ele é um campo africanizado.