“Militar na hora do parto não é o papel da doula”, afirma Lays Najara, que atua em Imperatriz

Repórter: Janayna Sousa

Fotos: Janayna Sousa

 

Em entrevista a doula Lays Najara conta sobre a atuação, as dificuldades e o início de sua história com a doulagem. O papel de uma doula é ajudar no aspecto emocional e afetivo da gestante, durante todo o período em que a mulher procura e solicita os serviços.  Lays decidiu se dedicar somente à sua vida profissional como doula durante sua maternidade, deixando sua primeira formação acadêmica em História para trás.  Atuante como doula há apenas 2 anos, atende em média 4 gestantes por mês.

A decisão da transação de profissão ocorreu durante o seu puerpério -período após o parto, conhecido popularmente como resguardo-. A doula diz que já conhecia a profissão, mas para poder se especializar pensava que precisaria se tornar enfermeira antes de poder atuar como doula. Um dos fatos que muitas pessoas não conhecem pela falta de debates sobre a profissão com a população, e por muitas das atuantes na doulagem serem formadas na área da saúde.

Em parceria com a enfermeira obstetra, Aleny Morais e a doula, Shismara Ribeiro criaram a “Casa Partilhar”, um projeto idealizado para receber as gestantes na cidade de Imperatriz-MA. A colaboração vem funcionando desde julho de 2021, conseguindo obter um espaço físico em março de 2022, na qual podem atender seus clientes com o conforto e qualidade que propõem oferecer para as famílias durante este período.

Na entrevista, Lays comenta suas opiniões sobre a profissão e observações das condutas éticas que devem ser seguidas. Suas visões como participante do lado profissional e como uma mulher que já passou pela gestação acompanhada de uma doula. A importância das informações para o público conhecer quais são os serviços oferecidos sem o pré-conceito enraizado por muito tempo.

Confira:

Janayna Sousa: Quais avanços você percebeu na cidade nos últimos 5 anos?

Lays Najara: De quando as meninas iniciaram em 2017 para hoje o cenário é muito melhor. Antes, você não tinha a possibilidade de parir num plantão, na rede privada você era levada a uma cesariana, então hoje a gente tem uma aceitação bem maior, até dos próprios hospitais privados e dos plantonistas que estão mais abertos a essa questão, dessa mulher parir o parto normal. Muita melhoria também em relação à violência obstétrica, mulheres tinham muito medo de encarar a nossa maternidade pública, por medo de violência obstétrica. Tinham muito medo de ir para a rede privada e de serem levadas para a cesariana sem nenhuma indicação. Então hoje, você ter informação, tendo um conhecimento, as chances são muito maiores de você ser respeitada. A gente tem mecanismos que podem ajudar, tem a figura do plano de parto, que é um documento que a gente vai fazer sobre as suas preferências de parto. Aqui em Imperatriz a gente ainda não tem uma lei oficial da doula, mas está em tramitação. A gente vai ter a lei do acompanhante que vai dar suporte para essa mulher, nós como doula não substituímos essa presença. Você vai ter muitas melhorias nesse sentido, isso dá abertura para que esse cenário melhore, que mais e mais mulheres possam conseguir a via de parto que desejam, para ter experiências positivas e viver realmente essa fase da melhor forma possível.

 

“Na minha prática eu vejo que tem mulheres tão violentas quanto os homens, então não é algo estritamente masculino. É claro que tem homens que são brutos lidando com a parturiente, mas eu já vi mulheres também tão grosseiras quanto”

 

J.S: A Lei Doula está sendo regulamentada em alguns estados no país, porque isso ainda não aconteceu em Imperatriz?

