Cultura Nerd e o efeito da indústria em diferentes gerações

O universo que atravessa o tempo e se fortalece com o avanço tecnológico

A existência de várias gerações de consumidores de conteúdo nerd prova sua força

Uma cultura de conexões afetivas, adeptos apaixonados e válvulas de escape. O consumo se moldou, a tecnologia se fortaleceu e através desse comportamento abriram-se multiversos dentro de um só. Plural, popular e representativa, a cultura nerd sobrevive ao tempo e impacta até hoje as relações humanas. 

Iniciação Nerd

Num mundo próprio existe uma língua própria, a primeira discussão é sobre o uso dos termos e gírias. Eduardo Lopes, 22 anos, explica que antes era utilizada a palavra ‘nerd’ exclusivamente para quem estudava muito, não saia fora de casa e lia quadrinhos e mangás. Já o ‘geek’ se popularizou de tal forma que é difícil alguém ainda não ter consumido nada relacionado a universos fictícios. 

Damião conta que era taxado de nerd pelos meus colegas e esse mundo era uma fuga

Damião Carlos, 40 anos, é professor de tecnologia e empresário, e assim como Eduardo, é um nerd convicto com muito orgulho. Para ele, hoje há diferenciação entre nerd, geek, otaku e várias subdivisões e classificações. Mas nem sempre foi assim, antigamente quem era geek também era nerd. “Eu era taxado de nerd pelos meus colegas e esse mundo era minha fuga.” Damião lembra da dificuldade em ser popular e como esse estereótipo era, segundo ele, uma espécie de baixo clero da pirâmide social escolar. 

“O nerd era aquele cara que não se encaixava em nenhum meio social, uma pessoa reclusa da sociedade.” Esta é a definição de Bruno Ramos, 32 anos, nerd desde criancinha, seu sonho era ser roteirista e mangaká (cartunista de mangá), hoje segue carreira no marketing. Bruno explica que o nerd surgiu quando os quadrinhos explodiram entre as décadas de 1960 e 1970. Era produzido um conteúdo com universo gigantesco e o público que se entregava a esse mundo fantasioso era o denominado nerd. Ele compara que, apesar de dez anos de filmes, a Marvel não chegou a explorar 1% de toda a vasta criação das HQs. 

Embora poucos jovens conheçam, a extinta TV Manchete foi a porta de entrada ao mundo geek para muita gente da Geração X e Y, inclusive Damião Carlos. “Assim que minha aula acabava eu corria três quarteirões em cinco minutos para conseguir assistir aos animes que passavam na época.” Ele conta que o canal foi o primeiro a trazer para o Brasil produtos de cultura japonesa, entre eles “Cavaleiros do Zodíaco”, “Jaspion”, “Flashman”, o clássico “Black Kamer Rider”, o mais recente “Black Kamer Rider RX” e “Jiraiya”. Mas o divisor de águas para Damião foi “YuYu Hakusho”, o anime que o fez comprar sua primeira action figure, um boneco do protagonista “Yusuke Urameshi”. 

Os games são outra porta de entrada para o mundo nerd, com 15 anos Damião montou a primeira empresa com a ajuda dos pais, uma locadora de videogames, maior contato que esse impossível. O jovem contava com videogames clássicos como “Mega Drive”, “Super Nintendo”, “Playstation 1” e o “Nintendo 64 Sega Saturn”. A partir daí, ele passou a se interessar mais pelos jogos, além dos famosos “Super Mario Bros”, “Mortal Kombat”, “Street Fighter”, também se apaixonou pelos jogos de RPG. “Zelda é um dos melhores jogos de RPG da história.”

Um mercado em expansão

Damião reflete que a internet abriu um portal de acesso às informações. Antes, principalmente no mundo dos games, havia de esperar trinta dias para uma edição da revista “Super Game Power” ou da “Ação Games” da Editora Abril, onde ensinava e informava sobre o que seria lançado. Esse era o meio para se manter atualizado por conta da falta de um programa específico e a dependência da mídia impressa. “Hoje está muito melhor.” Desabafa aliviado. 

