“Em Imperatriz já deve estar circulando pelo menos duas variantes da Covid-19”: entrevista com presidente da Unimed

Fotos: Arquivo pessoal

Repórteres: Maria Eduarda Sousa e Michelle Costa.

 

A pandemia da covid-19 vem desafiando os sistemas de saúde públicos e privados em escala global. Até agora, 312.299 vidas foram perdidas e os casos confirmados desde o início da pandemia já chegam há 12.532.634 no Brasil. De acordo com os números divulgados pelas secretarias estaduais houve crescimento na média móvel registrada em 20 estados e no Distrito Federal. Segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 17 das 27 capitais do país estão com as UTI’s do Sistema Único de Saúde (SUS) com mais de 80% de ocupação, e o sistema privado também corre sérios riscos de entrar em colapso devido à ameaça eminente da terceira (3°) onda da covid.

Formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA) no ano 2000, Irisnaldo Félix da Silva, atual presidente da Unimed em Imperatriz, fez residência Clínica Médica no hospital Heliópolis em São Paulo, em seguida cursou Nefrologia na Escola Paulista de Medicina (EPM). Em 2005, retornou para Imperatriz e continuou exercendo a sua especialidade no sistema público e privado. Ingressou na gestão pública e entre suas experiências está a presidência do Conselho Municipal de Saúde.

Cooperado a Unimed Imperatriz desde 2007, integrou a gestão de saúde suplementar no Hospital da cooperativa em 2013, e 2018 participou da eleição para a mesa de diretoria executiva, na qual obteve êxito, estando atualmente no terceiro ano da sua gestão como presidente. As carteiras dos planos de saúde da Unimed contam com milhares de clientes, que investem uma parte das suas economias e acreditam na assistência oferecida pela cooperativa. Entre os tipos de sistema de saúde suplementar oferecidos no Brasil, o cooperativista é característico da rede Unimed, em Imperatriz são 226 médicos cooperados, que possuem papel ativo no negócio.

Nesta entrevista, o médico e presidente da Unimed Imperatriz, Irisnaldo Félix da Silva, fala sobre os desafios na gestão da rede hospitalar privada no enfrentamento a covid-19, levando em conta os fatores que englobam o cenário pandemico na cidade de Imperatriz, no Brasil e no mundo.

 

IMPERATRIZ NOTÍCIAS: Na internet, ou no mundo real, é comum observar pessoas que afirmam: “Essa pandemia não é tão grave, os números estão sendo maquiados para gerar pânico, a pessoa vai para o hospital com uma doença e se morre, já falam que foi de Covid.”. O senhor além de médico é presidente de uma importante rede hospitalar da cidade e vem acompanhando de perto o drama nos hospitais. Qual é a sua opinião sobre esse tipo de discurso?

Irisnaldo Félix da Silva: É lamentável que exista esse tipo de comentários, muitas vezes até politizados, em relação a pandemia. O Brasil, no momento atual, vive um colapso no sistema de saúde e não precisa ninguém falar nada, é só você ver, os telejornais mostram o drama em que o país vive diariamente. Acho muito difícil quem tenha um parente ou uma pessoa próxima que faleceu, ou que foi acometido pela doença, falar tais coisas. A questão do pânico, naturalmente é ruim, o que precisa acontecer é uma conscientização dentro daquilo que é o melhor na linha de cuidado e prevenção contra o vírus. Esse tipo de politização da pandemia é deplorável, muitas pessoas acham que não precisa do isolamento social, da máscara, e tem outra parte que realmente acha que é preciso ter mais controle. Enquanto a população não estiver imunizada pela vacina nós não vamos ter outra saída a não ser nos precaver, porque mesmo quem já teve a doença pode ser reinfectando pela covid-19, o cenário ainda é muito obscuro e delicado, então precisamos nos cuidar e ter consciência que esses comentários não ajudam nem um lado, nem o outro.

 

IN: Os cientistas já comprovaram que é possível contrair o vírus duas vezes, apesar de não ser tão frequente, já há casos de reinfecção no Hospital Unimed?

IFS: Temos muitos casos de reinfecção, inclusive um caso próximo, uma tia da minha esposa que teve a doença em junho do ano passado contraiu a covid-19 novamente e infelizmente não resistiu à reinfecção. No hospital, temos casos de pessoas que já foram internadas, tiveram alta, e agora estão novamente internados. O que não sabemos é se a reinfecção foi causada pelo mesmo vírus, ou por uma variante dele, acreditamos que em Imperatriz já deve estar circulando pelo menos duas variantes da covid-19. O vírus age de forma diferente em cada organismo, ano passado tivemos uma paciente de 92 anos que foi internada e saiu recuperada, o que foi uma grande alegria, lamentamos muito quando perdemos um paciente. Recentemente, perdemos um acadêmico de medicina de 21 anos, ele deu entrada diretamente na UTI, pois a ventilação mecânica era a única alternativa. Temos que ter bastante cuidado com a covid-19, afinal, não sabemos como o vírus vai reagir no nosso organismo, e ultimamente, tenho visto muitos jovens morrerem por causa dele.

