Profissionais das artes cênicas reclamam de falta de apoio em Imperatriz

Além de músico, Neném Bragança atuou alguns anos no teatro local

Texto: Rennan Oliveira

Foto: Kaio Henrique

O teatro se originou na Grécia, século VI a.C., nas festas anuais realizadas em homenagem ao deus do vinho, do teatro e da fertilidade, Dionísio, quando mostrou-se pela primeira vez que era possível representar o outro. O teatro grego tem esse ar de sagrado, sempre um ritual para algum ser superior, enquanto o romano é mais parecido com o que as artes cênicas representam atualmente, mais próximo do puro entretenimento e arte. Esses aspectos estão presentes em diversas sociedades, desde muito tempo e perduram até hoje.

Não diferente de outros lugares e sociedades, Imperatriz construiu sua história nesse sentido. O teatro é apenas uma delas, entre tantas que enriquecem seus relatos e crônicas. O teatro local vivenciou momentos de apogeu e decadência, o que serviu para empobrecer a cultura, já escassa da nossa região, no entanto rica em vários aspectos.

História e Teatro

O teatro em Imperatriz surgiu na década de 1970, quando ainda vivia em um contexto de governo militar. A primeira casa onde se encontravam os artistas regionais, chamada de Cine Muiraquitã, era o espaço que também abrigava o projeto Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). A realidade de artistas imperatrizenses era totalmente diferente do que é vivenciada atualmente, a região tocantina era recheada de projetos artísticos que fomentavam a cultura. O primeiro grupo teatral que se tem registro foi o Grupo Oásis. A companhia de teatro começou com um projeto que reunia grandes nomes, como Zeca Tocantins, Nénem Bragança, Jô Santos entre outros, todos dirigidos por José Iramar da Silva.

Zeca Tocantins, músico, compositor e poeta, fez parte das primeiras produções culturais de Imperatriz. Ele lembra o quanto foi realizador viver da arte na época do auge do teatro. Idealizou e criou vários projetos, incluindo o Darc (Defensores das Artes Cênicas), do qual participaram alguns nomes importantes naquela década, como Nénem Bragança e Henrique Barros. O tão esperado Projeto Rondon fazia parte da vida dos artistas da época, sendo bastante aclamado por escolher inovações e criações. “Esse projeto era maravilhoso para os artistas da época, pois procuravam coisas novas, tinham a necessidade do novo, como era feita a arte e isso estimulava os artistas. Esses grupos se renovavam, oxigenava os movimentos”, lembra o compositor.

O grupo Oásis teve a duração de oito anos. Quando existente, desenvolveu peças teatrais que enalteciam críticas sociais vivenciadas naquela época. Os roteiros produzidos eram repassados previamente para o conselho militar antes de serem apresentados. A peça mais marcante lembrada por Zeca foi “Justiça na Terra”.

“Nesse espetáculo houve uma intervenção do conselho: a morte de um pistoleiro. Esse momento não esqueço. Nós apresentamos na mata, onde tinha um pistoleiro procurado”. Apesar de terem encaixado, em seus textos, várias ponderações sobre o governo, nunca sofreram nenhum tipo de censura. Tudo era feito de forma avaliativa, e no contexto vivenciado existiam invasões de terras, o que tornava mais perigoso o cenário para a expressão artística.

O projeto Darc, organizado por Zeca Tocantins, foi crescendo gradativamente. E com o passar dos anos foram feitos muitos trabalhos que engrandeceram o consumo de artes cênicas. “E nós fizemos diversos trabalhos e espetáculos, trabalhávamos em forma laboratório, construíamos textos de forma coletiva e cursos”, recorda.

Quando José Iramar da Silva se mudou para outro estado, deixou um legado importante: a luta pela direito dos artistas. Ele foi importante para a fundação da Associação Artística de Imperatriz. “O grupo Oásis brigou para ter o direito a um teatro, porém sem muito sucesso, pois o poder público nunca assumiu o compromisso de construir um teatro para os cidadãos”.  Em 1982, o então único teatro da cidade, conhecido como Ferreira Gullar, foi inaugurado e desde então é palco de várias atrações.