Colecionador de action figures, os bonecos dos personagens, no escritório de Damião tem o Broly de “Dragon Ball”, muito fã de “One Piece”, também tem o Luffy, foi um anime que ele diz ter demorado para assistir pela quantidade de episódios, admite, que hoje passa de mil. Ele também assina plataformas de streaming só para animes e representa os nerds da Geração X que ainda consomem vorazmente cultura geek. 

Pertencente à uma geração posterior a de Damião, nerd da Geração Y, Bruno Ramos pegou o começo da internet em 2007, e só foi abraçado pelo universo nerd durante o ensino médio, entre 2009 e 2010. “Eu era o nerd que queria consumir esse conteúdo e não tinha acesso, depois a internet me deu tudo.” Jogador nato de PC, ele conheceu a cultura de fato pelos jogos. Seu primeiro contato foi através de “World of Warcraft” que jogou durante dez anos. 

Bruno explica que o meio nerd é nichado (feito de nichos), a entrada é por meio de grupos. O Nerd Millennial entrou na época do Orkut através das comunidades que tratavam desses assuntos em específico. Hoje tem os grupos do Facebook, se alguém quer colecionar Transformers, por exemplo, tem um grupo de 900 pessoas do Brasil inteiro, as mídias sociais mantém essas conexões. 

Graças à internet Bruno teve contato com animes, baixava por RMVB, formato compacto capaz de baixar um arquivo de 100 MB (Megabytes) por 10 MB. Como muitos dos animes não passavam mais na TV, assim ele teve acesso e logo após aos mangás que viraram coleção e partiu para os heróis de HQ. “Tenho coleção de revistas do Homem-Aranha, da Marvel e fui entrando para o lado geek mais pop, de Star Wars eu tenho uma coleção de sabres de luz e livros.” Recentemente Bruno Ramos tem se dedicado ao universo dos Transformers, desde o clássico, G1 (Geração 1) até os filmes de hoje, também possui uma coleção de action figures dos robôs. E diferente da geração de Damião, na de Bruno o contato veio pelo meio virtual. “Tudo que a internet pôde me oferecer eu abracei.” 

Eduardo Lopes faz parte dos nerds da Geração Z, seu primeiro acesso à cultura foi através das animações do SBT e do programa TV Globinho. Influenciado pelos animes, aos 12 Eduardo comprava cartas colecionáveis nos comércios para jogar com os amigos, e foram surgindo novos gostos. O anime e o mangá de “One Piece” são seus favoritos, assim como “Shingeki no Kyojin”, “Yu-Gi-Oh!” e “Death Note”. Dos jogos preferidos, os baseados em animes por virem com uma história extra acrescentada, além de “Resident Evil” e “Deus da Guerra”. Diz ele que é uma jogada de marketing, as pessoas veem o anime e a história, lançam um jogo com base no anime e adicionam histórias extras que interessam. 

Para o consumo de temas relacionados a games, Eduardo usa a plataforma de streaming Twitch, além de conteúdos de “Speedrun” (tentar terminar um jogo ou uma fase o mais rápido possível) e “Detonados” (a resolução de tarefas passo-a-passo, gameplay completo do jogo sem muitas explicações), participa de campeonatos de games que também abordam sobre a cultura geek por meio de lives dos influenciadores com interações do público.

Para conversar sobre anime usa o Twitter, onde tem muita gente que entende do assunto e fala sobre isso abertamente sem ser tóxico ou entrar em discussões infinitas, aceitam críticas construtivas e respeitam a opinião dos outros. “Pelo menos na minha bolha é assim que funciona.” Esclarece. Eduardo já ajudou a organizar um evento de LOL (League Of Legends) realizado na Faculdade Pitágoras e já participou de um campeonato de CSGO (Counter-Strike: Global Offensive). 

