Amor à religião que arrebata preconceitos

Umbandista conta os desafios que a umbanda enfrenta e como lida contra eles, além de relatar a beleza da religião.

Repórteres: Lara Castro, Maria Gabriela, Pedro Ítalo e Sarah Rocha

Foto: Captura de tela do documentário “Saravah: percepções sobre a Umbanda em Imperatriz – MA”.

“Umbanda é amor e caridade, e que é manifestada”, diz Celson Silva em documentário.

 

O Brasil é um estado laico, mas conta com uma diversidade de religiões. A Constituição Federal de 1988, no Art. 5, inciso VI, assegura liberdade de crenças aos brasileiros e estrangeiros que residam no país. Segundo o “Disque 100” houve um aumento de 56% de denúncias de intolerância religiosa no primeiro semestre de 2019, e a maior parte das denúncias foram feitas por praticantes das religiões de umbanda e candomblé. No dia 15 de novembro de 2021 foi celebrado o Dia Nacional da Umbanda, marcado por 113 anos de lutas, resistências, histórias e ensinamentos.

Para conhecer mais sobre a religião e o processo de conquista de espaço em Imperatriz, o entrevistado é o professor e umbandista Celson Santos da Silva. Formado em Matemática pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), é docente da rede estadual há 21 anos, junto à sua profissão concilia a vida no terreiro de umbanda Nossa Senhora de Santana. Durante a adolescência começou a manifestar dons da mediunidade e foi na umbanda que encontrou explicações e utilidades para tais aptidões.

No documentário “Saravah: percepções sobre a Umbanda em Imperatriz – MA” em que Celson e outros adeptos participam, é apresentada a religião através da perspectiva dos umbandistas e como funcionam as vivências, emoções e o envolvimento destes com a Umbanda. O entrevistado comentou sobre preconceitos, significados dentro da religião e como enxerga o processo de crescimento da Umbanda não só em Imperatriz, mas também no Brasil.

 

Imperatriz Notícias: No que a umbanda se distingue de outras religiões?

 Celson Santos da Silva: Todas as religiões, de certa forma, são espiritualistas. Todas acreditam na espiritualidade, as religiões existem para nos espiritualizar, nos aproximar da espiritualidade, de Deus, pra isso que existe a religião. Toda e qualquer religião tem esse fundamento, esse objetivo de nos ligar ao criador, ao supremo, ao divino. As diferenças estão no rito, na forma de cultuar. Todas as religiões cultuam ao criador, à Deus, de formas diferentes. Os católicos cultuam na missa, os evangélicos no culto, na umbanda temos nossas sessões de cura, de desobsessões, temos a gira, temos nossos momentos que vamos para a natureza, para as florestas, pra beira do rio, pra cachoeira, onde fazemos os nossos ritos. Então, a diferença está no rito. E também com relação à crença na existência dos espíritos. Uma outra diferença é o acreditar que nós – da umbanda – temos na continuidade da vida após o desencarne. Não é reencarnação. Reencarnar quer dizer morrer e nascer de novo, retornar à terra em um outro corpo. Nós acreditamos na continuidade da vida. Porque assim, a vida, tem que ser dada a ela um sentido, mas o sentido maior que a vida tem, é assim: nós existimos para evoluir. Essa evolução não é física. A gente se alimenta, faz exercício, toma remédio para ficar bem, mas a nossa parte principal, a essência maior, é o que somos realmente. Somos espíritos encarnados, habitamos nessa carne. Tenho que me evoluir espiritualmente e esta evolução é para quando eu desencarnar, o meu espírito encontrar um nível evolutivo da forma que eu quero estar, como eu espero.

 

IN: A palavra “macumba” é usada de forma pejorativa por muitas pessoas. O que significa esta palavra na umbanda?

CSS: Depois da colonização do Brasil, os negros vieram para cá — trazidos da África — e estes trouxeram consigo seus ritos, sua cultura em geral. Os negros utilizam instrumentos de percussão para poder fazer seus cultos, seus ritos. Aqui no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, quando os negros fugiam, eles iam para a mata ou para a beira da praia e anunciavam uns aos outros que naquele dia, naquela hora, aconteceria uma macumba, ou seja, um toque. Então, a palavra macumba é citada de forma ignorante, e digo ignorante porque: a pessoa que se refere à palavra macumba como algo pejorativo é porque ela não tem conhecimento, não sabe o significado da palavra. O significado da palavra macumba é esse, é o ritmo, o toque de um instrumento de percussão, que é utilizado até hoje nos cultos de candomblé, umbanda, tambor de mina, terecô – típico do Maranhão –, todas estas religiões usam os atabaques, tambores, instrumentos utilizados nos ritos. Macumba é isso.

 

IN: Existe a umbanda e o candomblé. Qual a diferença entre elas?

CSS: Ambas as religiões são espiritualistas, ambas acreditam na existência dos espíritos, na comunicação e no trabalho com o intermédio de Deus. Os espíritos existem e emprestam energia, sabedoria, conhecimento, ciência. Uma das diferenças que vou falar é em relação ao orixá. O orixá no candomblé é uma divindade, um ancestral africano, ele apresenta uma figuração africana. Já na umbanda, a gente não tem o orixá como uma personificação africana, temos como uma energia da natureza. A umbanda não é politeísta, é uma religião monoteísta. Nós umbandistas cremos em um único Deus, que é o criador, e esse Deus se manifesta na natureza e nesta manifestação damos o nome de orixá. Essa é uma diferença que existe entre o candomblé e a umbanda.