A nova geração do teatro imperatrizense

Em 2002 surge uma nova companhia, conhecida como Okazajo. O diretor, roteirista e ator Rogério Benício fundou a trupe ainda na adolescência, com alguns colegas. No início, o grupo enfrentou algumas barreiras e estigmas, por adotar um humor de escracho e por ser composto majoritariamente por homossexuais. A Cia de teatro não tinha o apoio de ninguém, os seus componentes tiveram que improvisar muito. “Teve toda essa questão do preconceito e aceitação do grupo adquirir respeito. Algumas pessoas ainda têm preconceito. Dentro até mesmo do LGBTQ+, alguns não entendem como um trabalho cultural, e também a questão financeira de não ter um apoio”.

Durante os passar dos anos o grupo começou a ganhar respeitabilidade e mais reconhecimento. Assim, os espetáculos se tornaram mais presentes no palco do Teatro Ferreira Gullar, com peças mais elaboradas e regionalização. As peças teatrais carregam uma grande marca, que é a regionalização e o “rir da desgraça”. “Gênero comum no Nordeste, são formatos da comédia. Nossa referência sempre é o cotidiano. Trazemos o cotidiano e os fatos regionais para dentro dos espetáculos”. Peças que conquistaram o público, como TV Okazajo, que é renovada a cada temporada e demonstra bem essa contextualização do cotidiano, inclusive fazendo humor com as mazelas sociais.

As artes cênicas são muito presentes na nossa região, porém pouco exploradas. O palco do Ferreira Gullar já abrigou vários grupos, tais como Cia de Teatro em Cima da Hora, Artback, entre outros. O grande problema é a dificuldade de se manter. Rogerio acredita que é preciso incentivo do poder público. “Não só o Okazajo, mas como nenhuma companhia usufruiu de dinheiro do poder público, tem algumas pessoas que trabalham fazendo teatro que às vezes conseguem a aprovação de um projeto. Mas isso é bem raro, não tem um incentivo maior”.

Grandes espetáculos já foram feitos no Ferreira Gullar, alguns de bastante importância, estimulando o gosto pelas artes na região. A fase em que eram organizados saraus e eventos era considerada a época de ouro.

A Semana Imperatrizense de Teatro, em que foram apresentadas peças e poemas, crônicas que representavam a beleza de Imperatriz, foi se dissolvendo. “Nós vivemos a melhor era do teatro, a Semana Imperatrizense de Teatro ilustrava isso. Melhores peças do Nordeste aqui no teatro, que trazia muita informação, muita cultura e hoje nada disso existe”, lamenta Rogério.

Teatro em ruínas: A reforma terá duas etapas para poder ficar completo

A Assarti (Associação Artística de Imperatriz) é encarregada de dar suporte aos artistas. Porém, com a desvalorização e a falta de incentivo financeiro, não consegue dar conta de todos os problemas enfrentados por pessoas que trabalham com arte e que dela vivem. Com o atual cenário, é impossível viver de teatro em Imperatriz. “De forma alguma é possível viver de teatro, bem complicado. Quando se tratam de peças teatrais que precisam de custos, a Cia vive da bilheteria e nunca é suficiente para pagar os gastos”, reclama Benício.

Nice Rejane, atual diretora e produtora da Assarti, deixa explicito que é praticamente impossível haver evoluções mais profundas no teatro, como, por exemplo, uma ampliação. Atualmente o local tem espaço para apenas 176 pessoas. “Os planos para a reforma seriam a ampliação do teatro, com novos espaços. Porém, na primeira etapa não será possível, porque para fazer uma reforma dessa envergadura é preciso de pelo menos R$ 900 mil”, esclarece Nice.

Visto que a obra só recebeu 1/3 da verba inicialmente prevista via Cemar, com a Lei do Incentivo à Cultura, a ampliação ficará para segunda etapa. “A prefeitura e o Estado não custeiam nada do teatro. Já tentamos uma parceria com a prefeitura para pelo menos manutenção, limpeza, mas sem sucesso”.

É importante para Imperatriz o apoio à cultura e às artes, visto que essas expressões trazem grandes benefícios para todos como uma economia mais movimentada e turismo. “O teatro traz um universo diferente, ele traz pauta para as pessoas pensarem, para se divertirem, relaxarem. O teatro é isso, e a falta disso afasta as pessoas, os adolescentes, os adultos das artes cênicas”, defende Rogério Benício.