Organizadora de Saraus, Samanta Matos comenta o movimento em Imperatriz

Texto e fotos de Talison Ferreira Fernandes

"Comecei a me interessar por sarau há mais de dez anos, e desde então isto faz parte da minha vida [...]”
“Comecei a me interessar por sarau há mais de dez anos, e desde então isto faz parte da minha vida […]”
Sarau é um evento realizado por um grupo de pessoas que se reúnem com o propósito de fazer atividades recreativas e literárias, como dançar, ouvir músicas, recitar poesias, conversar, ler livros, e demais atividades culturais, sendo uma das vertentes o sarau literário, que foca na declamação de poesias.

A professora Samanta Barreto Matos de Souza organiza saraus há cerca de dez anos, em praticamente todas as escolas por onde lecionou, sendo precursora do movimento na cidade de Imperatriz, atualmente realiza em média dois saraus por ano, já produziu cerca de 15 ao total durante sua carreira, decidiu realizar saraus por ter tido influência em algumas viagens feitas para São Paulo, onde o movimento já era bem consolidado, vendo que objetivava a impulsão à leitura e disseminação de artes, se interessou pelo movimento literário. Possui um livro publicado sobre poesias, e está trabalhando na realização de dois novos livros também do gênero de poesias. Considera o movimento cultural sarau, parte de sua vida, por isso faz questão de divulga-lo de maneira ferrenha.

Samanta Matos defende a realização dos saraus como movimento artístico, e percebe que há pouco investimento por parte do poder público e privado, seja em divulgação ou ajuda para realização dos eventos, e acha que ele não tem o valor que é devido aqui na Região Tocantina. Tendo realizado vários saraus para um número considerável de pessoas, das quais eram turmas escolares de trinta a quarenta alunos, percebendo que as pessoas foram receptivas, tornou disso um hábito de ensino. Nos temas tratados faz questão de colocar em pautas centrais, as obras dos poetas maranhenses, como: Ferreira Gullar, Gonçalves Dias, Sousândrade, dentre outros.

Atualmente ela participa de eventos de sarau de forma itinerante e auxilia na coordenação do Sarau – Versos ao Vento, evento no qual expandiu o movimento na cidade, pois traz a multiculturalidade da região e foi realizado na beira rio, em espaço aberto, de maneira totalmente gratuita, pensando nas possibilidades de divulgação do mesmo e maior participação do público.

O sarau é um movimento onde as pessoas vão se reunir para fazer música, tocar um violão, proferir suas poesias e danças”.

O sarau é um movimento onde as pessoas vão se reunir para fazer música, tocar um violão, proferir suas poesias e danças”.
O sarau é um movimento onde as pessoas vão se reunir para fazer música, tocar um violão, proferir suas poesias e danças”.


Imperatriz Notícias: É perceptível o senso comum que há um número significativo de pessoas que não sabem o que significa um sarau e qual sua importância. Você pode nos esclarecer sobre o que se trata?

Samanta Matos: O sarau é um movimento onde as pessoas se reúnem para fazer música, tocar um violão, proferir suas poesias e danças. É um momento em que você pode escolher uma temática ou deixá-la livre, escolher autores sejam eles regionais ou nacionais, pois você estará ali para degustar a arte. Geralmente é realizado em escolas de Ensino Médio, e aos poucos está se propagando para fora das escolas, está se tornando um hábito corriqueiro entre as pessoas.


IN: Quando você começou a se interessar por sarau e como houve essa interação?

SM: Comecei a me interessar por sarau há mais de dez anos, e desde então isto faz parte da minha vida, porém quando eu comecei a lecionar, tornei disto um mecanismo, no qual foi o meio que encontrei para fazer com que os alunos se interessassem pelas obras que eram passadas para que eles lessem. Geralmente, são clássicos da literatura, seja poesia, seja prosa e isso meio que engessa a leitura, as vezes para o jovem não desperta tanto interesse, quando você pede para que ele faça uma cena a partir disso, para que ele musique ou escreva um poema a partir de uma temática, isso vai enriquecendo. Assim os alunos acabam conhecendo as obras e desperta a vontade para que leiam outros livros do mesmo autor, do mesmo período ou da mesma temática. Posso afirmar que o sarau é um fomentador de leitura e de cultura.


IN: Qual a representação deste movimento para a região tocantina?

SM: Na nossa região, apesar de não ser muito divulgado, os saraus acontecem até nos quintais das casas. Eu tenho um grupo de WhatsApp por meio do qual as pessoas se reúnem para ler poesia, tocar um violão, ainda que esporadicamente, então é uma coisa que talvez não tenha tido a repercussão que ele merece. O sarau é popularmente conhecido como evento, pois onde tem sarau, ali está sendo um local de evento, como o primeiro que fizemos ali na Beira Rio, no primeiro final semana de maio. Foi um evento que atraiu muita gente, apesar de termos tido um tempo estreito de divulgação, de apenas duas semanas, e muitas pessoas confirmaram presença no interesse de conhecer. Muita gente curtiu e fala: “eu gostaria muito de participar, deixa para a próxima quando eu tiver mais coragem”. E eu acho que iremos conseguir criar um hábito bacana com isso porque, para tudo tem que haver um começo!


IN: O movimento do sarau, ainda hoje sofre alguns preconceitos, pois costumam falar que é coisa de hippie e de desocupados. Em nossa cidade existe este tipo de preconceito?

