Números de assédio moral e sexual no trabalho preocupam e exigem reação imediata

Texto: Gabriel Novais e Jacqueline Nascimento

Foto: Arquivo pessoal (Gabriel Borba)

“Eu sempre digo que a pessoa LGBTQIA+ que for vítima de um crime ou discriminação, o primeiro a ser feito é reestabelecer a sua segurança”, aconselha Gabriel Borba, advogado, consultor jurídico e especialista em direitos humanos e direito penal. Uma vez estando seguro, segundo ele, é importante fazer a denúncia para a pessoa ou instância que possa resolver a situação. Elas podem ser uma delegacia ou o superior hierárquico, caso a violência ocorra no ambiente de trabalho. “Se possível, reunir as provas que confirmem o episódio vivenciado pela vítima pode auxiliar na responsabilização do agressor”, destaca.

A Coqual realizou uma pesquisa na qual foi constatado que 33% das empresas existentes no Brasil não contratariam pessoas LGBTQIA+ para cargos de chefia. Outra informação é que 41% dos funcionários desta comunidade afirmam já terem sofrido algum tipo de discriminação em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho. Já a consultoria Santo Caos, que organizou um estudo com 20 mil trabalhadores de todas as faixas etárias entre novembro de 2020 e abril de 2022, aponta que 65% dos profissionais LGBTQIA+ declaram terem sofrido discriminação no ambiente de trabalho, sendo que 28% já foram assediados.

Um funcionário que preferiu não se identificar relatou que quando trabalhava na área na área de vendas convivia com outras pessoas LGBT, mas era o mais novo dentre eles. “O supervisor da equipe que, inclusive, era casado e não era um dos mais fiéis também, hora ou outra me lançava umas piadas de teor sexual.  Dava de perceber que não eram apenas piadas”, denuncia.

Ele relata que esta situação era muito frequente, sendo que, por duas ocasiões, o supervisor chegou a pegar em suas nádegas. “Quando não vinha dele, vinha da parte dos clientes, ao ponto de eu perder várias vendas por recusar propostas de encontro. Já teve cliente que depois de eu fazer toda a simulação de crédito virava pra mim e dizia que até fecharia negócio comigo, mas eu teria que sair e ter relações sexuais com ele”.

Todas essas atitudes, quando comprovadas, também garantem à vítima reparação do dano moral, além de a empresa ser condenada ao pagamento de uma indenização. Isso acontece mesmo quando a situação envolve outro trabalhador, já que a empresa é responsável por seus funcionários.

O advogado Gabriel Borba explica que as pessoas da comunidade LGBTQIA+ possuem os mesmos direitos que qualquer outra, inclusive por força da Constituição Federal. “Todos podem se casar, adotar filhos ou realizar técnicas de reprodução assistida, herdar, receber pensão por morte do(a) companheiro(a), alterar o registro civil, trabalhar, dentre muitos outros direitos humanos e fundamentais”.

Advogado Gabriel Borba explica os direitos da população LGBTQIA+ garantidos na Constituição Federal

O advogado ressalta que existem diversas leis, jurisprudências e atos normativos neste sentido. Na Constituição Brasileira o inciso IV do art. 3º define como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil combater qualquer forma de discriminação. Em seguida, no art. 5º, inciso XLI, consta que a “lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

O advogado explica que o assédio moral pode ser entendido como toda conduta vexatória ambientada nos espaços de trabalho. Embora ele ocorra de forma mais comum a partir de um superior hierárquico, como explica Gabriel Borba, é possível que colegas de emprego também pratiquem esta conduta. “Vale ressaltar que para configurar assédio moral é necessário que ocorra de forma reiterada e prolongada, excedendo as cobranças normalmente esperadas”, frisa. Um exemplo de assédio moral seria o caso do chefe que diariamente constrange o empregado para atingir metas diárias impossíveis.

