Adejo de moléculas: uma ligação inesperada entre Química e Moda

Por: Maria Gabriela



Em 6 de dezembro de 2023 durante o Simpósio de Comunicação da Região Tocantina (SIMCOM), eu estava sendo monitora de uma oficina. A dinâmica já havia começado quando uma figura não muito desconhecida por mim adentrou a sala e logo chamou a atenção de todos presentes. A mulher trajava peças rosas e pretas (cores do evento) com adereços que faziam uma junção perfeita, sendo notável que para chegar naquele resultado, precisava de uma perspectiva mais aguçada, e andou até a carteira com elegância e firmeza, emanando autenticidade. 

 

Dias antes eu já havia a visto com roupas que também faziam jus ao evento e, naquele primeiro momento, fiquei encucada para saber quem estava por trás de tanta personalidade. No dia 6, seja por coincidência ou puramente o destino me ajudando não só a sanar minha curiosidade, mas também de futuramente conhecer uma mulher que sabe sua posição no mundo, estávamos no mesmo ambiente. Thalita Zague apresentou-se e brevemente contou sua relação com a moda. Mas além da moda, havia a Química (com “Q” maiúsculo mesmo). Descobri que Thalita não só é amante do mundo fashion e que, atualmente, trabalha como criadora de conteúdo digital e customização de vestuário, mas também formada em Química e já atuou na docência e como funcionária pública. Eu estava à procura de alguém que pudesse compartilhar uma história que desviasse do óbvio e trouxesse o questionamento de como coisas distintas podem acabar complementando um ser. Encontrei isto em uma protagonista que, assim como em um equilíbrio químico, mantém as suas paixões constantes e equivalentes.

Thalita durante o XVII SIMCOM. Foto: Débora Maia

Menininha enfeitada e sua fada madrinha

 

Sua relação com a moda vem desde a infância através da iniciativa de sua mãe, Sônia. “Ela sempre teve o sonho de ter uma menininha, e toda mãe que tem uma menina sempre quer enfeitar”, relembra. A personalidade forte e “muito tendenciosa a combinações”, como ela mesma caracteriza, começou a ser manifestada a partir dali. Com dois anos de idade, duas crises de epilepsia levaram a pequena Thalita ao neuropediatra, e a partir de uma dinâmica que permitia deixar a criança solta, ela começou a organizar a mesa do médico em cores padronizadas. O doutor reforçou que a garotinha não tinha doença ou algo do tipo e a dispensou. Thalita diz que usa muito este episódio como forma de lembrar que o que talvez poderia ser um problema, é na verdade um dom.

 

“A minha mãe não encarou aquilo como se fosse um problema, mas sim como se fosse da minha personalidade.” Dona Sônia conduzia tais particularidades de forma natural, pois Thalita desde criança se negava a vestir roupas que não combinavam, sejam em cores, formas e tecido, e isso era muito forte. “A personalidade é mutável. Com o tempo, você vai incorporando outros elementos da própria vivência que você está naquele momento, existem coisas que são próprias suas e que com o tempo você vai descobrindo e vai se definindo naquilo”, acredita Thalita.

O companheirismo pode ser visto até nos looks. Foto: Arquivo pessoal

 

O incentivo de dona Sônia sempre esteve presente, se juntando com o espírito criativo da filha. “Eu queria colocar elementos diferentes. Então, se eu ia fazer uma apresentação na escola, eu criava o chapéu da apresentação. Na época era muito forte, e voltou agora inclusive, o crochê. Minha mãe era minha fada madrinha naquele momento.” Assim como a Cinderela é enfeitada pela varinha de sua fada madrinha com o simples Bibbidi-bobbidi-boo, Thalita contou com a máquina de costura e as mãos de Sônia para fazer bordados, crochês e muito mais.

Quimicamente decisivo

 

Apesar de ter apoio no seu lado artístico, Thalita recebeu um maior incentivo para seguir um caminho na academia. “Vindo de uma família com poucos recursos, minha mãe sempre falava que a única forma de você ter uma certa ascensão social era através dos estudos”, conta. Cursar Química então veio não por prioridade, mas sim por falta de oportunidade. Com condições financeiras escassas e sem oportunidade de ir para outro estado cursar Medicina, curso no qual era sua primeira opção, a jovem Thalita, na época com 16 anos, resolveu ficar por ali mesmo no universo da Química. E este resolveu ficar, acabou a conduzindo para uma segunda vertente na qual se identificou: a carreira científica. “A carreira científica dentro da Química foi uma opção. Já que eu estava lá, pelo menos tentei me encontrar dentro desse processo.”

 

A primeira atuação na docência (pode-se dizer assim) foi aos 16 anos com um trabalho voluntário na escola que ficava em frente à sua casa, ela participava das atividades de leitura para alfabetização de crianças. Passou por todos os estágios dentro da escolaridade, desde a alfabetização até o ensino superior e especializações. Foi professora universitária tanto na esfera pública quanto na estadual, tendo 15 anos de carreira como professora de Química. 

