Escola da região do Bico do Papagaio (TO) alia agricultura familiar ao ensino agrícola

Texto e fotos: Dayana Batista e Daiane Silva

Eles e elas aprendem desde cedo a como manusear a terra e desenvolvem conhecimentos gerais sobre a realidade rural. A Escola Família Agrícola Padre Josimo (Efabip), localizada em Esperantina (TO), na região do Bico do Papagaio, a quase 700 quilômetros de Palmas (TO), foi criada com o objetivo de educar os filhos de agricultores para que consigam ampliar seus saberes ligados ao trabalho e à vida no campo.

“Nós, alunos, cuidamos da escola, limpamos as salas e o local em que comemos. Acredito que é uma forma de zelar pelo nosso próprio ambiente. É sempre um cuidado a mais”. O relato do estudante da Efabip, Felipe de Oliveira Santos, que ingressou  em 2018 e hoje está nos últimos meses para concluir a terceira série do ensino médio, exemplifica o método de ensino Pedagogia da Alternância. Trata-se de uma formação com períodos alternados de vivência e estudo na escola e na família, utilizada em vários lugares do Brasil para combater o êxodo rural e que representa uma participação direta na vida dos alunos. A partir dos depoimentos, percebe-se um relacionamento mais aproximado entre os pais, alunos e professores.

Nas aulas de campo os filhos de agricultores ampliam os seus saberes na área rural

Felipe conta que era mais tímido no início das aulas, mas foi tão bem acolhido por toda a comunidade escolar, que foi se soltando aos poucos. Ele pretende seguir no ramo agrícola, e se orgulha em afirmar: “Sou filho de camponês, nasci e fui criado na roça”. O estudante diz que sempre tenta auxiliar seu pai no campo, pois fixa seus conhecimentos obtidos na escola para ajudar nas atividades agrícolas. “Às vezes ele tem certa dificuldade. Aí eu falo: ‘Pai, pode usar tal composto orgânico, que pode dar um rendimento bacana na produção’. Assim, eu me aproximo mais do meu pai, e ajudo ele ao mesmo tempo”, ressalta o estudante.

Convivência e aprendizado

O professor Miquéias Alves, que é engenheiro agrônomo formado pelo Instituto Federal do Tocantins (IFTO), afirma que o corpo docente e os funcionários da Efabip acabam convivendo mais com os alunos, estabelecendo um contato direto com eles. Ele acrescenta que a equipe tenta ajudar em tudo que pode. “Até mesmo necessidades financeiras, materiais escolares, uma bota, um absorvente para as meninas, aqui a gente é uma família”.

Atualmente a escola funciona por alternância, um método desenvolvido como proposta educativa e com um olhar voltado para os produtores rurais. Em 2022, 205 estudantes entre homens e mulheres, estão matriculados na unidade de Esperantina-TO. O estabelecimento de ensino conta com uma rede de colaboradores e recebe alunos do sétimo ano do ensino fundamental à terceira série do ensino médio, em conjunto com cursos técnicos profissionalizantes voltados para as atividades no campo.

Nas segundas-feiras os estudantes chegam por volta das 10h, e cada professor fica responsável por um grupo de matriculados de determinada região. “Temos o caderno de acompanhamento do aluno, que ele leva para casa e o pai relata como foi a semana dele. Na segunda-feira, leio todo o conteúdo sobre os ocorridos durante a semana em casa”, explica o professor Miquéias.

Após passarem uma semana de estudos residindo na escola, os alunos ficam a semana seguinte em casa, realizando as tarefas diárias e aplicando seus conhecimentos obtidos das aulas nas atividades do campo, junto aos seus familiares. Os três turnos são alternados entre aulas teóricas e práticas e, ainda no ensino médio, os estudantes iniciam alguns componentes curriculares das Ciências Agrárias, como Zootecnia e práticas agroecológicas em produção vegetal e animal.

Estudantes têm contato direto com maquinário e tecnologia para o campo

Para os ingressantes do ensino médio são ofertados os cursos de Agroecologia. Dentre elas a Agroindústria, Máquinas e Mecanização, Sistemas de Produção, Cooperativismo, além dos componentes específicos da Pedagogia da Alternância.

