Repórteres: Ane Sandes e Jéssica Lima
Fotos: Acervo pessoal de Leila Lima de Sousa
Graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI), doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos e vice-coordenadora do núcleo de pesquisa em comunicação, gênero e feminismo “Maria Firmina dos Reis”, Leila Lima de Sousa, hoje aos 33 anos, é professora do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em Imperatriz.
Em sua tese de doutorado “Cidadania comunicativa e existências comunicacionais de mulheres negras de Codó e Imperatriz, no Instagram”, é defendida a construção de cidadania comunicativa por mulheres negras no seu processo de aprender-sendo, atribuindo o poder de se autonomear e escreverem sua própria história. Na pesquisa foram destacadas questões relacionadas à raça, gênero e cidadania comunicativa.
Nesta entrevista, Leila comenta sobre as pressões estéticas, construção de estereótipos como a padronização de cabelos, na perspectiva da mulher negra. Questões sobre os corpos e a sexualidade dessas mulheres negras e como os algoritmos reproduzem lógicas e hierarquias históricas e sociais, como pontuam diversos autores, entre eles, Tarcízio Silva. A professora e pesquisadora se autodefine como mulher branca e reflete que sua cor de pele nunca foi impedimento para ocupar espaços e através dessa tese passou a se questionar sobre os privilégios brancos. É nordestina, professora universitária e jornalista.
Imperatriz Notícias: Como foi o processo de escolha do tema?
Leila Lima de Sousa: Antes da qualificação, eu dei uma mudada no tema e passei a trabalhar com narrativas juvenis no Instagram e a construção de cidadania comunicativa. É nesse processo de análise sistemática da rede social que eu chego na questão racial, quando também começo a perceber que as mulheres apareciam com mais força no Instagram, sobretudo a partir de narrativas sobre o corpo, sobre o cabelo, falando sobre traços estéticos e sobre outras estéticas possíveis. Nesse momento o tema da tese muda, bem perto da qualificação e especialmente a partir desse diálogo com campo. No primeiro momento eu estava trabalhando ainda com a perspectiva da juventude, e é uma perspectiva que também começa a ser colocada em confronto por conta do campo. Porque nenhuma das mulheres, por exemplo, que eu entrevistei em campo, questionavam a categoria juventude, apenas a questão do gênero e da raça. E aí eu acabei pontuando isso, a quem é dado o direito de ser jovem no Brasil? mostrando como as experiências de juventude são afetadas também pelo racismo, trago alguns autores que falam sobre isso, como Carla Akotirene. E foi uma descoberta bastante interessante, o empírico me permitiu também e foi uma das coisas, por exemplo, bem pontuadas pela banca.
IN: Você acha que os meios de comunicação, ajuda a sociedade a entender sobre o que se trata a luta do povo negro?
LLS: Eu acredito que a gente avançou muito nos últimos tempos, que algumas narrativas, algumas formas de retratar a mulher negra, tem mudado durante os últimos anos. E a forma como a televisão ajudou muito a construir estereótipos ou imagens de controle, como fala Patrícia Hill Collins, sobre a condição de ser mulher negra, através da figura da mãe preta, da mulata, do carnaval, enfim. Essas figuras foram sendo construídas no imaginário popular e reafirmando ou legitimando, um controle e uma vigilância sobre os corpos e a sexualidade dessas mulheres negras. Então, eu acredito que em certos aspectos, a gente pode pensar que sim, alguns meios de comunicação, os maiores ou a televisão, tem se aberto para ampliar as narrativas sobre as mulheres negras. Ainda não é um lugar ideal e sobretudo, porque essas próprias mulheres têm se colocado com muita força, com muita potência, cobrando e exigindo esse espaço de protagonismo.
IN: Com base nas suas pesquisas, você acha que o conteúdo de uma influencer negra maranhense, tem mais alcance do que o conteúdo de uma influencer branca maranhense?
LLS: De forma alguma. Inclusive, esse é um ponto que é muito problematizado pelas mulheres, não só as sujeitas coparticipantes da tese como também blogueiras, influencers, profissionais negros e negras que estão ali nas redes sociais, no Instagram por exemplo, de alguma forma divulgando seus produtos ou enfim, contando suas narrativas, visibilizando e construindo suas existências comunicacionais, como a ideia que é trabalhada na tese. O que é bastante interessante é que elas também vão pontuando, chamando a atenção para o modo como os algoritmos reproduzem lógicas e hierarquias, normas sociais já historicamente estruturadas. Até porque, esses algoritmos são pensados e alterados por pessoas, e essas pessoas vão reproduzindo essas lógicas, também nesse outro ambiente digital. Então, ao mesmo tempo que elas têm a consciência, lutam e visibilizam isso, de que elas são silenciadas e invisibilizadas, tem o alcance diminuído pelo os algoritmos pela a questão de raça e gênero, elas também vão construindo esses caminhos dialógicos, esses caminhos de ensinar e aprender sobre a lógica do digital e nesse caso a lógica algorítmica.
IN: É bem aquela questão de estereótipos brancos né?
LLS: E sobretudo porque o Instagram é uma rede social imagética, então, essa imagem branca ou esse padrão branco, padrão estético da branquitude ou mais próximo da branquitude é o que prevalece nos algoritmos. Então isso que elas fazem, esse movimento também de questionar, problematizar e de ensinar e aprender sobre essas lógicas também é muito importante para esse processo tanto de resistência como também de confronto, e aí elas vão pontuando o que são padrões que saem ali da TV por exemplo, que foram durante décadas reproduzidos na TV e agora também são reproduzidos dentro da mesma lógica na rede social, nesse caso no Instagram.
