“No século XXI mulheres ainda estão debatendo questões básicas, como serem respeitadas no ambiente de trabalho”, entrevista com pesquisadora Janaina Amorim

Por Dhara Inácio e Gabriel Novais

Primeira mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), campus Imperatriz, e atualmente cursando Doutorado em Comunicação, Cultura e Amazônia na UFPA, Janaina Amorim pesquisa o assédio que as mulheres sofrem no mercado de trabalho. Em sua dissertação, orientada pela professora doutora Thaísa Bueno, premiada em 2021 pela Fapema, em prêmio voltado para mulheres cientistas do Estado, ela detalha a violência de gênero sofrida por mulheres jornalistas da região em seus ambientes de trabalho.

A partir de sua vivência dentro do feminismo, ela reconheceu a necessidade de pesquisar e falar sobre esse fantasma que assombrou a vida dela e de diversas colegas de profissão, muitas que nem sabiam ainda dar nome a essa violência. Mesmo depois de ter concluído a pesquisa, Janaina lançou uma cartilha intitulada “O Corpo Está No Contrato? – Assédio sexual contra mulheres jornalistas nas redações de Imperatriz” durante a pandemia, a fim de conscientizar mulheres jornalistas fora do ambiente acadêmico, onde ela sentiu que a pesquisa ficou restringida.

Em entrevista ao Imperatriz Notícias, Janaina Amorim compartilhou suas percepções sobre a pesquisa que concluiu em 2021, agora vista com novos olhos em relação ao que teria feito de diferente em sua pesquisa e o que espera das futuras pesquisadoras da área.

 

IN: Você já sofreu assédio no ambiente de trabalho?

JA: Sim, inclusive durante a pesquisa. Mesmo o colega sabendo que eu pesquiso sobre o tema, e sabendo do meu posicionamento, eu fui assediada. Eu tinha defendido a dissertação e estava preparando o lançamento de uma cartilha – porque além da pesquisa eu fiquei preocupada sobre o assunto ficar restrito a academia e queria fazer algo além, quando eu estava organizando o lançamento eu recebi uma foto no meu WhatsApp de uma chefia.

Mulher nenhuma é imune de sofrer assédio, toda mulher pode ser vítima de assédio independente do cargo, da cor, da raça, de qualquer questão, porque o fato principal é ser mulher. Claro, tem os marcadores de raça, que é um fator, um marcador de diferenciação. Por exemplo, as mulheres pretas que sofrem assédio, normalmente os assediadores mencionam a questão da cor da pele, né? As mulheres mais novas também. Até as mulheres casadas, aparece esse marcador do estado civil.

Imperatriz Notícias: Quais foram os desafios que você teve que superar para fazer sua pesquisa de mestrado?

JA: Acho que a principal dificuldade mesmo foi tratar sobre gêneros sendo mulher, nordestina e de uma cidade interiorana. Pela temática em si é sempre desafiador, e ainda mais num contexto político, que a gente tem ainda essa questão da desvalorização da ciência, aí tem a falta de recursos também, porque apesar de ser bolsista, os valores da bolsa não cobrem, é um valor muito baixo. Então os desafios foram mais nesse sentido, digamos que “estruturais”, ideológicos, na sociedade que é muito conservadora quanto à questão, incentivo financeiro. Mas aí eu acredito que não se trata da minha pesquisa, é um desafio que qualquer cientista enfrenta.

IN: Qual é o assédio comum que as jornalistas sofrem?

JA: Quando eu comecei a fazer a pesquisa eu pensei em fazer [sobre] assédio moral e sexual. Aí já fui para o campo fazer entrevista, e logo de início me foi apontado que o assédio sexual era mais comum do que o moral e trazia mais danos para as mulheres. Dentro do assédio sexual é mais comum e praticado o assédio vertical, que é aquele praticado por chefias, e essas chefias são, em sua maioria, homens.

IN: Qual é o perfil de jornalistas que mais sofrem assédio em Imperatriz?

JA: Quando a mulher possuía hierarquia inferior, já era colocada ali como vítima do cara, porque os homens entendem que a mulher é subalterna. Outra coisa que eu percebi é que as mulheres no início da carreira relatam mais casos de assédio. Nos primeiros anos elas não têm uma carreira consolidada e não conseguem se impor justamente pelo medo de perder o emprego, então elas acabam silenciando [a si mesmas] diante do assédio.

IN: Depois de fazer essa pesquisa você acha que mudou a realidade para melhor ou pior?