Histórico

A  Escola Família Agrícola (EFA), que segue princípios católicos, surgiu a partir de um método adaptado pelos padres  Umberto Pietro Grande e  Aldo Lucchetta, inspirados por um modelo francês do século XX. Conforme o Censo da União Nacional das Escolas Família Agrícola do Brasil (Unefab), há atualmente mais de 150 estabelecimentos funcionando em mais de 16 estados e outros projetos em andamento.

Diversos fatores contribuíram para o surgimento das EFAs no Brasil, entre eles, a falta de conhecimento básico para a preservação ambiental das áreas rurais, muito desmatamento e uso de produtos agrotóxicos. O projeto visa solucionar os problemas existentes dentro das terras e valorizar a cultura camponesa.

Rotina prática

Isadora Aguiar dos Santos é aluna desde 2019 e participa com frequência das atividades da escola. “A Efabip tem sido um grande marco em minha vida, me ofereceu muitas oportunidades em relação às atividades desenvolvidas lá dentro. Desde estudos, apresentações e a liberdade que eu tenho para me expressar”. A aluna é filha e neta de pequenos agricultores, e relata que, desde o seu primeiro contato com a instituição, sempre buscou um local que se encaixasse em sua realidade para poder auxiliar a família no campo. “O que me cativa é o sentimento de me sentir acolhida por todos os educadores, a direção e por todos os outros funcionários”, afirma Isadora.

Estudantes costumam apontar a Efabip como um marco para as suas vidas

Nas disciplinas técnicas, o professor Miquéias Alves relata que a maioria das aulas são práticas, como compostagem, plantio de hortaliças e de banana, cacau e açaí. Ele comenta sobre o uso de inseticidas e herbicidas. “Não trabalhamos com esses produtos. Nós utilizamos uma técnica japonesa milenar onde extraímos o óleo a partir da condensação da fumaça do coco babaçu”. O professor explica que logo após, o coco é colocado no forno, que canaliza a fumaça. “Ela fixa nas paredes de onde sai a canalização, se condensa e se transforma em óleo. Então, utilizamos este óleo como inseticida e herbicida”, explica o professor.

O corpo docente da instituição é formado atualmente por 19 professores, todos com formação específica nas áreas do conhecimento das Ciências Agrárias. São quatro engenheiros agrônomos, um engenheiro ambiental, um zootecnista, além de técnicos em agricultura e agropecuária. O corpo administrativo também é formado por pedagogos com habilitação em administração, supervisão e orientação escolar.

Além de ter essa participação na vida dos alunos, Miquéias lida com as questões burocráticas relacionadas ao cooperativismo e associativismo. Mais de 90% dos estudantes da escola são filhos de produtores rurais que fazem parte de alguma associação de assentados. Atualmente o agrônomo trabalha com as disciplinas Práticas Agroecológicas com o sétimo ano; Máquinas Agrícolas, na primeira série; Manejo Agroecológico dos Recursos Hídricos, na segunda e terceira série; Desenho e Topografia, Redes Solidárias Ligadas ao Cooperativismo e Associativismo, todas ligadas a questões sindicais.

A diretora da escola, Suely Carvalho, comenta sobre o período bastante complicado da pandemia, que se deu a partir do início do ano de 2020. “A Covid nos ensinou que nunca estamos prontos, precisamos desaprender e reaprender todos os dias. E que todos têm uma capacidade incrível de ser resilientes diante dos desafios que a pandemia trouxe”. Miquéias atua na Efabip desde setembro de 2019 e conta que, em 2020 e 2021, a instituição enfrentou dificuldades por conta da pandemia da Covid-19, tornando complicado aplicar as disciplinas técnicas no ensino remoto.

O motorista responsável por transportar os estudantes, Elivan Silva Matos, passa por 14 municípios e vilas pertencentes ao Bico do Papagaio, como Esperantina, Ouro Verde e Araguatins, para buscá-los e deixá-los em suas residências. Matos relata que o relacionamento com eles é bastante tranquilo. Ele puxa brincadeiras e se sente bem no meio dos jovens e adolescentes, pois faz parte de sua rotina de trabalho. “Também ajudo com algumas atividades da escola. Aguamos canteiros, mexemos com alguns animais e outras coisas que precisem dentro da sala de aula”, conta Elivan.