Bruno Ramos com sua action figure do Optimus Prime (Transformers) e a carta de Magic The Gatherinng

Conforme a bolha nerd se expande, as indústrias e os próprios consumidores encaram esses grupos com mais aceitabilidade. Quando se trata de economia, o mercado adere às novas tendências tanto pelos meios de comportamento quanto pelos meios de consumo. Damião aponta que a popularização desse conteúdo e a consequente mudança de estigma acontece quando esse mercado passa a perceber a quantidade de dinheiro que o público movimenta. Prova disso é a iniciativa dos canais de televisão de somar à programação produções voltadas para nerds e para o espectador que consome mas não se considera nerd. Isso acontece porque as empresas sabem do poder de consumo da audiência. 

Para Damião, essa cultura impõe regras de comportamentos sobre grandes indústrias. A exemplo do último filme da “Liga da Justiça”, lançado inicialmente uma versão e outra de Zack Snyder não lançada nos cinemas, mas na plataforma de streaming HBO MAX e depois no Youtube. O professor explica o quanto o filme rendeu de mídia grátis para a Warner, detentora dos direitos autorais da DC, com relação ao número de engajamento, compartilhamentos e reportagens. “A indústria está percebendo a relevância do público nerd como cliente que não só assimila o conteúdo como também compartilha e o faz ser visto. Para uma empresa como a Warner isso é fundamental.” 

Bruno Ramos fazendo teste do jogo Need for Speed Heat

Bruno Ramos defende que a mudança de comportamento aconteceu quando o mundo globalizou. “A internet se desenvolveu e uniu todo mundo, foi perceptível a existência de uma massa de pessoas querendo consumir coisas o tempo todo, assim a indústria correu para buscar conteúdo.” Ele critica que os roteiristas de Hollywood não conseguiram atender à demanda, os de série também não, o público acabou migrando para os livros, mas esse conteúdo também não foi suficiente. Segundo o profissional de marketing, foi no meio nerd que a indústria encontrou uma forma de atender à demanda de massa e vender. 

O gerente publicitário lembra que na série nerd “The Big Bang Theory” é posta a seguinte discussão: o universo dos quadrinhos, de jogos e mangás é muito vasto e uma grande fonte de conteúdo, pela atual facilidade de vender criou-se uma massa geek que pensa que é nerd por consumir conteúdo nerd, pois é fácil de colher e buscar. Para produzir uma animação, por exemplo, é feita uma paródia de um universo da Liga da Justiça, que já tem uma base consistente de história e não será preciso uma longa busca criativa, também é uma estratégia do mercado geek. 

Damião enfatiza a facilidade da expansão tecnológica atual para o acesso, o celular e a tecnologia móvel somados à internet cada vez de maior alcance. Ele reflete como é complicado falar em segmentação nerd no Brasil, um país heterogêneo de gostos, pessoas e culturas. Tem bolha que consome potencialmente animes, outros mangás, e existe um aumento do consumo de K-pop (pop coreano) e J-pop (pop japonês). O sucesso do conteúdo asiático na indústria nerd influencia o mundo, os EUA copiam mangás e animes, a exemplo de “Avatar – A lenda de Aang”, que apesar de não parecer, é uma produção americana. 

O professor também conta que em Imperatriz acontecem três grandes eventos que reúnem consumidores de cultura asiática, o ANIME FRIENDS, ANIMACON e ANIMASUL. É possível perceber, assim, a força e o dinheiro que essa cultura movimenta. Damião conta que um boneco de quinze centímetros, uma action figure, custa em média de R$200,00 (reais) a R$400,00 (reais). “É um mercado enorme e pessoas como eu e Bruno estão dispostas a investir o dinheiro nisso.” 