L.N: Durante a pandemia, a gente teve algumas restrições em alguns hospitais, muitas mulheres pariram sozinhas, sem acompanhantes, sem doulas, desamparadas, sem um apoio, um suporte. Então, eu vejo o apelo da população, as mulheres mais informadas, foi muito forte nesse sentido. Houve um apelo também nosso, porque desde quando iniciou a doulagem aqui, ocorreram várias tentativas de que isso fosse implementado. Eu digo que foi um foi um conjunto de fatores que trouxe esse novo olhar para a figura da doula. Se tudo der certo, vamos realmente ter essa lei de doulas no nosso município. Porque aqui em Imperatriz, ela vai abranger todas as cidades vizinhas, aqui eu tenho gestantes do Pará, do Tocantins, Açailândia, vai ter toda essa toda essa redondeza. Por isso também que houve essa movimentação maior, pois a gente vai ter essa busca, esse cuidado, esse acompanhamento faz muita diferença.

J.S: Que dificuldades você já enfrentou na área?

L.N: Pergunta difícil. Algumas pessoas, não vão entender qual é a função da doula. Tem gente que pensa que é só chegar lá e fazer massagem, e assim, tem todo um trabalho por trás. A gente vai acompanhar a gestante, nós teremos um trabalho com ela, encontrá-la, encontrar a família, educar, dar curso. Há toda uma caminhada por trás. A maioria das pessoas só vê a parte boa que veio, tipo “poxa, a mulher conseguiu parir”, “o bebê está bem”, as fotos bonitas ali nas redes sociais, final feliz. E não é que nem sempre tem um final feliz, mas é que às vezes esse parto é mais demorado. Eu já cheguei a ficar mais de 48 horas em um parto, ir e voltar do hospital, ou então no hospital ainda receber a ligação de outra gestante. Então não é moleza como as pessoas pensam, nesse sentido a dificuldade aqui é que as pessoas não valorizam esse trabalho.

J.S: Quais são os tipos de comentários que você mais escuta sobre a sua profissão?

L.N: Tem gente que não entende [risos] “dou o quê?”. Às vezes eu estou fazendo um cadastro em algum lugar, e perguntam “como é mesmo a sua profissão?”, aí eu vou explicar. Mas assim, eu ouço isso cada vez menos, as pessoas estão sabendo na primeira vez que falo, ou então às vezes me reconhecem, não é que eu seja “olha como ela é famosinha”, mas as pessoas até me reconhecem, “ah, você é doula, já vi o seu Instagram” É bem interessante, porque mais pessoas vão conhecer nosso trabalho. Eu digo que levo isso muito a sério, eu me encontrei tanto na profissão, porque realmente é ela que eu quero levar para vida. Eu não sou só por exemplo “enfermeira que é doula”, não, eu sou “só doula” só é muita coisa, né? Mas essa é a minha profissão e é por isso que eu luto pela valorização dela.

J.S: Como a sua família reagiu com a mudança de profissão? 

L.N: Nossa, eu recebi tanto apoio. Uma coisa também que aconteceu interessante, é que antes mesmo de mudar, eu já pensava na doulagem. Eu ouvia muitas pessoas dizendo para mim, “nossa, você lida tão bem com isso porque você não é doula?”, “achei que você era doula”. Por isso ficou na minha mente, eu já conhecia a profissão, já tinha um apreço, meio que eu já atuasse como doula. Então, eu recebi muito apoio, encorajamento, meu esposo me deu força total. Eu não saí totalmente da educação, porque eu sou educadora perinatal, mas recebi muito apoio. Eu não fui desencorajada, pelo contrário, em todas as fases tanto quando eu iniciei e quando a gente teve a ideia da “Casa Partilhar” sempre recebi muito muito apoio.

J.S: Como você lida em casos que já ocorreram violência obstétrica?

L.N: Então, eu digo que a maior ferramenta para você prevenir violência obstétrica é informação. Claro que não vai te isentar, mas se essa mulher tem informação a chance dela ter a violência obstétrica é muito menor. Porque o que acontece às vezes é que a mulher sofreu violência obstétrica, mas ela nem sabe. Sou eu que vou dizer, que vou manchar essa memória que ela tem do parto dela? A informação vai empoderar essa mulher nesse sentido, dela saber reconhecer, dela saber denunciar e dela saber o que fazer e lidar com essa situação. É importante falar que nós como doulas não podemos interferir em condutas médicas, por isso que o trabalho é feito antes para prevenir que essa violência aconteça, no sentido de prevenção mesmo. Para que essa mulher tenha ciência de tudo que está acontecendo, tanto que quando a gente fala de plano de parto é um documento, um roteiro, você se cercar de todas as possibilidades. O acompanhante que vai lutar, se essa mulher está ali sendo coagida de alguma forma, é ele que vai poder brigar, porque eu não posso interferir é contra o meu código de ética. Brigar com o enfermeiro, com médico e militar na hora do parto não é o papel da doula.

