Se as bancas falassem: Feira da Rodoviária, em Grajaú (MA), reúne histórias de vida inspiradoras

Texto e fotos: Kainan Silva

“A gente tira o nosso sustento daqui e tudo, tudo, tudo que a gente tem hoje a gente tirou aqui do galpão da feira”. A declaração é de Lois dos Santos Costa, de 21 anos, que trabalha na Feira da Rodoviária com a sua família desde que tinha 12 anos de idade. A feira, localizada no município de Grajaú (190 km de Imperatriz), reúne comerciantes dos mais variados produtos, desde o tomate até a farinha.

A história da feira está em cada pedaço da cidade maranhense de pouco mais de 70 mil habitantes. Ana de Sousa Parente, de 74 anos, narra que as vendas começaram na porta do Fórum Municipal, depois foi transferida para a Cidade Alta e, de lá, os feirantes foram comercializar na porta de uma senhora moradora do município. Com o tempo, conta Ana, os trabalhadores passaram a reivindicar o galpão da Rodoviária como um local fixo para a feira, e as solicitações foram aceitas algum tempo depois.

“Hoje até melhor, porque naquele tempo a gente vivia era trabalhando de roça e hoje não”, relembra o esposo de Ana Parente, Pedro Ferreira da Silva, de 87 anos. Ele reflete sobre como a feira da Rodoviária representou uma dádiva diante das dificuldades que enfrentava quando era jovem, tendo que realizar trabalhos braçais em roças e mesmo assim não conseguindo mantimentos por longo tempo. Pedro e a esposa chegaram na feira em 1982 e até hoje obtêm o sustento da família a partir da venda dos produtos que realizam no galpão. “Nós vive trabalhando aqui, e daqui nós tira o futuro, e o troco compra o arroz, compra o feijão, compra a fava, compra tudo”, comenta Pedro.

Feira é uma porta aberta para trabalhadores que não têm outro meio de sustento

Com quatro anos de história na Feira da Rodoviária, Antônio José da Silva Gonçalves, de 47 anos, também viu no lugar a possibilidade de uma vida melhor. Enquanto enfrentava muitas dificuldades no outro ramo em que trabalhava, ele conta que soube do galpão e sempre observava uma banca coberta por uma lona. Um dia, escutou de um vizinho as palavras que dariam início a essa longa jornada como comerciante: “Aí está para vender!”. Antônio começou, três meses depois, a comprar mercadorias e foi “pegando a manha” de como fazer o trabalho com o tempo. “Hoje, eu me considero profissional na área da venda”.

A experiência foi diferente com a família de Lois Costa, que já trabalhava há muitas décadas com feira livre. Atualmente, Lois contribui com o irmão Márcio dos Santos Costa, de 26 anos, que é quem administra o local. Vindos do Amazonas para o Maranhão em 2012, os familiares logo conseguiram uma banca  e o ofício de feirante era passado como herança aos mais novos. Dois anos depois, a família retornou ao antigo estado, mas Márcio decidiu regressar novamente à Grajaú, desta vez sozinho.

Márcio Costa diz que deu os seus primeiros passos na feira de Grajaú criando uma promoção para as sextas-feiras. Conta também que o faturamento da banca àquela época era baixo, que foi vencido com inovação e estratégias corretas de venda. O alvo do comerciante, segundo ele, foi aumentar a variedade de produtos oferecidos em sua banca, uma vez que na maioria delas não havia mais que três ou quatro tipos diferentes de alimentos à venda. Outra vantagem competitiva do espaço de Márcio é a forma de pagamento, que pode ser feito pelo cartão, por pix ou cheque.

Todo esse aperfeiçoamento tornou a Banca do Cícero, que leva o nome do pai de Márcio, uma das mais procuradas pelos consumidores e que, segundo ele, oferece o sustento tanto para a sua própria família, quanto para os feirantes que trabalham como ajudantes. “Então, graças a Deus, são umas cinco ou seis famílias sustentadas através daqui”, afirma Márcio.

Esperança na pandemia 

Durante a pandemia de Covid-19, os trabalhadores da Feira da Rodoviária enfrentaram dificuldades para continuar com as suas atividades. A principal queixa dos comerciantes está no fato de que as mercadorias tiveram seus preços elevados neste período, o que acarretou em uma diminuição significativa do fluxo de consumidores da feira. Mas a adversidade não se tornou um impedimento, como expressa Antônio Gonçalves.

