“O aluno que lê um livro por mês já pode ser considerado um leitor assíduo”: entrevista com a linguista Orleane de Santana

Texto e fotos de Lucas Milhomem da Silva

 

Residente há 25 anos em Imperatriz, doutora em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Orleane Evangelhista de Santana, certamente tem muito o que contar sobre os desafios da leitura na educação brasileira. Conhecida como professora de Português e Redação de cursinhos pré-vestibulares de Imperatriz, a profissional é natural de São João dos Patos, cidade localizada a cerca de 430 quilômetros de Imperatriz. Ela conta que se apaixonou pela Língua Portuguesa devido a admiração que tinha por uma ex-professora, o que foi o pontapé para que ingressasse no curso de Letras da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) em 1993 e viesse, posteriormente, a ser professora da universidade em 1998, cargo que exerce até hoje.

Formada também em Direito e especializada na área de Didática e Produção Textual, a atual gestora da Unidade Regional de Educação (URE) conta quais são os maiores desafios do incentivo à leitura em um contexto de popularização das mídias digitais e porque é importante que os jovens de hoje adquiram o hábito de buscarem o conhecimento através da variedade literária encontrada nos meios de comunicação. “Todas as leituras são válidas, o que não é permitido é a falta da leitura”, afirma ela.

Dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2016, revelaram que o brasileiro lê apenas 4,96 livros por ano. Do total de livros lidos, apenas 2,43 foram terminados e 2,53 lidos em partes. Segundo um outro estudo realizado pela agência NOP World para medir “hábitos de mídia”, o Brasil se classificou na 27ª posição no ranking de leitura em uma relação de 30 países.

Confira a seguir a entrevista completa.

"A reforma (Ensino Médio) em si não vai fazer com que as práticas de leitura fiquem melhores ou piores"
“A reforma (Ensino Médio) em si não vai fazer com que as práticas de leitura fiquem melhores ou piores”

Imperatriz Notícias: Por que é importante ler?

Orleane Evangelhista: Através da leitura você adquire conhecimento, seja em que época for. Desde quando a escrita surgiu, embora hoje o próprio conceito de leitura tenha mudado. Hoje você lê um quadro, uma escultura; não precisa ter palavras impressas para que seja transmitida uma mensagem. Não podemos achar que leitura é só o verbal, o não-verbal também tem uma informação e isso é leitura. Até uma conversa de corredor entre dois conhecidos é um momento de leitura, de aprendizagem. Então ela sempre funcionou como sinônimo de conhecimento, libertando e transformando o homem. Com essa aprendizagem você aprende a se defender, a se comportar em diferentes momentos e, mais importante, você cresce dentro da sua área de trabalho e de estudo.

I.N: Em relação ao hábito da leitura, a tecnologia ajuda ou atrapalha?

O.E: A tecnologia não contribui, tampouco atrapalha, porque as respostas serão diferentes a depender do público a quem se direciona a pergunta. O jovem de hoje com certeza prefere o e-book ou audiobook, pois pertence a uma geração que está familiarizada com todo esse aparato tecnológico. Agora, uma pessoa da minha geração por mais que saiba utilizar as mídias digitais e reconheça sua praticidade irá preferir a versão impressa por uma questão de hábito. É a falta do gosto pela leitura que é o problema e não o suporte utilizado; quem não gosta de ler não vai preferir nenhuma das versões. Eu, Orleane, reconheço a importância da tecnologia, porém prefiro o livro físico ao digital. Já o jovem de hoje dificilmente troca a versão digital pela impressa, aquele que faz isso se torna uma exceção. As mídias digitais são mais práticas, mais fáceis, mais baratas e menos poluentes: isso são pontos positivos. Em contraponto, o acesso depende de uma internet que, de acordo com o espaço em que eu esteja, não funciona como eu gostaria. São divergências que se equilibram, como em uma balança.

I.N: Segundo estudo recente de uma agência britânica, a NOP World, a preferência nacional é ver televisão (18 horas e quinze minutos), ouvir rádio (17 horas semanais) e acessar internet (10 horas e trinta minutos semanais). Já a leitura se traduz, em média, a cinco horas semanais. Como a senhora avalia esse favoritismo no consumo midiático dos brasileiros?

O.E: Olha só, a TV e o rádio representam o audiovisual, que é muito mais sedutor que as letrinhas pequenas impressas. Vamos pensar na criança: o que mais vai lhe chamar a atenção – ler, por exemplo, o livro do Sítio do Pica-Pau Amarelo de Monteiro Lobato, impresso com as letras pequenas ou assistir sua versão em uma televisão de 50 polegadas, com tudo colorido em áudio e vídeo? Sem dúvidas, a última opção. Ela vai preferir assistir e ouvir ao invés de parar para ler aquela história. A própria Bíblia, no formato auditivo, é mais atrativa do que o livro impresso. A voz dos narradores, como Cid Moreira, atrai mais a atenção de quem deseja acompanhar seu conteúdo.

I.N: Segundo a mesma pesquisa citada anteriormente, o brasileiro dedica, em média, apenas 5 horas e doze minutos por semana para a leitura de livros. Por que o brasileiro lê tão pouco? Como essa problemática pode ser mudada?

