Avanço urbano impacta sustentabilidade ambiental no “Grande Vitória”

Crescimento desordenado prejudica a biodiversidade e a qualidade de vida

Laécio Rodrigues

Criado na década de 1980, a partir do desmembramento de uma propriedade denominada  Fazenda Vitória, o Conjunto Nova Vitória por muito tempo foi a região mais distante do centro de Imperatriz (MA). Com o avanço urbano, atualmente o território é cercado por mais outros seis bairros e fica na divisa com a cidade de Davinópolis (MA), demarcado pela Ferrovia Norte-Sul. No entanto, esse desenvolvimento e expansão trouxe também desafios e conflitos para os moradores desse lugar, que sofrem com as mudanças climáticas, a invasão de animais silvestres, alagamentos em épocas de chuva, poluição de riachos, lagos e nascentes e destruição desenfreada da fauna e da flora.

A Companhia de Habitação Popular do Maranhão (Cohab), juntamente com a Empresa Maranhense de Administração de Recursos Humanos e Negócios Públicos (Emarhp), deram início a novos projetos de habitação no Maranhão na década de 1980 para famílias com renda entre um e três salários-mínimos e, entre eles, estava o Conjunto Nova Vitória.

As consequências futuras do distanciamento do centro da cidade trouxeram a implantação do “Lixão Municipal” para próximo ao local. “Na época tinha muito pardal e também muito gato e muita cobra. O lixão aqui perto ficava próximo à linha do trem, criava muito rato e eles vinham pra cá. Mas aí um prefeito que tinha, tirou esse lixão e colocou lá pra Estrada do Arroz”, relembra Ozelias Mendes, morador há 30 anos.

Imagens mostram como era a região em 1984 (Crédito: Landsat Copernicus)

Invasão ou consequência?

Hoje o bairro passa por transformações perceptíveis pelos moradores em relação ao passado. Bandos de pássaros que eram incomuns, como bem-te-vis, beija-flores e papagaios, estão por toda a parte devido ao avanço urbano em torno do território. Faltam medidas protetivas e projetos que possam manter a harmonia do ser humano com os animais silvestres, pois os forçam a procurar abrigo e comida entre os moradores. Não são incomuns os relatos na Grande Vitória, de “visitas” inesperadas de raposas, tamanduás e lobos. Mas por que isso está acontecendo? Será que os animais estão invadindo o nosso espaço ou nós é que estamos ocupando o deles?

Essas perguntas levantam um debate importante sobre a relação entre seres humanos e animais silvestres. É crucial considerar que existam medidas conciliadoras para uma melhor convivência e medidas protetivas por parte do poder público em relação à preservação e ao monitoramento dessas áreas. “Na verdade, não são os animais que migram para as áreas urbanas, são os humanos que ocupam as áreas selvagens, deixando os animais sem alternativa de habitat”, declara a bióloga, especialista em gerenciamento e monitoramento ambiental, Ana Caroline Bezerra. Ela conta que os animais não têm tanto interesse na cidade e nem sempre vêm em busca de comida, só querem um lugar novo, uma nova área para viver.

Na natureza, cada espécie tem um papel importante no ciclo natural. Algumas  são essenciais na dispersão de sementes e polinização de plantas ou na manutenção de determinado habitat, como explica Ana Caroline. “Os animais brigam pela sobrevivência. Uma espécie que muda do seu ambiente natural rompe um elo na cadeia alimentar, e prejudica todos as outras”, detalha a bióloga. Ela ressalta que o desequilíbrio faz com que os animais busquem novos territórios, muitas vezes invadindo as áreas urbanas. Nelas, encontram mais riscos e conflitos com os seres humanos. “Essa situação exige uma maior conscientização e respeito pela vida selvagem, que é essencial para a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas”, pondera.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), não é mais responsável pelas capturas. Há algum tempo os especialistas faziam a triagem, e, após a reabilitação, os animais eram devolvidos à natureza no Horto Florestal Arara Azul. Hoje essa tarefa de coleta fica ao cargo dos Bombeiros Militares, que os soltam em segurança na área de mata. A reportagem procurou o Ibama, mas não obteve resposta até a publicação desta checagem.

Horto Florestal

Localizado a 10 km de Imperatriz, em uma área uma área de 57 hectares de mata, o Horto Florestal Arara Azul sofre com o abandono e a falta de cuidados. Criado pela empresa estatal Valec Engenharia, Construções e Ferrovias na década de 1990, como forma de compensação dos impactos ambientais da construção da Ferrovia Norte-Sul,  essas terras foram transferidas da Cohab em 1988.

O local abrigava um viveiro de mudas de espécies do Cerrado e da Amazônia que eram plantadas ao longo da ferrovia. Hoje, ainda conta com animais silvestres e uma vasta diversidade de árvores, como o pau-Brasil, mororó, ipê-branco e jenipapo. O horto, que era coordenado por um biólogo e uma veterinária que moravam naquele ambiente e faziam a triagem dos animais, abrigava espécimes apreendidas em operações do Ibama no Maranhão e até trazidas de outros estados. Com a desativação do local, os animais foram levados para criadores autorizados pelo Ibama em São Luís e Santa Inês.

Uma das lagoas que compõem o Horto Florestal Arara Azul (Crédito: Laécio Rodrigues)

Apesar disso, há planos para a reativação e manutenção do Horto Arara Azul. Após sua desativação, a gestão do horto foi transferida para a prefeitura de Imperatriz. Hoje é administrado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semmarh). Sobre esses planos, o professor de Biologia, Marcelo Francisco da Silva, afirma que está sendo construído um termo de cooperação entre o município e a Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão. “A Uemasul dá apoio técnico durante a gestão e a relação entre as atividades de manutenção desse parque ambiental”, ressalta.

Além da área do horto, o professor Francisco conta que já existe verba destinada para fazer e reorganizar o cercamento, a segurança e monitoramento da área. Ele afirma que outra parte da cidade também será criada para a preservação da natureza. “São duas áreas ambientais que estão sendo criadas em Imperatriz: é o horto Arara Azul e a região da Lagoa das Garças, que é uma área de reprodução de aves”.

Os planos para o horto vão além. “Existe até uma proposta já antiga, em relação à criação nesse espaço de transformar em um parque zoobotânico, com uma área de recuperação de animais silvestres, centro de exposição, trilhas ecológicas”, revela o professor. Mas ele pondera que se trata de uma questão que não está no futuro próximo. “Depende de organizar primeiro uma fundação para gerir isso e depois mobilizar recursos para essa questão toda. O primeiro passo foi esse, a área se tornar municipal e um parque ambiental”, conclui Francisco.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística, chamado Meu Canto Também é Notícia. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar histórias jornalísticas em seus próprios bairros. Essa é a primeira publicação oficial de todas, todos e todes.

Obras da prefeitura adentram a zona rural do Conjunto Nova Vitória em 2022 (Créditos: Ana Paula)