 

IN: Como está o estoque de equipamentos de proteção no combate ao coronavírus na Unimed Imperatriz?

IFS: Ano passado, quando nós começamos o enfrentamento a pandemia, tivemos um momento inicial muito crítico, porque o mundo, e consequentemente o Brasil, não estava preparado para a dimensão da doença e, portanto, não tínhamos os    EPI’s necessários, mas isso foi se organizando com o tempo. Após sair daquele período crítico da primeira onda, nós tínhamos um estoque acima da média que foi criticado, inclusive por alguns membros da cooperativa, porém investimos na compra, pois não havia garantia que teríamos estoque suficiente caso o problema continuasse. Agora, com essa nova onda, usamos nosso estoque reserva e fizemos uma nova compra, sempre com a intenção de manter o estoque para garantir o nosso trabalho. Inclusive, temos feito uma grande ação com os nossos colaboradores na conscientização quanto ao uso dos EPIs, porque tem muitos deles tem algum tipo de resistência, e é lógico que exigimos, pois além da questão trabalhista do nosso setor de biossegurança, precisamos garantir aos nossos colaboradores a proteção necessária para estar na linha de frente.

 

IN: Assim como a rede pública hospitalar, a rede privada também vem enfrentando desafios devido à covid-19, um deles é garantir o atendimento necessário aos pacientes. Qual é a situação atual da taxa de ocupação de leitos de UTI e enfermaria na Unimed Imperatriz?

IFS: Desde o início de fevereiro atingimos a nossa capacidade máxima. Tinhamos uma ala do hospital destinada exclusivamente aos pacientes da covid, com vinte leitos e que foi reduzido para dez leitos, na UTI passamos a atender todos, ficando com 2 leitos destinados para covid, ficamos com esse número de agosto do ano passado até dezembro de 2020. No entanto, em janeiro deste ano tivemos que voltar os 20 leitos para atender exclusivamente a covid, e na UTI de dois, passamos para oito leitos de isolamento. Entramos fevereiro com a outra ala do hospital também destinada à covid, e no dia 10 de fevereiro os atendimentos ficaram exclusivamente destinados a esses pacientes. Hoje, temos 40 leitos clínicos e 18 leitos de UTI, na UTI estamos trabalhando com 90% de taxa de ocupação, e as enfermarias estão com uma taxa de 80 a 90%, você da alta para quatro pacientes e já interna a mesma quantidade, estamos fazendo uma gestão de leitos muito assídua para conseguir atender a demanda.

“Hoje, temos 40 leitos clínicos e 18 leitos de UTI, na UTI estamos trabalhando com 90% de taxa de ocupação”

IN: E a taxa de mortalidade?

IFS: A taxa de mortalidade do paciente de covid, depende do setor em que ele está no hospital. Por exemplo, a taxa de mortalidade do hospital, contando os pacientes na clínica e UTI, está em torno de 3 a 4%, já quando é comparada com taxa global, nossa taxa de mortalidade está abaixo de 2%. Se analisarmos somente a UTI, a taxa vai para 45%, quando passamos para os pacientes que foram para a UTI e ficaram entubados, o número dos pacientes que não resistem cresce para 80%. Essa taxa é assustadora, por isso estamos procurando diminuir o número de entubação a partir de uma mudança na nossa linha de cuidado, com a implementação do catete de alto fluxo na nossa rotina na UTI. O catete oferece um fluxo de até 30 litros de oxigênio por minuto e consegue manter a saturação nasal necessária para o paciente enfrentar a fase inflamatória específica em que ele se encontra, evitando ao máximo a falência respiratória, para diminuir a taxa de entubação e consequentemente a mortalidade. Segundo uma publicação da revista científica Lancete, onde foram analisados no ano passado vários centros médicos no Brasil, a taxa de mortalidade de pacientes intubados foi que de cada três, dois morriam. Esses números nos deixam em uma situação de impotência e até descrédito, há uma grande discussão em torno desse tratamento, mas estamos buscando qualificar ainda mais nossos profissionais e dar o melhor suporte possível para diminuir esses números assustadores.