O.E: Primeiro de tudo, é preciso que haja uma motivação quanto ao hábito da leitura. A escola tem uma parte da culpa porque ela não motiva o aluno a ler, ela impõe essa leitura. Passa um livro e o aluno tem que fazer a leitura para conseguir uma nota aprovativa. A família também não incentiva: os pais geram condições para obrigarem os filhos a lerem o que foi passado pela escola. Frases como “você só vai jogar seu videogame depois de fazer a tarefa da escola” induzem a criança ou adolescente a verem à leitura como uma punição e não como algo prazeroso. Então, a família juntamente com a escola tem culpa por não atuarem em conjunto, elas não orientam adequadamente e muitas vezes nem mesmo tem a dimensão de estarem fazendo algo errado. É um problema de base que, em primeiro plano, deveria ser corrigido pela escola.  Podemos observar que toda escola que tem um projeto de leitura apresenta um resultado favorável quanto a aprendizagem de seus alunos. É um grande desafio que família, escola e sociedade devem enfrentar juntas.

I.N: Dados do estudo Retratos da Leitura no Brasil revelaram que o brasileiro lê apenas 4,96 livros por ano. Para ela, é leitor quem leu, inteiro ou em partes, pelo menos 1 livro nos últimos 3 meses. Já o não leitor é aquele que declarou não ter lido nenhum livro nos últimos 3 meses, mesmo que tenha lido nos últimos 12 meses. Para a senhora, quantos livros uma pessoa precisa ler para ser considerada um leitor, por exemplo, no período de um ano?

O.E: Olha, o aluno que lê um livro por mês já pode ser considerado um leitor assíduo, levando em conta que há outras ocupações a serem feitas durante o dia. Em um ano serão doze livros, bem maior do que a média atual. Nos Estados Unidos, por exemplo, os alunos leem muito, em média um livro por semana. Já aqui no Brasil os alunos leem um livro por bimestre, quatro por ano, reclamam e na primeira oportunidade procuram um resumo na internet. Agora é importante ser levado em conta que as condições da educação são bem diferentes em um país e outro. Mas, no fim, o que importa mesmo é o gosto pela leitura. Se você tem essa preferência isso vai se incorporar na sua vida como um todo.

"O jovem de hoje com certeza prefere o e-book ou audiobook, pois pertence a uma geração que está familiarizada com todo esse aparato tecnológico"
“O jovem de hoje com certeza prefere o e-book ou audiobook, pois pertence a uma geração que está familiarizada com todo esse aparato tecnológico”

I.N: A nova reforma do Ensino Médio pode contribuir ou atrapalhar no incentivo à leitura dos alunos?

O.E: A reforma do Ensino Médio tem seus pontos positivos e negativos. O principal ponto que foi alterado é que agora o estudante vai poder focar em uma das cinco áreas adotadas pelo Ministério da Educação (MEC), que são as mesmas da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Mas isso não se relaciona diretamente às práticas de leitura. Tanto na grade anterior como na nova, o estudante vai ter que estudar e isso faz com que ele amplie suas práticas semanais de leitura. E isso só pode ocorrer a partir da busca pela informação. A reforma em si não vai fazer com que as práticas de leitura fiquem melhores ou piores. O estudante que gosta de ler vai ter que ler tanto antes, como daqui pra frente.

I.N: Qual comparação pode ser feita entre a literatura regional e o hábito de ler do imperatrizense?

O.E: Certamente, a produção literária em Imperatriz é bem rica. Nós temos inúmeros escritores maravilhosos, a Academia Imperatrizense de Letras é exemplo de instituição composta por pessoas muito talentosas, em especial tem uma ex-professora minha que eu admiro muito, a Telma Cerqueira. E tem muitas outras pessoas com potencial, como o doutor Augustinho. Então, tem muita produção, muitos livros, porém o imperatrizense e o próprio brasileiro em si não tem o gosto pela leitura bem desenvolvido, do jeito que deveria ser. É preciso intensificar essas práticas de leitura.

I.N: De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2015), a taxa de analfabetismo no Brasil caiu de 8,7% em 2012 para 8% em 2015. Apesar disso, o Nordeste ainda apresenta as maiores taxas, cerca de 16% da população não sabe ler nem escrever. No Maranhão e em Imperatriz, especificamente, como o analfabetismo é tratado atualmente?

O.E: A taxa de analfabetismo no Maranhão foi reduzida consideravelmente através de um programa do governo Flávio Dino chamado Sim, eu posso, que tem por objetivo alfabetizar pessoas idosas. Embora o programa ainda esteja em funcionamento, já apresenta resultados maravilhosos. Nós temos depoimentos de pessoas que não sabiam ler nem escrever e agora já sabem, ter esse retorno é muito bom para quem está diretamente envolvido com o projeto. Realmente, há esse incentivo do governo do Estado. Também, desde o ano passado nós oferecemos para os alunos da nossa rede um cursinho popular voltado aqueles que tem interesse em reforçar os conhecimentos adquiridos na escola. De modo geral, nosso principal interesse é que a educação avance pois essa é a razão do nosso trabalho. Agora, outro ponto que eu gostaria de citar é que existem muitas pessoas que não são analfabetas, no sentido literal da palavra, mas que sofrem de um analfabetismo funcional. Analfabeto funcional é aquele que reconhece a Língua Portuguesa, consegue articular as palavras, talvez até decifre o significado individual de cada uma, porém não consegue extrair dali uma mensagem. Ter um olhar crítico quanto a esse aspecto também é tão preocupante quanto reduzir as taxas de analfabetismo.