J.S: Há uma diferença de médicas e médicos nos casos de violência obstétrica?

L.N: Na minha prática eu vejo que tem mulheres tão violentas quanto os homens, então não é algo estritamente masculino. É claro que tem homens que são brutos lidando com a parturiente, mas eu já vi mulheres também tão grosseiras quanto. Como eu já atuei como doula e como acompanhante, então eu já vi muita coisa, mas eu não digo que é algo unânime dos homens, não é algo 100% masculino, eu penso que só uma mulher que já passou pelo puerpério vai entender outra que está passando também.

J.S: Em 2016/17, muitos municípios obtiveram doulas nos hospitais públicos, isso acontece em Imperatriz? 

L.N: Aqui em Imperatriz a gente não tem doulas à disposição das mulheres no SUS, nem na rede privada, é tanto que a doula é um serviço particular. A mulher contrata e onde ela for parir a gente vai. É um serviço realmente particular, por isso que a gente luta também para que mais pessoas tenham conhecimento, para que essas mulheres saibam que é possível ter um acompanhamento, é um investimento também. Eu sempre falo que você investe para muita coisa, se investe para o emprego, faculdade, na tua saúde, aí com o nascimento do teu filho vai ser diferente? Na cidade tentamos sempre estabelecer um teto, vai ter doulas que vão cobrar um valor menor, geralmente em média R$1800 em todo o acompanhamento.

J.S: Como é feita a formação para doulas na cidade? 

L.N: Não há na cidade uma escola que ofereça um curso específico nesta área, para a formação precisa estudar em outra cidade. Esse mês retrasado eu estava em São Paulo fazendo um curso, tudo isso é gasto da minha parte porque eu quero oferecer o melhor para que as famílias tenham mais conforto e se sintam em casa.  A gente nunca para de estudar, porque é uma responsabilidade muito grande, nós lidamos com sonhos e expectativas, eu tenho que oferecer para essa família informação de qualidade. A medicina, especialmente a obstetrícia, é muito dinâmica e muda muito rápido, então para eu dar uma informação de qualidade para essa família eu preciso estar me atualizando, fazendo um curso de aprimoramento diariamente.

J.S: Qual o maior erro que as mulheres grávidas cometem?

L.N: Aí, difícil essa pergunta. Vou falar por mim, porque eu já estive grávida, acho que entregar o seu parto na mão de outros profissionais, vai ser uma caminhada sua, às vezes a mulher tem a ilusão de que “a tenho uma doula, uma equipe, eu tenho meu médico, terapeuta, meu marido”, aí ela acha que isso é suficiente. Mas como eu falei, o parto é uma decisão que eu vou tomar… Então, é importante que você tome esse evento como seu, que de fato ele é. Parto normal é uma caixinha de surpresa, então eu sempre falo também para essa mulher se preparar para um plano b, se preparar para essa mudança de planos. É importante você se cercar de todas as possibilidades. O acompanhamento da doula vai ajudar nisso, nesse preparo mental, por isso a importância dessas profissionais.

 

Bate-bola:

Último livro que leu?

O parto é da mulher – Anne Pires.

Um hobby?

Andar de moto com o meu esposo.

Uma frase?

“Para mudar o mundo, é preciso primeiro mudar a forma de nascer.” -Michel Odent.

O que a vida é para você?

A vida é um presente que Deus deu, e é importante a gente saber viver ela.

Serviço: Para encontrar a doula Lays e a Casa Partilhar para saber mais acessar Instagram, (@Laysnajaradoula) e (@casapartilhar).