O Vampiro de Imperatriz: Entrevista com o professor Marcos Fábio Belo Matos

"Sou um homem de poucos sonhos, porque quase tudo já consegui na minha vida"
“Sou um homem de poucos sonhos, porque quase tudo já consegui na minha vida”

Texto e fotos de Juliana Eugênio

Fã de Dalton Trevisan, o Vampiro de Curitiba, e dono de uma narrativa tão instigante e sarcástica quanto o curitibano, Marcos Fábio Belo Matos, ou simplesmente professor Marcos Fábio, como é conhecido, é um bacabalense, jornalista, licenciado em letras pela Universidade Federal do Maranhão  – UFMA, da qual é professor até hoje. Ele é apaixonado por contos e se define “um narrador por natureza”.

Marcos foi um dos professores organizadores de curso de comunicação social/jornalismo na UFMA Campus Imperatriz – MA há exatos dez anos e planeja o lançamento de mais um livro durante as comemorações de aniversário do curso.

Autor de seis livros individuais e coautor de dez literários e outros oito acadêmicos, ele já se tornou uma referência em literatura no Maranhão, o que inclusive lhe rendeu uma cadeira na Academia Imperatrizense de Letras no início deste ano.

Apesar de ser doutor em Comunicação e Cultura, ter todos esses livros publicados, Marcos Fábio é uma pessoa profundamente simples: um homem de meia idade, estatura mediana, com uma cicatriz no nariz decorrente de uma vitória sobre um câncer, e, por trás dos óculos de grau, um brilho vivo nos olhos que deixa a sensação de que há sempre mais para ser dito. Nosso encontro se deu em um final de tarde debaixo de uma mangueira em uma praça da cidade, logo depois de Marcos ter mediado uma mesa de debates sobre alfabetização e letramento. “ Há sempre uma coisa nova pra aprender nesses eventos”,  ele dizia enquanto procurávamos um lugar tranquilo para conversar.

Imperatriz Notícias: Professor Marcos, você é jornalista, é escritor e nas suas obras você permeia por diversos gêneros de escrita, desde o ensaio até o conto e a poesia. Mas em qual desses gêneros você se sente mais a vontade?

Professor Marcos Fábio: No conto. Na verdade, de todos os livros que tenho, os que me deram mais prazer de fazer foram os de conto, eu me realizo fazendo conto. Os outros gêneros de texto com os quais trabalho muitos são textos funcionais, são textos de trabalho. Mas nenhum desses me dá tanta satisfação de fazer, de publicar, de construir uma prática literária como no conto.

I N : Há algum motivo específico para essa predileção pelo conto?

M F :  Eu acho que no conto consigo contar aquelas  histórias que  gostaria de contar, consigo resolver aquelas questões que são muito particulares. Eu costumo dizer que o conto é o meu divã de analista, então como eu não vou fazer terapia escrevo contos. No conto consigo dar vazão a uma série de coisas, ser várias pessoas, protestar contra determinadas coisas e dizer coisas sem necessariamente ‘estar dizendo’ porque eu estou no terreno da ficção.

"Eu me defino como um cara que escolheu como forma de vida a simplicidade"
“Eu me defino como um cara que escolheu como forma de vida a simplicidade”

IN: Até onde o ethos  jornalístico influencia no seu modo de escrever e no seu trabalho de maneira geral?

MF: Bem, eu escrevo desde os 12 anos. Recentemente a minha irmã encontrou uma peça de teatro que eu fiz aos 12 anos, então aquilo ali pra mim é a certidão de nascimento do meu trabalho como escritor. E Ultimamente estava dando uma olhadinha na minha forma de escrever e  percebi que depois que entrei no jornalismo, a forma de escrever mudou, ficou muito mais objetiva, mais direta… Que é uma característica da estrutura né… Do texto jornalístico. Acho que o jornalismo me ajuda nisso, e me ajudou a ter uma visão muito mais clara da sociedade, das pessoas, do que a gente percebe todos os dias… De certa forma eu levo um pouco disso na minha vida como escritor… Tanto na parte acadêmica quanto na mais literária.

IN: Qual é o escritor que te inspira?

MF: Bom, eu leio há muitos anos Machado de Assis, pra mim ele é um cara genial. Mas não só ele, tenho um contista de predileção chamado Dalton Trevisan, que é um autor curitibano que tem contos maravilhosos.  Tento sempre que posso seguir um pouco da linha do Dalton, mas o Dalton é inimitável. Tem também outro autor carioca chamado Rubens Fonseca, que é contista. Eu sempre procurando coisas novas, mas não sei se você percebeu, mas meus maiores influenciadores são contistas.

IN: Qual dos 18 livros de sua autoria e coautoria deu mais prazer em escrever e publicar?

MF: O livro que eu tenho mais predileção é um livrinho que eu lancei em 2005, chamado “Cotidiano Cinza”, que é um livro de conto, são 33 contos. Porque ele na verdade define a minha lógica de escrever e eu venho percebendo que o Cotidiano Cinza traz essa característica mais ácida que, inclusive, retomo em “Contos Cáusticos” (2016) . Mas o “Cotidiano Cinza” pra mim foi a base, foi ele que me despertou pra: “Ah, eu escrevo assim.” “Ah, eu escrevo dessa forma”… Ele foi o embrião. Tanto é que eu o relancei como E – book, agora em 2013, porque o impresso não tinha mais.

IN: Pelo seu acesso como professor e por ter seu material conhecido no meio acadêmico e literário, seus livros se ‘auto- divulgam’, porque já se sabe o que esperar de uma obra escrita por você. Mas e o primeiro? Como que foi começar?