 

IN: Você fala no documentário “Saravah: percepções sobre a Umbanda em Imperatriz – MA” que a umbanda é amor, caridade e que é manifestada. De que forma isso ocorre?

CSS: Primeiro, quero citar uma frase que foi dita pelo mestre Jesus: “Amai-vos uns aos outros como eu os amei”. Então, nós devemos de alguma forma manifestar esse amor, não apenas dizendo para uma determinada pessoa “eu te amo”. É uma palavra, mas para o amor ser verdadeiro, concreto, ele precisa vir seguido de atitudes, não somente de palavras. A caridade, que é um dos princípios da nossa religião, junto ao amor e fraternidade, temos ela como uma forma de manifestação. Quando você ajuda alguém, você está manifestando esse sentimento, quando você pratica a caridade, você está se elevando espiritualmente também, está fazendo uma pessoa feliz. Em muitos lugares em Imperatriz, pessoas vivem de forma sofrida, na dificuldade. Tem um pessoal que fica no rumo do rio Barra Grande, pessoas que vivem de coletar lixo e, de repente você vai lá e faz uma doação de roupas ou de alimentos, a felicidade que essas pessoas demonstram, nós conseguimos sentir. A gente se sente feliz e satisfeito, porque naquela ação que a gente desenvolveu ali, manifestamos o amor que Jesus Cristo falou. Não é falar que ama, é o que você faz.

 

IN: Você já sofreu preconceito por professar sua religião? Como você lidou ou lida com isso?

CSS: No início era bem mais difícil, porque quando comecei a estudar e buscar conhecimento da religião, naquele período eu sofria muito preconceito e, ainda hoje sofro, não só eu, mas todos que são umbandistas também. Algumas pessoas sofrem, outras não. Recebo o preconceito das pessoas, mas não o sofro, porque já superei isso e já venci a barreira dentro de mim. Sempre vai existir, devido às diferentes relações sociais, raciais e culturais do nosso país. Nosso país é laico, têm diversas religiões e todas elas têm suas verdades e crenças e isso causa o preconceito. A umbanda é ainda uma religião de minoria, mas no Brasil, está crescendo bastante. Uma das coisas que falamos para os adeptos assim que entram no terreiro, é que eles precisam superar a barreira do preconceito para que eles não sofram. Eles vão receber o preconceito, mas não precisam sofrer, precisam ser tolerantes, escutar aquilo e entender que quem está sendo preconceituoso é porque não conhecem e, ao invés de brigar e rebater com grosseria, por que não convidar a pessoa pra vir ao terreiro? Você conversa comigo sobre sua religião e eu converso contigo sobre a minha, quando você sair de lá vai ser com outra mentalidade, irá preencher o pensamento de ignorância com a sabedoria.

 

IN: É importante conhecer e se informar sobre outras religiões? Por quê?

CSS: Sim, é importante sim conhecer outras religiões. O conhecimento vence o preconceito, por isso é importante, para que a gente possa vencer o preconceito, a gente tem que conhecer, conhecer sempre é bom. Os nossos antepassados diziam para aprender de tudo, para um dia usar o que for necessário, e hoje digo aprender de tudo pra vencer o preconceito que carregamos dentro de nós mesmos. A gente tem preconceito, todo mundo tem, mas esse preconceito pode sair de dentro de você a partir do momento que você reconhece, que busca conhecer outras religiões, as diferenças, e perceber que não são as diferenças que são importantes, e sim as semelhanças, porque todas as religiões têm diferenças, mas tem semelhanças, onde elas se assemelham é onde elas podem se integrar, se reunir, em um fim comum, em um propósito em prol da humanidade.

Eu penso muito na reunião, não uma unificação, porque hoje em dia toda religião tem sua característica, e cada uma deve ser respeitada, mas também as semelhanças entre elas poderiam ser uma razão, um motivo para que elas se reunissem para um propósito social. Enquanto a gente tiver caminhando separado o mundo não muda, pro mundo melhorar a gente tem que caminhar junto, a gente deveria caminhar junto, parar de ser preconceituoso, parar de enxergar as diferenças entre as religiões como algo que nos distancia e buscar identificar, conhecer o que cada uma traz de semelhante, para que aquilo motivasse a integração entre elas, mas uma integração não que mudasse a essência de cada uma, mas que levasse a todas essas religiões a atuar nessa sociedade, em prol da comunidade, da humanidade em geral, isso faria o mundo melhor, um mundo mais feliz.

 

IN: Você percebe esse processo de conquista de espaço na cidade de Imperatriz que a religião está tomando espaço?

CSS: Não só em Imperatriz, mas no Brasil. A região de umbanda é uma das regiões que mais cresce, ela tá crescendo muito, as pessoas estão se interessando, não só pela região, mas por toda cultura afro. Tem momentos muito importantes no Brasil, principalmente no mês de novembro, no dia 20, dia da consciência negra. Nesse dia, as manifestações são muito fortes. Então, isso leva conhecimento as pessoas, tem muita gente curiosa, querendo aprender, entender, buscando. Está acontecendo muito isso em Imperatriz, e tem aqueles movimentos que acontecem no dia 15 de novembro, no dia do aniversário da Umbanda, não de existência, mas de oficialização. A região foi anunciada no dia 15 de novembro de 1908, mas ela é uma região milenar, porém, foi reconhecida, oficializada nesta data. Então, todo ano no dia 15 de novembro acontece no Brasil inteiro, agora também em Imperatriz, aqueles momentos culturais relativos à região de umbanda e candomblé.

 

Entrevista produzida para a disciplina Técnicas de Entrevista e Reportagem (2021.2), ministrada pela professora Nayane Brito.