O Brasil é um mercado consumidor de conteúdo nerd, mas não é produtor, explica Bruno Ramos, porque não tem embate. Segundo ele, um mercado produtor como EUA e Japão é difícil uma obra entrar na outra, é mais comum adaptarem, existe resistência de um para o outro. Bruno relembra que com “Cavaleiros do Zodíaco” foi disponibilizada a animação para a TV Manchete e a Bandai (fabricante japonesa) produziu os bonecos, o desenho teve uma recepção tão boa na época que ajudou a expandir a cultura de action figures no mundo. “Nosso país é receptivo, assim como consumimos produtos americanos, consumimos o coreano e o japonês, somos abertos.” 

Segundo Bruno, enquanto houver tecnologia a cultura nerd vai estar sempre enraizada, por ser também uma forma de expressão popular

A receptividade aumenta assim como a procura e o preço sobem. Eduardo Lopes relata que hoje com o avanço da tecnologia e do imposto, aplicados principalmente nesses produtos nerds no Brasil, os tornam extremamente caros. A relação dele com o universo nerd muda de acordo com a demanda do produto e do preço, tem coisas de difícil acesso para quem é de Imperatriz. No ANIMACON ele aproveita para comprar HQs, camisetas, relógios e anéis, como não tem lojas fixas que vendem esses produtos na cidade. Tem a opção de comprar pela internet, mas já é outro processo. 

O programador Eduardo acredita que não investem em cultura geek na nossa região. Ele conta que tinha uma loja no Timbira Shopping, mas não teve a devida atenção do público, que pede, mas quando tem não dá o devido valor. É algo único em uma cidade, se você tem condição de contribuir para desenvolver esse tipo de conteúdo na localidade pode ser bem proveitoso. Para Eduardo, quando diminui o consumo nessas lojas, a tendência é fechar. Os vendedores que chegam do Tocantins, Pará e outras localidades vendem os produtos no ANIMACON com boa margem de lucro.

Um jogo de PS5 (PlayStation 5), por exemplo, custa em torno de R$300,00 (reais), o videogame atual existe em duas versões, a física e a digital, uma para o CD e outra para a nuvem, antes eram juntas. Os games ficam mais acessíveis no computador, por meio da “Steam”, plataforma onde é possível ter acesso a vários jogos disponíveis para compra com promoções que chegam a 60%.

Eduardo, que já usou a “Steam” no preço da moeda argentina, falou que o valor era muito menor que o da brasileira, enquanto um jogo custava cinquenta, o outro custava cento e cinquenta. “É gritante a diferença, tem que ter condição para sustentar uma vida de gamer. Por conta dos preços, os usuários acabam apelando para a pirataria.” 

Não tem como falar de cultura geek de games no Brasil sem falar de pirataria, que democratiza o acesso aos jogos, filmes, séries para quem não tem condições de comprar. Eduardo ilustra que um jogo de PS4 original, por exemplo, custa R$200,00 (reais), uma opção pirata custa R$30,00 (reais). Ele admite que consumia pirataria mas diz que foi fácil se acostumar com produtos originais e de qualidade por conta da durabilidade.

O programador passou a gostar disso e foi deixando de consumir “conteúdo de segunda linha” mesmo que demorasse um tempo para comprar. Apesar disso, a prática com produto pirata o fez desenvolver o gosto pela programação e os atributos de manuseio de computador. Pois se houvesse algum erro, havia de descobrir para solucionar o problema e conseguir jogar.

Apesar de ser crime, o Brasil tem a pirataria como algo inerente à cultura, tem inúmeros estudos que a comparam com o hábito da “gambiarra” e a relacionam com a desigualdade social. Quem realmente gosta desse tipo de conteúdo encontra um jeito para consumir e não abandona a paixão na infância ou na juventude. A exemplo do Minecraft com 140 milhões de usuários, a maioria adulta nos EUA e na Europa.