JA: Acho que essa realidade aqui não muda assim nos próximos anos, a gente vai ter que encontrar mecanismo para combater isso. Mecanismos coletivos: o quê? Por que acontece? As mulheres reconhecem, elas sabem que o assédio existe, mas as ações delas são individuais. Elas reagem ali, mas não têm reações coletivas, e o assédio é um problema coletivo. Tem um relatório que mostra que é recorrente em várias outras cidades, tem uma moça que fez a pesquisa em Curitiba e o nome dela é Portela. O relatório apresenta uma realidade bem semelhante, então não é uma coisa exclusiva de Imperatriz, é um problema estrutural, um problema coletivo e, ainda assim, as respostas são individuais.

Então como é que muda essa realidade? Muda por enfrentamento coletivo, um problema coletivo pede um enfrentamento coletivo. Quais mecanismos seriam esses? Seria debate nas próprias empresas, sindicatos, criação de canais de denúncia para aquelas mulheres que se sintam mais à vontade para denunciar.

IN: Você se enxerga como uma mulher feminista?

JA: Eu me considero feminista, eu acho que não tem como nós, mulheres, pensarmos em um mundo com mais paridade e justiça, sem o feminismo. O movimento levanta essas bandeiras, de direito e de condições dignas, mesmo de existência para nós enquanto sujeitas mulheres.

IN: Você consegue imaginar alguma ação futura em relação à pesquisa ou acabou por aqui?

JA: A cartilha foi a ferramenta que eu encontrei de pegar esses dados e lançar para o mercado. Quando eu fiz a cartilha, mandei por e-mail para todos os jornalistas, então fiz esse disparo por e-mail e uma live de lançamento, porque como eu envio por e-mail as jornalistas eles têm acesso ao material e com a live eu consigo divulgar para fora da empresa. Eu tinha um plano de imprimir essa cartilha e deixar também na Câmara de Vereadores e Ministério Público, para endossar ainda mais. Só que veio o doutorado e aí não dei conta mais de fazer, mas quem sabe no futuro quando eu estiver aqui definitivamente em Imperatriz e terminar o doutorado não retomo esse projeto.

IN: Como foi que surgiu esse tema da sua pesquisa?

JA: Comecei a estagiar no terceiro período, então foi uma estrada bem longa ali no mercado e era muito comum nos bastidores a gente ouvir colegas relatando casos de assédio entre as amigas, mesmo sendo fora do ambiente profissional das empresas, tinha aquela rodinha de cerveja, sabe? Aquela situação mais descontraída ou mesmo entre uma pauta e outra, aquela coisa bem de corredores, e aí quando eu entrei no mestrado eu quis mudar de tema.

Eu fiquei pensando o que eu poderia pesquisar, então fui à internet e vi que não tinha muita produção acadêmica sobre o assédio e quase nada no estado do Maranhão.

Agora já tem mais trabalhos, foi em 2019 que eu comecei a pesquisa a gente já está em 2022, então eu já vejo outras pesquisas, mas na época não havia essa discussão num nível acadêmico e não havia também matéria sobre o assunto.

Tinha algumas movimentações tipo “deixa ela trabalhar”, aquela hashtag que surgiu depois que aquela jornalista foi assediada durante o trabalho. Era uma jornalista que cobria esporte e ela foi assediada na hora da entrevista, daí surgiu essa hashtag que deu repercussão.

 

IN: Por que discutir assédio no jornalismo?

JA: Nós mulheres merecemos um ambiente de trabalho justo para que a gente possa desenvolver a nossa atividade de forma digna. Além de todos esses transtornos que eu falei de cunho mais individual, ele afeta também a saúde das mulheres. Houve uma entrevistada que disse que, depois de casos sucessivos de assédio, ela teve que recorrer a tratamento psicológico, inclusive de medicação.

O assédio afeta a progressão da carreira das mulheres, muitas delas deixam de aceitar propostas de trabalho, para evitar contato com a fonte assediadora. Também afeta o interesse público, porque elas evitam o contato com as fontes, que também assediam. Dessa forma, a mulher pode deixar de ter acesso a alguma informação, alguma pauta. Isso prejudica o público que, consequentemente, deixa de ter acesso à informação que pode ser importante, a jornalista acaba levando um furo.

Então o assédio é uma violência que tem consequências muito graves e que, ainda assim, não são debatidas. Por isso para mim é um momento de felicidade, mas também de tristeza poder estar falando sobre o assunto, felicidade de estar mostrando, visibilizando essa violência, mas também de tristeza porque é muito triste você pensar que no século XXI, enquanto a gente já avançou em tantos aspectos, as mulheres ainda estejam debatendo questões que são tão básicas, que já deveriam estar resolvidas a tempos, como condições dignas de trabalho, como não ser vista como objeto no seu ambiente de trabalho.

Eu coloco o ambiente de trabalho não só porque é o recorte do meu estudo, mas porque você espera que seja visto ali como profissional e não como objeto sexual, que é o que acontece quando ocorre o asséd