Por: Iago Vinícius
No auge de meus 20 anos, desmotivado e sem perspectiva de futuro, eu me afundava na solidão de casa e na monotonia da vida, sem estudar e nem trabalhar. Minha mãe vivia viajando para outros países atrás de melhores oportunidades de emprego e uma vida melhor para si e os filhos. Minha irmã, apesar de morarmos juntos, eu não a via muito, pois passava o dia trabalhando. No final de 2021, sem nunca ter trabalhado na vida, e após quatro anos sem estudar, consegui meu primeiro emprego em um hospital da minha cidade natal, Imperatriz.
No começo do ano seguinte, já no meu segundo emprego, finalmente conquistei uma vaga no curso de jornalismo da Universidade Federal do Maranhão. No entanto, no início foi difícil de me adaptar, pois essa não era a carreira que eu pretendia seguir. Antes disso, eu já tinha feito um ano e meio de Análise e desenvolvimento de sistema em uma faculdade particular, onde descobri minha real vocação e surgiu minha paixão pela área da tecnologia.
Depois de três períodos, comecei a me atrair pelo curso jornalístico. As reportagens, as entrevistas em campo e as vivências que fiz para os trabalhos das disciplinas proporcionaram experiências marcantes para minha trajetória acadêmica. Também vivi momentos difíceis pelos quais, até alguns anos atrás, minha timidez e o medo constante das coisas que a convivência com outras pessoas pudesse trazer me impediam de passar, mas que ajudaram a melhorar minha vida social.
Lembro-me de alguns momentos mais do que de outros, como o que vivi no segundo período, fazendo um trabalho sobre a zona azul para a disciplina de antropologia da professora Emilene Leite. Era uma manhã de um dia muito quente. Se fosse antes de começar o curso da faculdade eu nunca teria coragem de sair no sol quente para fazer qualquer coisa, mesmo que fosse para comprar comida para mim. Nesse dia eu tinha marcado de ir no núcleo comercial de minha cidade para entrevistar os agentes das zonas azuis responsáveis por multar os carros estacionados irregularmente nas faixas demarcadas por essas zonas.
Após várias tentativas de entrevistar alguns dos agentes em campo, percebi como era difícil ser jornalista. Pensei em desistir do tema e mudar para outro mais fácil e que exigisse menos caminhada sob um sol escaldante. Eu já tinha outros assuntos em mente que eu pudesse abordar no trabalho, como a feira de pescadores. Mas pensei melhor e decidi insistir no tema que já estava tratando. Ainda mais porque eu não tinha muito tempo para fazer o trabalho.
Foi só depois de uma hora percorrendo o calçadão, que consegui a minha primeira entrevista. A meta era entrevistar, pelo menos, seis agentes. Confesso que, de início, o medo de socializar, a vergonha extrema de conversar com outras pessoas e a timidez me dificultaram o trabalho e até me fizeram pensar em desistir, mas juntei tudo de coragem que eu tinha e prossegui com minha missão. Na primeira conversa travei, gaguejei, as palavras não saiam, a dicção falhava e não conseguia formular as perguntas corretamente mesmo com o roteiro pronto na cabeça. A cada entrevista comecei a perceber que os entrevistados tinham vergonha de serem entrevistados, assim como eu tinha de entrevistá-los. Isso me ajudou a ter mais firmeza em minhas falas e mais confiança ao conversar com as fontes.
Do mesmo jeito que em qualquer outra profissão, o jornalista também passa por dificuldades ao executar seu trabalho. Nesta ocasião, os agentes tinham medo de serem gravados por pensarem que poderiam ter problemas com a empresa para a qual trabalhavam. Por isso, alguns davam respostas rasas e outros preferiram não responder a algumas perguntas. Houve aqueles que optaram por não dar seus nomes. Teve um que não quis conversar comigo, mas me encaminhou para um dos agentes veteranos naquele emprego, que fazia faculdade e já tinha mais experiência em dar entrevistas. No fim, deu tudo certo. Consegui entregar um bom trabalho e receber uma ótima nota.