O jogo cresceu assim por causa de influenciadores, esclarece Eduardo. No período em que o Youtube estava se desenvolvendo, entre 2010 e 2011, haviam muitos criadores de conteúdo focados em jogos como Venom Extreme e Monark. A partir daí o Minecraft evoluiu muito e surgiram novos mods (alterações feitas nos personagens ou no cenário para que o gamer tenha maior jogabilidade). O hábito que surgiu com a pirataria permite que os jogos se renovem e perpetuem. 

Damião acredita que um fator fundamental que contribuiu para a cultura nerd perpetuar por mais tempo foi o isolamento durante a pandemia, responsável por elevar o consumo do conteúdo nerd (desenhos, animes e produções cinematográficas). Esse foi um dos motivos para que a versão do Zack Snyder da “Liga da Justiça” tivesse êxito nas plataformas de streaming, inclusive no Brasil.

De fato, o país é um grande consumidor de conteúdo estrangeiro e a tendência é que isso se torne mais forte. Na década de 1980 o Brasil estava absorvendo a cultura pop da década de 1970 dos EUA, hoje acontece tudo mais rápido, as produções do mundo todo já refletem instantaneamente no comportamento.

Consumo de imersão

“Enquanto houver tecnologia a cultura nerd vai estar sempre enraizada, por ser também uma forma de expressão popular.” O multiverso geek atravessa as gerações, permanece nelas e se fortalece com o tempo. Outra forma de expandir a cultura nerd é através dos filmes, mas como diferenciar um filme nerd de um não nerd? Questiona Bruno Ramos e responde logo em seguida. “Existe filme de fantasia que não é nerd. O pai da cultura nerd é George Lucas com ‘Star Wars’, é inegável, o que tem de diferente de outras óperas espaciais é o universo expandido e profundo.”

Ele explica que a profundidade está quando o nerd que assistiu aos primeiros filmes nos anos 1980 e amou se imagina até hoje dentro das cenas, seja em uma nave se transformando em Jedi ou usando um capacete. Isso é proporcionado pela quantidade de elementos cinematográficos. Tem pessoas que levam a obra para a vida inteira, reitera ele. 

Bruno analisa que as novas franquias de “Star Wars” não têm a mesma profundidade, portanto não geram esse apego no público mais recente. Acontece da mesma forma com quem consumiu os desenhos clássicos de Transformers e quem não os conhece. “Comprei uma action figure dos Transformers clássico remake e o que apareceu de pessoas de fora do país comentando ‘Não me faça chorar’, porque é um universo tão profundo e tocante que marca para a vida inteira.” Para Bruno, é diferente a produção de uma obra que tenha um impacto a longo prazo para uma que seja feita somente para o entretenimento. 

Essa questão reflete como a indústria enxerga esse mundo como mercado que compensa investir. Na concepção de Damião, ela continua a perpetuar o consumo criando novos produtos. “Não tem como falar de cultura pop e não falar de ‘Rick e Morty’, que tem uma história fantástica com discussões sobre o multiverso e a existência de outras versões deles em outros universos.” Segundo ele, souberam explorar isso, porém, ao perceber o crescimento da popularidade da animação decidiram produzir episódios a mais apenas por razões financeiras, mas que não acrescentaram na trama. Ele defende que assim como “Star Wars”, o clássico tem uma história linda, enquanto o mais recente é produzido para desenvolver a parte consumista.

Quando questionam Bruno do porquê de gostar de “Star Wars” ele sempre responde que não o imagina como um filme, mas sim como um jogo de tabuleiro em que está inserido com milhares de brinquedos. “Pra mim, George Lucas brincou e passou essa sensação de uma mesa de brinquedos enorme que coloca o espectador nos filmes antigos. E a obra nerd é isso, você entra no universo e não quer mais sair. O novo é um filme de ficção normal.” 