IN: Falando sobre essa questão de padrão estético; a gente sabe que existe uma certa padronização estética entre influenciadoras brancas. Você acha que isso também existe entre influenciadoras negras? Ou estão sempre buscando expressar suas próprias identidades?
LLS: Elas falam de um processo de regulação ou de padronização em relação ao cabelo, a forma como muitas pessoas esperam que elas estejam sempre com o cabelo definido, com o cacho perfeito, muitas pontuam inclusive, que às vezes você sai de uma realidade que precisa alisar o cabelo para atender a determinados padrões e acaba entrando em outro, às vezes até de forma involuntária, que é estar sempre com o cabelo muito bem finalizado, com os cachos bastante definidos, ainda que a textura do cabelo não seja essa. Por exemplo, em alguns depoimentos as sujeitas da tese pontuam, elas falam que sim, que às vezes há uma cobrança de que o cabelo esteja muito num “patamar” que as pessoas consideram perfeito, que esteja muito bem definido, enfim.
IN: Como você acha que as plataformas digitais, como as redes sociais, influenciam na propagação do discurso de ódio?
LLS: É um espaço onde esses discursos são muitos disseminados, onde o racismo recreativo de alguma forma se torna “livre”, porque as pessoas acham que a internet é terra de ninguém, e isso até é virou um ditado popular. Mas é também o lugar onde as mulheres negras vão questionando esses discursos, colocando esses discursos em evidência de alguma forma desestabilizando esses comentários. Mas cabe ressaltar esse dado, que a rede social é o lugar onde os discursos de ódio ganham muita força contra, principalmente, mulheres negras, mulheres jovens e a partir da depreciação da marginalização, dos corpos e dos traços estéticos, conforme uma tese de doutorado defendida por Luís Trindade, numa universidade da Inglaterra, aponta.
IN: Como você acha que essa busca e a expressão de identidade de mulheres negras, por meio do Instagram, influencia em nossa sociedade atual?
LLS: Acho que permite muitos debates que possibilita visibilidade para muitas discussões que não são tão visibilizadas pelos meios de comunicação mais tradicionais. Abre a possibilidade para que muitas questões possam ser debatidas, possam ser ampliadas inclusive, muitas questões, por exemplo, que começam a ser problematizadas e discutidas na TV e que ganham uma amplitude maior em rede social. Elas estarem no Instagram possibilita tudo isso, possibilita essa visibilidade para alguns temas, e essa possibilidade do diálogo, de muitas questões que antes não eram tão debatidas.
IN: E bom, na sua tese você fala sobre a perspectiva de aprender-sendo. O que seria?
LLS: O aprender-sendo, na verdade, ele surge como um processo de observação desses achados do empírico, das narrativas que essas sujeitas comunicantes foram e estão fazendo no Instagram, uma das mulheres, Sofia, passa por um processo de aprender contínuo, ela tá sempre aprendendo, inclusive a própria forma como ela se descobriu negra foi assim, um processo de aprendizado através de diálogos com seus irmãos, com suas amigas, e a forma que ela foi se descobrindo como mulher negra. E eu acabei num momento de descrever esse processo, falando assim que ela vivenciava um processo de aprender-sendo. A medida que as opressões vão se atualizando, elas também vão atualizando táticas e estratégias para sobreviver como uma mulher negra no Brasil, no Maranhão, então a partir daí é uma noção que parte desse processo contínuo de aprender e de um processo de aprender, ensinar, aprender que não tá efetivamente relacionado a práticas de educação formal, práticas escolares, mas de um aprender mesmo do sujeito, da sua visão de mundo, ou da forma como cada uma dessas mulheres vai aprendendo mais sobre si e vai modificando também percursos não só individuais, mas dentro da família, com amigos, vai disseminando essas perspectivas para o público que acompanha elas.
IN: No seu trabalho você também fala muito sobre desigualdades sociais, principalmente em questões de raça e gênero, a pergunta é, você acha que a participação da mulher negra em mídias digitais, como o Instagram, também é uma forma de resistência e luta pelo seu lugar no mundo?
LLS: Sim, com certeza, porque além de sofrer essas duplas opressões de raça, gênero, classe, estar ali, construir uma existência, é a forma que elas querem se projetar e se tornar visíveis no mundo. É uma forma de situar os espaços que elas ocupam, de dizer das posições que elas almejam alcançar, para também falar de sonhos, de projetos, além de narrar as identidades, as questões estéticas, também é um espaço que elas podem falar sobre os cotidianos. É esse lugar de tornar visível os diversos e plurais espaços que elas ocupam ou que podem ocupar, que não é só um lugar já determinado ou que está ali construído para que elas possam ocupar, não. Elas podem ocupar espaços diversos, estão ocupando espaços diversos, múltiplos. Então, é uma forma de elas mesmas construírem o próprio caminho, de trabalhar com moda, beleza, divulgar seu trabalho e construir outros caminhos possíveis, e não esse caminho mais hegemônico que talvez já tenha seu padrão.
Bate-bola
1 – Livro que mudou sua vida.
Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire e Aprender a Transgredir, de Bell Hooks.
2- Livro que gostaria de ter escrito.
Redemoinho em dia quente, de Jarid Arraes.
3 – Uma música para tocar na sua playlist.
Computadores fazem arte, da Banda Nação Zumbi.
4 – Uma série que indicaria.
O Gambito da Rainha.
5 – Uma dica para quem quer ser jornalista.
Para ser jornalista tem alguns conselhos que são cruciais, a curiosidade, o dom da pergunta, ser sempre essa pessoa curiosa e perguntadeira mesmo, sensível, não tem como ser um jornalista sem ter uma sensibilidade de olhar as coisas, de questionar, de refletir sobre elas. Ler muito é um requisito básico, primordial para qualquer profissão, assistir muitos documentários e séries que permitem pensar sobre diversos aspectos.