“Tentamos mudar o sofrimento do animal em situação de risco”: entrevista com a presidente da ONG de proteção aos animas de Estreito

Repórteres: Bruna Carvalho e Laurenice Alcantara

Fotos: Acervo pessoal da entrevistada

 

 

Casos de abandono e maus tratos de animais acontecem diariamente. Essa realidade leva várias pessoas a lutarem para que o cenário mude. A advogada Eriléia Márcia da Silva, uma das fundadoras e presidente do Grupo de Proteção aos Animais de Estreito-MA (GPAE), é uma delas.

A cidade de Estreito, que possui 42.527 habitantes, fica localizada no sul do Maranhão e faz divisa com o estado do Tocantins. Nela, o grupo atua de forma ativa desde 2015, recebendo inúmeras denuncias e solicitações de resgate diariamente.

A ong surgiu de um desejo de criança de Eriléia. Na vida adulta, ela e a amiga Simone Resende, também fundadora do grupo, saíram de Estreito para cursar faculdade em Imperatriz e, durante anos de curso, sempre encontravam o mesmo animal abandonado pelas ruas da cidade e as duas compravam comida para alimentá-lo. Quando retornaram para Estreito, as amigas se dedicaram ao trabalho voluntário e continuam até hoje.

O GPAE é uma organização privada, sem fins lucrativos, que atua na proteção e no cuidado de diversos animais que se encontram em situação de abandono e/ou maus tratos. O grupo que iniciou através da criação de um grupo no WhatsApp, atualmente conta com a participação de 70 voluntários que ajudam de várias formas.

Com a finalidade de arrecadar dinheiro para cobrir o tratamento dos animais resgatados, o grupo sempre realiza ações como rifas, bazar, cofrinho solidário, feiras gastronômicas e campanhas online. Além disso, recebe ajuda de padrinhos e madrinhas que acolhem temporariamente os animais resgatados, em suas casas.

Eriléia está à frente do grupo ocupando a presidência desde 2018, quando foi eleita através de uma assembleia pelos membros do grupo. Segundo a advogada, essa eleição acontece a cada três anos, a fim de definir uma nova diretoria e atualizar o estatuto da ong. Em 2020, Eriléia foi nomeada a presidente da Comissão de Defesa dos Animais da Subseção de Estreito.

Para a protetora, as pessoas deveriam valorizar mais o trabalho realizado pelo grupo, “arregaçar” as mangas e ajudar também na causa. “Falta as pessoas se conscientizarem de que o animal não é coisa, o animal precisa ser cuidado. Eles precisam da nossa ajuda. Eles não têm voz, quem tem que falar por eles somos nós”, afirmou.

Em entrevista, Eriléia Márcia fala sobre como funciona, quais as dificuldades e as alegrias do trabalho realizado pelo grupo e comenta sobre a importância da proteção aos animais no município de Estreito-MA.

 

 

Imperatriz Notícias: O GPAE completa esse ano 6 anos de atuação em prol dos animais em situação de rua e maus tratos. Como você classifica o trabalho feito pela ONG?

Eriléia Márcia da Silva: Classifico o trabalho do GPAE como um trabalho muito importante para o município. Não só em questão de resgatar os animais, em tirar animais de situações de risco. Mas existe uma situação bem além, que é também a saúde pública, porque se você tem um animal saudável certamente você está colaborando para a saúde pública. E eu classifico, também, como uma forma correta de se trabalhar. Inclusive, até acho que o município perde muito em não aproveitar isso da gente, porque é um trabalho totalmente voluntário que, infelizmente, o município não reconhece.

IN: No perfil do Instagram, vocês relatam que a organização está no vermelho, com algumas dívidas e vocês têm dificuldade em resgatar um animal devido às questões financeiras. Sabendo disso, existe um perfil de ferimentos graves ou menos graves para os animais resgatados?

EMS: Então, não existe esse perfil. O que existe hoje, o que a gente adotou até para nossa saúde psicológica em si: O resgate só é feito com a ajuda do solicitante. Por exemplo, uma pessoa nos liga falando de uma situação de risco de um animal, tá, nós temos obrigação de ir lá? Não temos. Como agora, estou aqui no meu escritório, estou trabalhando, mas as pessoas acham que você tem que sair do seu trabalho, deixar o que você tem de fazer, e ir lá resgatar o animal. , mas eu vou resgatar, eu vou levar para onde? Porque não temos clínica, não temos veterinário, não temos ajuda do poder público. Apesar do município ter veterinários, eles não ajudam. Aí, o quê que acontece? O resgate só é feito com a ajuda do solicitante. O solicitante vai nos ajudar financeiramente? Vai nos ajudar na divulgação, nos ajudar a pedir? Ótimo. Não? Aí, infelizmente a gente não tem como ajudar.

IN: Em média, quantos animais já foram resgatados?

EMS: Foram bastante. 2019, foi o ano que a gente mais realizou esse tipo de trabalho e eu acredito que tenha passado de 100 animais. Só castrados.

“Qualquer pessoa pode oferecer um lar temporário. Lar temporário é o local onde o animal vai ficar até ele ser adotado.”

IN: Além das publicações a respeito dos animais resgatados e disponíveis para a adoção, vocês orientam bastante sobre o processo de castração nas redes sociais. Qual é a importância desse procedimento?