Sobre o famoso embate na comunidade sci-fi: O que é melhor, “Star Wars” ou “Star Trek”? Lembra Damião. “Eu já fiquei bem dividido, gosto dos dois, mas sou muito fã de ‘Star Trek’.” Ele relata como é sensacional a forma que “Star Trek” explora a ação no universo sem imaginar o que vão encontrar. Questiona: Qual foi o design que o escritor pensou quando descrevia tal planeta?

Já “Star Wars” tem a filosofia por trás da batalha, além de ter sido o primeiro sci-fi espacial a tratar de influência política nas decisões do povo. Foi muito bem abordado em todas as primeiras versões e ficou mais forte ainda nos últimos lançamentos a questão política sobre as decisões do povo Jedi e das relações dos planetas. É fantástico, analisa o professor. “Eu me apaixono por esses dois universos por conta disso.” 

Bruno diz que tudo que a internet pôde lhe oferecer de cultura nerd ele abraçou

Senso de comunidade

Outro multiverso que impacta na vida dos nerds e do resto do mundo é o virtual, onde acontecem as infinitas interações online. Para Eduardo, jogar online não tem a mesma emoção. “Quando tem alguém do lado naquela resenha a diversão é maior, não que online não tenha, mas interagir com uma pessoa ao lado jogando um game cooperativo é mais prazeroso.” Segundo ele, no online não existe o mesmo sentimento que antes com os fliperamas e videogames, só entra, fala com o pessoal e joga, não tem mais aquele contato. 

Por outro lado, para Bruno, os desafios dos jogos também levam à união com outras pessoas, e quase que automaticamente é criado vínculo com um grupo para trabalhar em equipe, quanto melhor for a colaboração e a proximidade da equipe melhor se joga. Ele relata que não tinha amigos em Imperatriz quando fez amizade com pessoas de Vitória-ES, jogou com eles por cinco a seis anos e chegou um momento em que falou: “eu amo vocês e quero ver vocês”. Em 2013, Bruno passou uma semana em um lugar que nunca havia ido com pessoas que nunca havia estado antes. As interações criam relações, os objetivos do jogo fortalecem esse laço. Ele lembra que os pais ficaram preocupados por ele viajar para ver “gente da internet”, mas já havia criado algo muito valioso, amigos do mundo virtual com afeto real. 

Para que isso fosse possível, a tecnologia se desenvolveu muito em 20 anos. Na visão de Eduardo, as pessoas estão ficando cada vez mais presas à ela. Até um tempo atrás RPG de mesa, por exemplo, era jogado pessoalmente com pessoas, agora é jogado online. “Não é a mesma vantagem de estar com os amigos fazendo missões em Dungeons and Dragons”. Segundo o programador, houve uma mudança bem drástica, pois há anos atrás fliperama era moda, cyber locadoras eram o auge e hoje quase não existe mais. 

Damião admite que o mundo nerd trouxe para ele a paixão pela tecnologia, além do conhecimento, também pôde ganhar dinheiro através do universo e com 13 anos já estudava programação. “Uma coisa acaba se ligando a outra.” Hoje é programador sênior, trabalha com várias linguagens de programação e desenvolve aplicativos na área de tecnologia móvel. “O meu envolvimento com o meio digital foi inspirado pela cultura nerd.” 

Bruno Ramos revela ter tido uma epifania profissional. Se formou em Direito, mas o lado nerd foi mais forte e o puxou para o outro lado da força: criação e tecnologia. “Eu nunca tive prazer em me adaptar em grupos sociais e comunidades, conhecer a cultura nerd me deu uma qualidade de vida e isso é impagável.” Ele diz ter prazer pela sua coleção e pelo seu mundo. Diminuiu a carga, mas ainda joga aos finais de semana. “Não consigo descrever o nível de prazer que eu tenho hoje comparado ao que eu não tinha antes. Além da satisfação, calma, relaxamento, eu coloco o psicológico em primeiro lugar. Essa foi a minha virada de chave.”