O trabalho infantil traz prejuízo emocional e problemas de aprendizagem para a criança, aponta a psicóloga Cíntia Viegas

Coletiva com Cintia2

O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura o direito à vida, saúde, educação, lazer e liberdade, porém, o trabalho infantil, crime previsto pelo artigo 7º da Constituição, ainda é comum em Imperatriz. Mesmo com a redução das denúncias, os números continuam preocupantes. De acordo com os dados do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil do município (PETI), a quantidade de casos foi reduzida de 715, em 2015, para 300 no ano passado.

 A psicóloga Cíntia Vale Lima Viegas, especialista em Neuropsicopedagogia Institucional e em Psicologia Escolar, explica que o trabalho infantil diferente do trabalho pedagógico, quando a criança, em casa, é estimulada a ajudar, por exemplo a arrumar uma cama ou organizar um quarto. A profissional afirma que o trabalho infantil se efetiva quando uma criança é obrigada a assumir um regime de trabalho de um adulto. Essa situação, conforme a psicóloga, acarretará prejuízos ao desenvolvimento emocional e social da criança e vai gerar diminuição da autoestima, maior agressividade, danos à saúde física e problemas socioeconômicos, como o subemprego na fase adulta.

 Quais os impactos que o trabalho infantil pode causar em relação ao desenvolvimento psicológico da criança? 

Cíntia Lima Vale Viegas – Temos que ter duas definições do que é trabalho infantil. O primeiro é o pedagógico, aquele desenvolvido pelos pais na educação dos filhos:  ensinar a se vestir, ensinar a cuidar dos seus objetos e ensinar a fazer alguma atividade que os pais fazem – seja de desenho, música, teatro, cultura ou na área artística. É o chamado trabalho educativo, que é diferente do trabalho infantil que consta na legislação. A criança não deve ter o trabalho infantil que a lei rege – e que é relacionado à diminuição ou a não sustentação do desenvolvimento da infância. O trabalho pedagógico é um trabalho de ensino da criança e isso auxilia na construção do seu eu, da sua identidade, da sociabilização, da autoestima. O trabalho infantil é o que obriga a criança a sair da questão do desenvolvimento na busca de uma renda familiar maior, obrigando a criança a desenvolver trabalhos do adulto –  para o qual ela não tem estrutura física, emocional e psíquica. Aí entram prejuízos na saúde física: a criança carrega peso acima do necessário, então prejudica a coluna, causa lesão por esforço repetitivo, a  LER. E prejuízos emocionais: a criança diminui a autoestima, não acredita que tem potencial, porque sempre está com a frustração do trabalho.

É por isso que o trabalho de crianças no meio artístico ou em algum tipo de esporte não é considerado um tipo de trabalho infantil?  

Cíntia Lima Vale Viegas – Hoje já existe um olhar social, inclusive do Ministério Público, da sociedade, da própria Psicologia, para verificar se essas crianças que são expostas à mídia, que desenvolvem trabalhos artísticos e culturais, estão sendo expostas a atrasos escolares, à dificuldade de socialização, à perda da identidade social ou a questão do convívio familiar. Já há um olhar para isso. Mas esse prejuízo é menor ainda que o trabalho na agricultura, que tem um índice maior de crianças.

O que uma criança ou adolescente perde ao trabalhar precocemente? 

Cíntia Lima Vale Viegas – Os primeiros prejuízos são os físicos. Um trabalho, por exemplo, na agricultura, onde os instrumentos são para adultos, a criança tem que pôr o dobro de força, ela [a criança] só tem 40% de força muscular, isso a prejudica. A sobrecarga prejudica o crescimento ósseo, a postura; causa doenças como a lesão por esforço repetitivo; perda de membros, porque usam instrumentos cortantes fora do período adequado. Até porque uma criança não tem um nível de construção cognitiva para identificar o perigo, então se ela tem curiosidade para conhecer e um adulto trabalha com aquilo, ela está exposta a um risco que não teria se não estivesse lá. Além prejuízos emocionais: autoestima prejudicada, há prejuízos escolares gravíssimos, que geram atraso no desenvolvimento da escola e isso atrasa o cognitivo (memória, atenção, linguagem, autoestima, identidade). Todos esses prejuízos acarretam a evasão escolar, então ela [a criança] começa a achar que o trabalho digno para ela deve ser um subemprego, onde o salário deve ser menor, o mínimo para ela subsistir.

