Faculdades no exterior se popularizam com a dificuldade do acesso ao curso de medicina no Brasil

Texto: Iago Victor da Silva

Fotos: arquivos pessoais

De acordo com o Censo da Educação Superior 2020, o curso de medicina é o décimo mais procurado no Brasil, com 204.279 alunos matriculados, entre universidades públicas e privadas. Além disso, cada ano bate recordes nas notas de corte dos vestibulares, figurando sempre na primeira posição. A alta procura o torna a faculdade brasileira mais disputada. Na rede particular, as mensalidades podem chegar a mais de 10 salários mínimos, o que o configura como bastante elitizado. Esse entrave leva os brasileiros a buscarem alternativas para realizar o sonho de fazer medicina. Uma opção, que está se popularizando no país, é a procura por estudar no exterior.

De acordo com a mestre em antropologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Maria Aparecida Webber, em entrevista ao portal R7, os dados mostram que em 2017 havia cerca de 8 mil estudantes fazendo medicina na região da tríplice fronteira entre o Brasil, Argentina e Paraguai. Esses números atualizados, chegam a aproximadamente 18 mil, sendo destes, cerca de 16 mil brasileiros.

Os últimos dados referentes à quantidade de brasileiros morando no Paraguai, mostram que o número encolheu cerca de 29%. Porém, quando se trata em específico de Pedro Juan Caballero, cidade que faz fronteira seca com Ponta Porã, no Brasil, houve um salto de 145,9% na quantidade de brasileiros. Acredita-se que esses dados foram impulsionados pela presença de instituições de ensino que disponibilizam o curso de medicina. O atrativo é a mensalidade, que gira na casa dos R$ 1 mil, além da dispensa do vestibular para o ingresso, removendo uma importante barreira de acesso ao curso no Brasil. Ao todo, nove instituições oferecem medicina na cidade.

Gunara Alves Costa é um exemplo de brasileira que se formou recentemente em medicina no Paraguai. Ela é de Bela Vista, no Mato Grosso do Sul, cidade que faz fronteira com aquele país. A dificuldade de atingir a nota necessária nos vestibulares, somada ao valor das mensalidades nas universidades privadas, fez com que escolhesse estudar fora. “No Paraguai era muito mais acessível na época em que comecei a faculdade.  A alta procura valorizou as mensalidades, mas, mesmo assim, continua sendo bem mais barato do que no Brasil”, diz a recém-formada.

Gunara Alves Costa se formou recentemente em medicina no Paraguai

Gunara avalia que por mais que tenha sido muito difícil conseguir concluir o curso, a escolha vale a pena. No decorrer da faculdade ela teve oportunidades de fazer internato no Brasil por um convênio que sua instituição oferece e acredita que a experiência foi enriquecedora para seu aprendizado. Agora que concluiu a graduação, não pretende exercê-la no país em que se formou, tem planos para retornar para o Brasil e está se preparando para fazer o Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos), expedidos por Instituições de Educação Superior estrangeira.

Revalida

Após a luta para realizar o sonho de estudar medicina em outro país, ainda há uma batalha que os recém-formados devem enfrentar para finalmente poderem exercer a profissão no Brasil. É a prova do Revalida, citada por Gunara. Ele é um exame aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Anísio Teixeira, (Inep) para avaliar as habilidades e competências necessárias para o exercício da profissão no país. Ele é obrigatório para que, tanto estrangeiros quanto brasileiros formados no exterior, possam exercer a medicina em território nacional.

Suzanna Letícya da Conceição Lima, que é de Altamira, do Maranhão, também optou por fazer medicina no Paraguai. Porém, diferente de Gunara, ela estuda na Universidade Central do Paraguai, na Ciudad Del Este, fronteira com Foz do Iguaçu, no Paraná. Mesmo assim, a política de ingresso, sem vestibular, e os valores, são os mesmos.  Suzanna diz que escolheu esse curso por ser um sonho e concorda com Gunara com relação à qualidade do ensino e o custo benefício de fazê-lo no Paraguai. “Os professores são totalmente dedicados, eles dão total apoio e incentivam os alunos a continuarem o curso, pois medicina é uma profissão tão linda e o ensino é muito maravilhoso. E o baixo custo ajuda muito”, elogia.

Suzanna Letícya da Conceição levou em conta o custo-benefício para estudar no Paraguai

Suzanna também pretende exercer a profissão no Brasil, mas não descarta atuar no Paraguai enquanto não conseguir revalidar o diploma. “Inclusive, tem muitas pessoas que precisam dessa ajuda médica, e eu estou disposta a ajudar”, afirma. Para aqueles que quiserem ser médicos no Paraguai, após a conclusão dos estudos ou ainda os estudantes que não conseguirem revalidar seu diploma, o salário de um clínico geral em 2021, naquele país, variava de R$ 6 mil a R$ 8 mil, de acordo com informações nos sites das próprias faculdades que recebem os brasileiros. Os formandos devem pagar uma taxa para obter a licença e poderem atuar como médicos. Assim como os formados no Brasil devem ser regularizados junto ao Conselho Federal de Medicina (CFM).

Com relação ao Revalida, a estudante Suzanna pretende se preparar por meio do curso disponibilizado pela própria faculdade em que estuda e está confiante na aprovação. Diferente da universidade de Gunara, que não oferece essa opção, o que a obriga a estudar de forma autônoma. No Brasil, os cursos preparatórios para o Revalida têm mensalidades alta demais para as possibilidades da médica recém-formada.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) apoia o Revalida. A justificativa é que a prova é uma maneira de garantir a segurança e boa assistência médica à população brasileira. Além disso,  reitera a importância de todo o médico que queira exercer a medicina no Brasil, esteja registrado no Conselho e seja portador do CRM, que é o número de registro nacional do médico . A justificativa oficial é de que o Revalida funciona como uma uniformização dos conhecimentos mínimos para o exercício da profissão em todo o país.

Inclusive, em 2019 foi aprovada pelo Senado a PL 6.176/2019, que prevê a simplificação do processo do Revalida, mas o CFM se posicionou contrário, o que dificultou o andamento dos processos.  Para o CFM, a qualidade na formação dos médicos tem que ser garantida. No entanto, o exame Revalida foi suspenso no país desde 2017 e voltou apenas em 2022.

O Revalida foi criado em 2011. De acordo com informações divulgadas pelo Ministério da Educação (MEC), em 2021 cerca de 15 mil brasileiros buscavam a revalidação do diploma.  Após três anos sem a realização, o exame aconteceu em oito cidades brasileiras: Brasilia (DF), Campo Grande(MS), Curitiba(PR), Porto Alegre(RS), Recife(PE), Rio Branco(AC), Salvador(BA) e São Paulo(SP).