SM: O preconceito eu acho que a gente sofre, não é só na nossa cidade, não é apenas na nossa região. A gente ainda tem um país que fomenta pouco a cultura, por conta disso há um desvalor de diversos setores, mas a arte em si sempre foi muito recriminada e discriminada. Por exemplo, as pessoas que são músicos e atores escutam muito: “Você é músico e trabalha de quê? Você é ator e ganha dinheiro do quê? ”. A arte é um trabalho, isso sempre aconteceu, os grandes nomes já passaram por isso e vai acontecer em todos os setores, mas ainda é uma visão equivocada que se reproduz, que aos poucos estamos conseguindo quebrar, então insisto em dizer que é necessário que haja incentivo e acesso, para que este estigma de que artista não tem trabalho, fique no passado. É difícil viver de arte no Brasil, é muito difícil.


IN: Você como organizadora assídua desta atividade cultural, já sofreu algum tipo de impasse para realizar algum evento relacionado ao sarau?

SM: Olha eu nunca sofri, porque justamente eu comecei fazendo dentro das escolas onde eu passei. Iniciando na escola privada que foi a primeira instituição que eu trabalhei como professora, e isso era muito elogiado pelos pais, porque pela primeira vez, muitos daqueles alunos tinham pisado no teatro e tido esse contato com a poesia, música, danças, que são danças mais direcionadas para o trabalho que a gente desenvolvia, cada ano tendo sua temática. Quando eu fui para as escolas públicas, continuei levando, teve a mesma avaliação positiva, inclusive no primeiro momento os alunos são relutantes, eles têm o receio de apresentar em público. E depois, por exemplo, eu tenho alunos de três a cinco anos atrás que agora as memórias do Facebook vêm, eles estão lá me marcando “olha Samanta o sarau, vamos fazer de novo, quando tiver me convida”. Então é muito bacana você ver que desperta nas pessoas interesses que elas ainda não tinham por não ter acesso.

IN: No Brasil, possuímos a lei nº 8.313, conhecida como Lei Rouanet, que incentiva a cultura em território nacional. Podemos perceber que este movimento ainda é muito restrito a escolas ou espaços privados. Há algum tipo de incentivo ou fomento por parte do poder público para realização de eventos relacionado ao sarau?

SM: Olha, há incentivos e editais abertos, só que eu digo que a gente não tem muito acesso, as vezes quando ficamos sabendo, o edital já fechou, então eu poderia dizer que deveriam veicular melhor estas informações. Na nossa cidade, eu vejo a Fundação Cultural com um trabalho muito tímido, você vê quadrilha, carnaval e uma meia dúzia de outros trabalhos. No entanto não se vê uma exposição de arte, temos bons artistas plásticos na cidade ou por exemplo, a realização de um sarau que reúna os escritores, porque os imortais ficam ali na academia, fazem o movimento deles. Eu vejo que é tudo muito centrado ali e às vezes quando você procura um livro do “imortal” na livraria para adquirir, porém não encontra.


IN: Você acha que a dança, pintura, fazer poesia, expor suas artes é coisa pra ricos?

SM: Isto já foi bastante modificado, apesar das artes se concentrarem nas mãos dos mais ricos. Foram décadas e décadas nesta trajetória, hoje é possível ver um grafite e poder admirar como forma de arte. Mas você vê também que o sarau hoje pode ser realizado em lugares abertos, hoje a arte chega sim a todas as classes sociais e esferas.


IN: Os homens sempre tiveram uma barreira acerca de movimentos de dança, já que a sociedade liga isso à falta de masculinidade, isso mudou ou não?

SM: [Risos]. Mas a arte sempre teve muito de discriminação, apesar de que os homens dominaram durante muito tempo o campo das artes, ainda sofre um certo preconceito, porque a gente vive em uma sociedade machista e misógina, onde qualquer ponto diferente ou que o outro não goste, automaticamente condenam aquilo, e ligam por exemplo a:  homossexualidade. A dança é uma das mais belas expressões de arte e os homens estão sim vencendo esta barreira, inclusive temos bailarinos daqui de Imperatriz que estão se apresentando fora, tem o bailarino da cidade de Açailândia que foi campeão da Dança dos Famosos, juntamente com a Viviane Araújo, no Programa do Faustão. A frequência dos homens no meio das artes está aumentando e é preciso perceber que você expressar alguma coisa, não diminui em nenhum aspecto a sua masculinidade.


IN: Qual o tipo de público que mais se interessa em participar desses movimentos culturais?

SM: Como já havia dito, os primeiros saraus que eu produzi foram nas escolas. O primeiro aberto ao público em geral no qual eu auxiliei na coordenação aconteceu na Beira Rio. O que eu percebo é que de um modo geral, é que fazendo analogia à outros eventos musicais, como Salimp ou Feira do Livro é que podemos ver todas as classe sociais, é possível ver o interesse de empresários, vendedores, professores, estudantes ou crianças, quando é aberto para o público infantil. As pessoas costumam falar: “É muito difícil fazer teatro, demanda tempo, exige gastos”. Porém, é perceptível que a aceitação na cidade é bastante positiva, toda vez que tem alguma apresentação no teatro, se esgota todas as sessões. As pessoas ficam em casa vendo TV, fazendo qualquer atividade ou nenhuma, por não ter movimentos culturais, não ter os saraus, os festivais.


IN: Em Imperatriz há uma diversidade religiosa ampla, como as religiões poderiam trabalhar a questão do sarau em suas realidades?

SM: Podem, não é profano [Risos]. Apesar de que desde as festas de baco, até a cervejinha que tomamos no quintal, bastante coisa pode ser condenada. Os saraus podem ser feitos em qualquer lugar, seja na rua, teatro, universidade e porque não nos espaços religiosos. São lugares que precisam ocupar como espaços válidos para trabalharem todo tipo de arte.