Por outro lado, o assédio sexual também acontece no ambiente de trabalho, conforme compara o advogado. Gabriel diz que segundo o Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 2019, ele foi causa de 4.786 processos. Ele explica que o crime pode acontecer por intimidação ou chantagem. O primeiro caso ocorre quando a “conduta de uma pessoa tornar o ambiente de trabalho hostil e desagradável”. Já o segundo, é quando um superior hierárquico se utiliza da sua condição para prejudicar ou favorecer “o(a) empregado(a) em troca de investida sexual”.

Uma discriminação que é pouca conhecida em relação à comunidade LGBTQIA+ no mercado de trabalho é a pré-contratual, que ocorre antes mesmo da pessoa começar a trabalhar no emprego, às vezes na própria entrevista.  Foi o que ocorreu com um garoto que não quis se identificar, que, ao comparecer à entrevista para o trabalho, teve uma surpresa desagradável. “Fui totalmente maltratado. A dona do restaurante desejava uma mulher atraente para trabalhar e eu, por ser homem e gay, não consegui a vaga”.

Gabriel ressalta que por outro lado, na esfera criminal, o Poder Legislativo brasileiro ainda não se preocupou em elaborar uma lei para punir a discriminação fundada na orientação sexual, identidade ou expressão de gênero. Deste modo, contamos apenas com as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2018, que equiparam os comportamentos homotransfóbicos à lei nº 7.716 de 1989, conhecida como Lei do Racismo.

Como advogado atuante na defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+, Gabriel Borba conta que, em mais de uma oportunidade, atuou em casos de assédio moral e sexual. “Em todos eles, a maior parte do meu trabalho consistia em mostrar para a vítima que sua orientação sexual, expressão ou identidade de gênero não justificava as atitudes do agressor”. Ele ressalta que muitos funcionários tentam dar o melhor no trabalho, mas muitas vezes ainda são alvo de piadas e comentários inapropriados que acabam deixando-o isolado. “Como não tem com quem compartilhar seu verdadeiro eu, isso pode acabar levando a quadros de ansiedade, medo de rejeição e depressão”.

Assédio a mulheres

As mulheres também estão expostas ao assédio moral e sexual no trabalho. A acadêmica do quarto período do curso de direito da  Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão (Unisulma),  Lady Kênnia Oliveira Lima, ressalta que esses casos  acontecem de forma direta e indireta, por meio de falas, ações e expressões. “São inúmeras as situações presenciadas no nosso dia a dia que geram constrangimento para várias mulheres no ambiente de trabalho causando desconforto da vítima”.

Segundo a jornalista Janaína Lopes de Amorim, autora da dissertação de mestrado “O corpo está no contrato? Estudo sobre as ocorrências de assédio sexual contra as mulheres jornalistas nas redações de Imperatriz”, o assédio é uma investida de cunho sexual que acontece contra a vontade da vítima. “A característica mais comum nesse caso é o constrangimento”. É importante destacar, segundo a pesquisadora, que a intenção do assediador nem sempre é de manter relações sexuais. A discriminação pode ocorrer em diversos ambientes,  seja ele local de trabalho ou não.

Em sua pesquisa, Janaína Amorim ouviu 19 jornalistas de TV, rádio e um portal de notícias e constatou que “o assédio faz parte da rotina das jornalistas e essa violência traz impactos tanto para a saúde das vítimas, quanto para as suas carreiras”. As profissionais relataram que, além de muitas vezes adoecerem após os episódios, chegam a “trocar de pautas evitar fontes e derrubar coberturas para evitar o contato com os assediadores”. Janaína descobriu, ainda, a partir das entrevistas, que “a maior parte dos assediadores são homens que ocupam cargos de chefia ou possuem alguma posição considerada de respaldo social”. Janaina Lopes acrescenta que “a empresa pode sim  ser considerada cúmplice do crime caso seja provado que houve denúncia e a empresa omitiu o ocorrido”.