EMS: Exatamente. A única forma de diminuir os animais das ruas, o abandono, o sofrimento deles é com a castração. Através do GPAE, eu acredito que tenha acontecido mais de 300 castrações ou aproximado, de fêmeas. Já pensou se essas fêmeas tivessem reproduzindo até hoje?

IN: Vocês já estão acostumados a lidar e resgatar animais em situações decadentes. Teve algum caso que marcou o grupo?

EMS: Eu poderia frisar um caso em especial que aconteceu, não sei se foi em 2019 ou 2018, que é o caso do Bob. O Bob foi abandonado lá na Cibrazem. Eu estava aqui no meu escritório quando mandaram uma foto dele. A pessoa que tirou a foto, levou comida, e ele estava lá na chuva com a pata toda dilacerada. Estava horrível! Eu lembro que deixei minhas coisas, peguei ele e levei para Imperatriz. Porque ele iria precisar passar por uma cirurgia ortopédica, teria que amputar a pata, levei ele pra lá e lá ele ficou internado por uns 3 meses e ele estava com a pele toda cheia de sarna, sem cabelo na pele, e ele ficou 100%. Então, o Bob foi  adotado por uma família de Tocantinópolis, e depois disso o Bob fez umas apresentações. Lá em Tocantinópolis, ele fez um trabalho na APAE, a família apresentou o Bob como um cachorrinho de três patas, mostrando o quanto é importante, aliás, o quanto ser diferente é normal, porque raramente alguém ia querer adotar um animal com 3 patas, e essa família adotou e tem até foto no Instagram que tem ele lá com os cadeirantes lá da APAE, um trabalho muito bonito que ele fez. E, assim, esse foi um caso que marcou muito a gente, porque foi uma situação que foi sofrida pra ele no início, só que hoje ele é feliz, ele tem uma família, ele pôde contar a historinha dele com um final feliz, né.

IN: Como você avalia o abandono ou maus-tratos de animais?

EMS: Infelizmente, a gente vivencia muitos casos de abandonos e maus tratos. Acredito que tem muita coisa que a gente nem saiba que existe. E, infelizmente, eu vejo que aqui no nosso município ainda existe muito isso, existe muita cabeça fechada ainda. Acho que falta um pouco de exemplo. Acho que as pessoas não sacaram que é crime. Que o abandono é crime, que maus-tratos é crime. Eles acham que não vão ser punidos. Então, as pessoas acabam fazendo o que não deveriam fazer, que é maltratar os animais e eu acho que o nosso município tá muito carente de serviços sociais nesse sentido.

IN: Para você, qual a importância da adoção?

EMS: A adoção é um sonho, viu! Porque você tira o animalzinho da rua, onde ele tá passando, sede, frio, medo. Você tira ele da rua e consegue um lar para ele. Nossa! Isso não tem preço.

IN: Como funciona o processo de adoção desses animais?

EMS: A gente não tem abrigo, né. Como é que a gente faz? Até nisso também a gente tem que ver quando vai resgatar um animal, porque a gente precisa tanto que as pessoas nos ajudem financeiramente como também com o lar temporário. E a adoção, como funciona? Se a gente pega um animal que talvez precise de algum tratamento, a gente cuida dele, e a gente entrega. Colocamos para adoção, aí a gente conversa com a pessoa, vê se realmente a pessoa vai cuidar do animal, se realmente ama, porque não adianta você tirar um animal de uma situação de risco e jogar em outra. Pode acontecer de dar errado? Pode, como acontece até com a Luísa Mel, não tem como garantir que vai ser 100% perfeita, a adoção, mas, assim, a gente tenta, pelo menos.

IN: Por não ter uma casa específica para o acolhimento desses animais, vocês do GPAE contam com a ajuda de pessoas que se habilitam para receber os animais em suas residências. Como funcionam os lares temporários?

EMS: Qualquer pessoa pode oferecer um lar temporário. Lar temporário é o local onde o animal vai ficar até ele ser adotado. Pode ser que o animal chegue num dia e seja adotado no outro, mas pode ser também que demore um mês. Encontrar os lares temporários é muito difícil. Antes do resgate, já vemos a possibilidade de um lar temporário. Ontem mesmo uma pessoa me pediu ajuda no Instagram de um cachorrinho filhote que foi abandonado na Rua da Areia, aí eu perguntei pra ela se teria como ela oferecer lar temporário pra ele, porque aí ela podendo a gente vai lá, faz a fotinha, já posta e colocamos para adoção.

IN: Existem gastos financeiros para auxiliar inicialmente no resgate dos animais. Sendo assim, como o grupo se mantém?

EMS: Na verdade, a gente realizava bazar, feirinhas gastronômicas, muito boas. Inclusive, a gente já levava animais para adoção. Ás vezes, a gente estava com algum animal e aí a gente organizava e levava. Foram ótimas nossas feirinhas; os bazares também sempre foram muito bons; rifas. Todo dinheiro arrecadado sempre foi para pagar contas em clínicas, que eram dos resgates que a gente fazia anteriormente. Hoje, nós só fazemos resgate com a ajuda do solicitante, aí a gente pede ajuda nas redes sociais, muitas vezes, também acontece da pessoa: “Ah eu posso ficar com ele, mas eu só não tenho… vocês só precisam ajudar financeiramente”, só que a gente fala que a gente não pode ajudar financeiramente, a gente pode pedir ajuda nas redes sociais e tentar arrecadar dinheiro para essa finalidade e assim a gente faz.