MF: Eu lancei em 1990, tinha 18 anos de idade e o livro foi todo artesanal, era um livro de poemas. Inexplicavelmente depois que lancei esse livro não quis mais publicar poemas, porque não sou um poeta. C como diz um colega meu,  eu sou um narrador, trabalho com narração. Esse livro foi todo artesanal, fiz ele todo na máquina de escrever, datilografei o livro inteiro, um amigo meu trabalhava numa Xerox montou o livro, outro fez a capa. Eu tirei cem  exemplares  para vendagem, depois tirei mais cem… Mas me deu muito prazer em fazer, o livro se chamava “Anonimato”, porque ninguém me conhecia… E foi assim que eu comecei. Sete anos depois eu lanço o segundo livro, aí já por uma gráfica, que foi o meu primeiro livro de contos, chamado “O Homem que derreteu”. Mas o primeiro foi assim. Literalmente um livro feito à mão.

IN: Como é pra você, depois de todos esses livros e da sua trajetória como acadêmico, se tornar imortal da Academia imperatrizense de Letras, visto que Imperatriz é uma cidade que lhe acolheu em 2006 e em pouco tempo você se tornou imortal?

MF: Pra mim é muito simbólico ter sido aceito na Academia ao fazer dez anos de Imperatriz, porque eu acho que dez anos fecham um ciclo. Pra mim fechou um ciclo muito legal, um ciclo como intelectual, um ciclo como pessoa inserida na cidade, um ciclo como reconhecimento do meu trabalho como autor. Eu disse no texto para me inscrever na Academia que  sou um homem de poucos sonhos, porque quase tudo  já consegui na minha vida, mas eu ainda tinha um sonho que era pertencer à Academia, pelo que ela representa para Imperatriz. A Academia é uma entidade de maior respeitabilidade na cidade, os acadêmicos daqui têm uma produção, tem uma inserção, eu tinha muita vontade de pertencer a esse grupo.  Desde 2002 sou membro fundador da Academia Bacabalense de letras, então pra mim o que já era uma honra ficou muito maior.

IN: Quem é Marcos Fábio hoje? Você afirma ser um homem de poucos sonhos, mas qual é o próximo sonho de Marcos Fábio?

MF: Eu me defino como um cara que escolheu como forma de vida a simplicidade. Eu gosto de ser assim, acho que a vida que a gente tem é muito frágil para se ter qualquer tipo de pernosticismo. Eu não me incomodo de dividir as coisas com outras pessoas ,isso inclui meus alunos, vizinhos, meus colegas, gente que está perto e até os que não estão.

Sobre o que vem pela frente, eu tenho alguns projetos pessoais, escrevi recentemente uma novela, quando eu estava em São Paulo em tratamento e foi uma coisa que me deu muito prazer, porque eu sempre achei que eu não tinha competência para escrever uma narrativa maior que o conto e aí acabou sendo uma narrativa de setenta páginas em formato de livro; se  publicá –la vai ser para mim um desafio, vai ser um degrau a mais na minha trajetória como autor, por que eu vou mostrar para as pessoas que eu posso ir mais além do conto.

IN: Você construiu uma carreira invejável. Há algo de que você se arrependa?

MF: Na verdade, apesar de ter publicado muito no terreno da literatura, eu me sinto um autor frustrado. Vou te explicar o porquê: Eu não tomei quando era mais jovem a decisão de me dedicar à literatura, assim como outros colegas fizeram. Eu me dediquei à vida acadêmica. E isso pra mim tem um peso, tem um ressentimento meu porque eu acho que se eu tivesse me dedicado à literatura com tanto afinco como me dediquei a fazer mestrado, doutorado, pós – doutorado e etc e tal, eu talvez tivesse uma carreira na literatura um pouco mais reconhecida. E por reconhecida digo nacionalmente mesmo, eu acho que eu teria saído mais daqui, uma vez eu conheci  um editor em São Paulo e ele me disse “Cara o teu texto está no nível dos textos dos caras daqui, mas eles saíram. E você não.” E eu fiz essa opção, mas eu acho que agora, depois de uma trajetória um pouco mais sedimentada, eu posso começar a pensar em uma carreira um pouco mais autoral. Tem vários autores hoje que vieram da academia, um exemplo é Cristovão Tezza, Milton Hatoum… Aliás, Milton Hatoum deu tão certo que deixou de ser professor na Federal do Amazonas pra se dedicar só à literatura. Hoje ele vive disso.

IN: E para encerrar, essa é outra questão: Dá para viver de literatura no Brasil?

MF: Se você fizer uma carreira e acertar nela, talvez.. Mas tem outros que não precisam sair do ambiente da academia, porque o ambiente te permite isso. Eu posso muito bem ter uma carreira paralela como autor de conto ou de qualquer outro gênero de literatura, entendeu? Mas eu tenho uma visão muito clara sobre isso, não aconteceu comigo porque eu não tomo a literatura como trabalho; eu a tomo como terapia. Eu trabalho na Universidade Federal do Maranhão e nas horas vagas, nas horas que eu quero, nas horas que me dá inspiração, ou que eu estou triste, eu escrevo um poema, um conto e etc, ou seja, eu não profissionalizei esse veio. Então talvez esse seja um grande projeto meu para o futuro, aliás, esse ano eu consegui publicar dois livros por duas editoras de nome nacional. Então assim… É um caminho né? É um caminho que a gente tá vendo como faz ainda.