Outra ocasião aconteceu no terceiro período, quando estava fazendo uma reportagem de vivência para a disciplina optativa de jornalismo cultural, ministrada pelo professor Alexandre Maciel e sua esposa, a professora Yara Medeiros. O tema que escolhi para este trabalho foi um game card famoso no mundo todo, chamado Magic The Gathering. Minha fonte era um grupo pouco conhecido que jogava o jogo aqui em Imperatriz, que faziam jogatinas todos os dias. Antes de participar das jogatinas e fazer a vivência para a reportagem, conversei com o organizador dos encontros por WhatsApp, para combinarmos o melhor dia para eu participar de uma das jogatinas.
O primeiro encontro foi mais para conhecer melhor o grupo, aprender mais sobre o jogo e as regras, além do básico necessário para eu, como iniciante, saber como jogar. Logo nessa primeira jogatina já percebi algumas das dificuldades que eu iria enfrentar ao produzir o trabalho. A comunicação que tinham uns com os outros enquanto jogavam, que consistia em ler a descrição das ações e poderes das cartas, era uma dessas dificuldades. Descrições que, muitas vezes, não vinham traduzidas para o português. Então era comum encontrar cartas em inglês e em outros idiomas no meio dos decks. O que acabava por me confundir mais ainda ao tentar entender as ações que faziam.
As regras do jogo representavam outro fator que dificultava meu entendimento acerca do jogo. Não é por nada que o jogo é considerado um dos mais difíceis do mundo por causa de suas regras. E, por último, tinham as peculiaridades como tipos de cartas e dados, cores dos decks, modalidades de jogo. Cada um desses fatores constitui o perfil do jogador e influencia na maneira de jogar de cada um. Essas diferenças atrapalhavam meu entendimento.
No começo fiquei apenas vendo-os jogar e lendo as descrições dos cards, mas quanto mais o jogo progredia, mais dúvidas surgiam em minha mente e mais confuso eu ficava. Diante disso, decidi conversar com eles durante as partidas para obter respostas para as perguntas que se formavam em minha cabeça, contrariando a dica do professor de evitar falar com os jogadores enquanto estivessem jogando para não atrapalhá-los. Mesmo assim, no fim ficaram mais dúvidas do que certezas acerca do meu conhecimento sobre o jogo.
Depois desse encontro, fui colocado no grupo de WhatsApp onde o pessoal conversava, trocava cartas, negociava a compra de cards em conjunto e discutia o horário das reuniões. Lá eles também se comunicavam por uma linguagem que eu não conseguia entender, utilizando palavras que eu nunca havia ouvido e não sabia o significado. Fui atrás dos significados dessas palavras para poder entender melhor o que falavam nas mensagens. Ainda assim, era difícil, pois em toda conversa surgia uma palavra nova.
Já conhecendo um pouco do grupo e o que consegui sobre o jogo, parti para as entrevistas. Primeiro foi com o organizador dos encontros, por quem conheci o grupo. Eram 20 horas de uma sexta-feira, quando começamos a entrevista. Tinha acabado de chegar da faculdade e ele do trabalho, então estávamos cansados. A conversa perdurou até as 22 horas. Retomamos a entrevista pela manhã do dia seguinte, mas não durou muito tempo, pois o entrevistado tinha um compromisso com os amigos de jogatina. Depois não apareceu mais.
Até então, eu estava tentando segurar a barra de ter que trabalhar de madrugada e fazer a optativa para a qual eu produzia a reportagem de vivência pela manhã e ainda estudar à tarde. O sumiço de minha fonte foi o estopim para minha desistência da disciplina, ideia que eu já vinha considerando há algumas semanas. O professor tentou me convencer a não desistir, mas eu já estava decidido. A rotina pesada não estava apenas atrapalhando a produção da reportagem, mas, também, nas outras disciplinas e no emprego, além de diminuir o tempo de sono que eu tinha.
Minhas experiências como jornalista não foram só difíceis, também foram engraçadas e divertidas. Todas contribuíram para melhorar minha vida social e aprimorar minhas habilidades de escrita e de escuta. Foi por todas essas vivências que hoje me tornei alguém mais sociável e aprendi a conversar mais com as pessoas com quem convivo diariamente.