Quais sinais podem ser percebidos na sala de aula em uma criança que tem uma rotina de trabalho?  

Cíntia Lima Vale Viegas – Existe hoje um índice de 1,3 milhões de crianças que estudam e trabalham. Então você verifica o excesso de cansaço em sala de aula, desatenção, dificuldade de se concentrar, dificuldade de postura, sono excessivo, emagrecimento precoce, má postura e algumas crianças desenvolvem uma irritabilidade excessiva por causa desse estresse físico e emocional ao qual ela é submetida.

Quais as consequências futuras para uma criança ou adolescente que trabalha? 

Cíntia Lima Vale Viegas – A erradicação do trabalho infantil promove o acesso à cultura, ao lazer, à educação e à saúde, que é um direito delas. Quando a criança não está nesses ambientes, o prejuízo delas no futuro é muito maior: o subemprego, a questão da moradia (são um quadro de risco as moradias de rua), não conseguem um emprego fixo ou só conseguem empregos onde elas são submetidas a trabalhos indignos.
Vemos alguns casos de pais que levam os filhos para feiras livres, ou seus respectivos locais de trabalho, para acompanhá-los ou ajudá-los. Isso também é prejudicial?

 Cíntia Lima Vale Viegas – Tem crianças que vão para o trabalho dos pais, mas não para trabalhar: elas ficam com os pais, por falta de creche, por falta de condições da família de pagar uma pessoa para ficar com elas. É considerado crime quando a criança, obrigatoriamente, tem que trabalhar. Quando ela vai com esse objetivo, é uma questão a se verificar: orientar os pais, verificar em que condições socioeconômicas elas estão, se ela tem acesso à escola. Porque quando a criança está numa feira livre, por exemplo, ajudando os pais e os pais colocam como ajuda porque, querendo ou não, existem famílias que crianças mantêm 25% da renda, a gente tem que ter o cuidado de não estar colocando a criança em risco. Se ela está perdendo aula para ajudar no trabalho dos pais, aí é considerado trabalho infantil. O que se tem hoje de estrutura de fiscalização ainda é pequeno, eu vejo assim. Mas, ao mesmo tempo, tem estudos fantásticos hoje trabalhando em cima dessa proposta de erradicação, dando mais condições à criança e ao adolescente de estar construindo um futuro melhor para si, dentro daquilo que é saudável.

E quanto ao trabalho doméstico infantil, quais são as consequências? 

Cíntia Lima Vale Viegas – É prejudicial. Quando a criança está em casa, se ela está auxiliando na brincadeira, nos jogos, no lúdico, é uma coisa. Orientar a criança a arrumar o quarto, por exemplo, não é trabalho infantil: ela está aprendendo a se cuidar. É diferente de uma criança ser obrigada a limpar a casa, cuidar dos outros filhos, fazer a comida, para auxiliar os pais. É prejudicial da mesma forma que o trabalho infantil, porque ela está sendo impedida de brincar.

Qual a diferença no comportamento social de uma criança que trabalha e uma criança que não trabalha? 

Cíntia Lima Vale Viegas –. A criança explorada não vê isso, mas, posteriormente, ela tem um prejuízo emocional muito grande de carência afetiva, de dificuldades na aprendizagem, porque o lúdico também auxilia no processo do aprender. Terá algumas dificuldades relacionais, com níveis de agressividade e dificuldade de relacionamento na família posteriormente.

 

Equipe organizadora da coletiva: Fernanda Pillar, Giuliana Piancó e Mayra Mariana

*O evento contou com a participação dos estudantes da disciplina Técnicas de Reportagem (2016.2), do Curso de Jornalismo da UFMA Imperatriz.