 

“Essa carreira científica, para mim, é a parte mais enriquecedora dentro da academia. A Química apurou o meu olhar diante do mundo”, conta com efervescência. Thalita acrescenta que hoje em dia olha para a moda de uma forma mais inteligível por consequência da Química e da academia. Durante a sua formação teve que olhar para dentro de um universo e perceber as coisas por de trás dos panos, o que expandiu também para a lógica do “somente se vestir” em relação à moda. Uma união que se iniciou por falta de oportunidades acabou por construir uma relação de expansão e refinamento de perspectivas, “você tem que ter uma resposta para a sociedade de alguma forma e ela foi lapidando o meu discurso, foi lapidando o meu contato com o público. Eu aprendi a me conectar mais, ser mais empática, mais sensível.”

Reencontro com a moda

 

Dona Sônia faleceu em 2021 devido ao vírus da Covid-19 e Thalita continuou forte tanto para o lado artístico quanto para o mundo acadêmico. “Quando a minha mãe faleceu, pude perceber que a gente tem pouco tempo e que devemos fazer o que a gente realmente ama, o que gosta, independentemente se isso vai ter ou não um retorno financeiro”, acredita ela. Sua mãe deixou um grande exemplo de que seguir os sonhos deve ser um fator primordial para que exista uma satisfação pessoal, que reverbere de alguma forma. Conquistar seu espaço na sociedade, de fazer algo tanto por si quanto para outras pessoas é a trilha de alegria para ambos os lados. “Existe um momento em que você vai perceber que a vida é maior que só sobreviver”, acrescenta. 

 

O tempo trouxe conquistas, dores, desafios e escolhas. Após este episódio, Thalita optou por deixar a docência e bordar mais uma aventura: começou customizando peças no seu ateliê chamado “Tha Linda Atelier e Produções”. Apesar de toda a trajetória no mundo da Química, ela não estava isenta do medo de encarar a parte profissional do processo. “Se as pessoas me perguntarem de onde vem minhas concepções, vou poder dizer que vem só dos livros, sem uma identificação, sem uma certificação que me validasse. Mesmo com o ateliê, eu ainda me sentia insegura, por isso fui buscar a academia.” Hoje ela cursa o quarto período de Design de Moda e relembra que aos dois anos de idade fazia combinações na sala do médico e, hoje na academia, aprendeu que tal combinação é agradável para os olhos, pois os bebês têm preferência pelo simétrico. A vivência casou com o dom e as explicações que apenas o mundo acadêmico é capaz de dar. 

Thalita percebeu neste ensaio que sua força era ser leve, e não resistir a dor e ao sofrimento, mas viver cada estação, respeitando o tempo e a si mesma. Foto: Crizante Almeida

De átomo em átomo se constrói uma identidade

 

Nascida em Teresina, Thalita veio para Imperatriz aos sete anos, tendo mais tempo aqui do que na cidade natal. Hoje aos 34 anos ela brinca que é imperatrizense adotiva. 

Aqui na cidade ela atrai olhares. Ela mesma reconhece que o calor é um grande desafio para usar looks tão elaborados, mas isto não se torna um empecilho. “Nós somos pequenos influenciadores dentro do nosso ciclo, as pessoas vão acabar percebendo isso. Tem uma construção que as pessoas vão perceber e vão se identificar, porque nem sempre as pessoas vão se identificar com meu estilo, com meu gosto”, conta.

 

Thalita reforça que o respeito pelas particularidades de cada um é essencial para a caminhada humana e que, querendo ou não, o respeito vem naturalmente, “porque as pessoas percebem que é autêntico. Vai para além do seu diploma acadêmico, além do seu certificado de formação, mas quem você é as pessoas vão acabar percebendo, não tem como fugir disso e não tem nada científico que prove isso”, é uma realidade intuitiva que é uma das sabedorias que ela considera primária. 

Seus looks carregam uma personalidade marcante. Foto: Arquivo pessoal

O ciclo de nossas vidas nos permite experimentar, viver, compreender e escolher. Isto é um fato natural e inerente a todos nós. A mudança de fase das matérias ocorre não só na química mas também conosco, o que achamos que pode ser sólido pode acabar caindo no estado de fusão (quando o sólido se transforma em líquido. O derretimento que, no final, acaba evaporando. Mas isso também não necessariamente precisa ser interpretado de maneira ruim) e, às vezes, o efêmero acaba se firmando e conquistando seu espaço em locais esporádicos.

 

Personalidade, sagacidade e originalidade afloram com o tempo. Mas ter estas características é preciso de sustentação e certeza. Thalita Zague construiu um equilíbrio durante a vida que a possibilita exteriorizar com firmeza todas estas características. A Química e a Moda são suas aliadas, companhias diferentes mas que preenchem e dão vida e forma à Thalita professora de Química e a Thalita futura designer de moda e, principalmente, Thalita Zague como mulher.

 

A construção que demorou a ser estruturada hoje pode ser comparada com um átomo: é a junção de elementos que demandam muitas ações externas para ser quebrado. Mas diferente de um átomo, Thalita é grande e sua presença não se faz de forma subatômica. Ela é notável aos olhos, eminente e presente aonde quer que esteja.