Ele reconhece que esse aumento foi sentido por todos os ramos de comércio e que eles, como autônomos, ainda puderam permanecer em seus empregos, enquanto tantos trabalhadores perderam os seus. Antônio também lembra, com tristeza, da perda de muitos clientes queridos para a doença. “A gente não teve como não ser afetado”, lamenta.

Essa esperança experimentada por Antônio diante das dificuldades com a doença também foi vivida por Pedro Ferreira. “Ficou mais difícil. Nós nunca paremo, foi mais fraco, mas nós fiquemo trabalhando, devagarzinho, e confiando em Deus.”

Para que as vendas retomassem com vigor, a inovação no atendimento e medidas protetivas contra a doença foram a combinação de sucesso utilizadas por Márcio Costa, que precisou se reinventar como feirante. Entendendo que o seu maior público consumidor era também o grupo que estava mais vulnerável com a pandemia, os idosos, Márcio decidiu comprar máscaras e distribuir para os clientes, além de disponibilizar pia e álcool em gel em sua banca. “A gente tomou todas as medidas cabíveis que poderia”.

“Um novo jeito de fazer feira”

 Márcio conta que, no ápice da pandemia no município, resolveu levar os produtos para uma frutaria da família em outro bairro e fazer com que a feira funcionasse no local, temporariamente. “Tanto que o nosso slogan aqui é: ‘Um novo jeito de fazer feira’”. Então, ele passou a oferecer o modo de serviço delivery, uma vez que já tinha clientes fixos, uma boa lista de transmissão e investia muito na propaganda de sua banca, conseguiu migrar os consumidores para realizarem pedidos online, relata.

Com a pandemia, comerciantes tiveram que se readaptar

Desconhecimento

Enquanto higieniza um a um dos vermelhos tomates sobre a mesa, Antônio Gonçalves compartilha sua angústia ao lembrar que muitos grajauenses desconhecem o fato de a feira funcionar durante a semana, e não apenas no “Dia da Feira”, aos sábados. Ele, conta, afetuoso, do cuidado que os feirantes têm com a sua mercadoria, relatando como é feita a limpeza dos produtos e do local.

Antônio, então, descansa a toalha que usa para limpar por alguns minutos. Atende ao pedido de um jovem casal por uma sacola de tomates. Ao fundo, o cantar dos pássaros no teto da feira, e no piso as conversas corriqueiras e em alto tom, cheias de cores, preços e texturas.

– Três e oitenta! Quer fazer os quatro reais?  Quero!

– E o que era mais? Temos feijão, a fava, farinha…

A toalha novamente descansa. Antônio corre com uma sacola carregada de tomates ao encontro de outro freguês, um motociclista que o espera à beira da rua. Do outro lado da feira, sentada em uma cadeira, está Ana Parente. Ela compartilha a trajetória dos comerciantes até chegarem naquele balcão. Mas antes que pudesse continuar a narrar a história daquela Feira, em meio ao canto distante dos pássaros e ao barulho das conversas sobre mercadorias, Ana recebe uma notícia que  leva às lágrimas quem a está observando. Um amigo esguio e de camiseta preta chega contando da partida de uma amiga querida.

Ana volta agora para a sua cadeira. Recorda-se, em voz alta, dos momentos que passou com aquela amiga, ali mesmo naquela feira. “Oh, meu Deus, como é que pode uma coisa assim? A muié andando aqui, comprando as coisinhas mais nós…”. Ela repete uma das últimas conversas que teve com a cliente, e expressa a tristeza vivida por ela em seus dias derradeiros.

Antonte, ela aqui conversando comigo, contando que tava assim tão ruim, coração dela de vem em quando batia rápido, aí tornava acalmar.” Nesta manhã, Ana Parente tem as maçãs de seu rosto molhadas pelas lágrimas que expressam a dor daquela perda. Enquanto elas caem, a senhora de 74 anos lembra da partida de seus próprios pais. Ana  enxuga  os olhos quando volta o rosto para baixo, usando a pequena  borda de sua saia.

O canto dos pássaros continua com o aproximar do meio-dia. Aos poucos, o som das altas vozes daquela feira diminui e chega a hora de ir para casa almoçar. Arrumação e limpeza das mercadorias, ajeita aqui, guarda ali. É mais um dia comum  no Galpão da Feira.

Esta matéria faz parte do projeto “Meu canto também é notícia”, desenvolvido com os estudantes do 1º semestre do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz (MA). Eles e elas foram estimulados a procurar histórias no entorno onde vivem.