 

IN: A pandemia vem agravando vários problemas já existentes, como a saude mental das pessoas. Já houve algum caso de afastamento de um profissional da saúde na devido a esse problema?

IFS: Ano passado, tivemos uma taxa de obsolescência em torno de 28%, não por doença mental, mas por outros motivos como contrair covid, estar doente, entre outros, naquele momento a situação estava crítica. Recentemente, estamos com uma taxa de afastamento em torno de 8 a 10%. Inclusive, recetemente um de nossos coordenadores de setor pediu demissão devido à sobrecarga de trabalho, pois além de ser nossa funcionária, ela é funcionária no sistema de saúde do município, lamentamos muito a perda de um funcionário na nossa equipe, mas entendemos a situação. Hoje, a Unimed aluga uma casa próxima ao hospital para dar apoio aos familiares dos pacientes internados e aos nossos colaboradores, essa medida vem sendo realizada desde o ano passado, não só no hospital, mas também no Centro de Promoção da Saúde.

 

IN: Como vem sendo organizados os plantões dos médicos?

IFS: Temos um plano de ação no hospital e no pronto socorro, trata-se de um plano de contingência, dependendo da demanda que chega no pronto socorro a quantidade de médicos no atendimento aumenta. Por exemplo, hoje, estamos com dois médicos no plantão, quando o número de atendimento passa de 100 pacientes por dia, o setor já fica em alerta, e então procuramos montar uma terceira escala de profissionais para dar suporte. No entanto, o número de atendimentos oscila muito, o que torna difícil organizar as escalas, pois existem vários fatores que temos que levar em conta, como a disponibilidade daquele profissional, mas o plano de contingência tem nos ajudado, assim podemos atender bem a nossa demanda.

 

IN: Desde o início da pandemia no Brasil, o tratamento para a covid-19 divide opiniões, como o uso da cloroquina, ou receitas absurdas de “remédios caseiros” que circulam pelo WhatsApp, por exemplo. Qual é a sua opinião á respeito de tratamentos baseados no senso comum contra essa doença?

IFS: O senso comum já nos mostrou que não resolve nada. Hoje nós temos muitos trabalhos científicos para ter acesso, nosso protocolo de atendimento da Unimed foi atualizado no final de fevereiro, sempre com base científica e temos planos de ações específicos para cada estágio de sidrome gripal aguda em que o paciente se encontra. No início da pandemia todos estávamos perdidos, pois era um vírus desconhecido, não havia um tratamento precosse e fazíamos de tudo para tentar salvar o paciente. Agora, temos evidências científicas, como o trabalho realizado pelo Instituto de Cardiologia Canadense, ele contou com mais 4,000 mil pacientes e os dividiu em dois grupos, um grupo foi tratado com anti-inflamatório, a costicina, o resultado foi que aqueles que foram submetidos ao tratamento o número de internação foi menor, e nos casos mais simples houve uma inflamação menor quando comparado ao grupo que não usou. A Cloroquina gerou muita discussão entre os que eram a favor e os contra, nos usamos no início e posso afirmar, ela não fez nenhuma diferença no tratamento, não dá para tratar uma doença de forma ideológica.

 

IN: Além de enfrentar uma pandemia, o Brasil tambem enfrenta uma infodemia, notícias falsas sobre o vírus circulam pela internet com o objetivo de enganar as pessoas. Quis são os canais de informação sobre saúde, além do site do Ministério da Saúde, em que a população pode visitar para ter acesso a informações confiáveis sobre a doença?

IFS: O site que particularmente gosto muito é o do Ministério da Saúde Americano, ele é atualizado a cada 15 dias, trazendo evidências e recomendações. A própria OPAS tem atualizações na sua página, também tem o site da OMS e sociedades médicas.  Agora, não é aceitável dar crédito para notícias absurdas de facebook, Whatsapp e sites desconhecidos, muitas vezes a informação é tão bem elaborada que engana, por isso temos que checar a fonte, saiu um artigo? Vamos ver em qual revista foi publicado, se a fonte é confiável, e se ele realmente foi publicado. Com a internet, hoje é possivel checar a fidelidade da informação.

 

IN: Para finalizar, o senhor gostaria de deixar alguma a mensagem a população da Região Tocantina?

IFS: Participei de reuniões, recomendações, e processos envolvendo a batalha contra a covid, tanto com o Conselho Regional de Medicina, Associação Médica e outras entidades, desde o início da pandemia a Unimed esteve muito presente nesse processo. E desde novembro temos observando um aumento no número de casos, no mês passado encaminhamos uma carta aberta a população recomendando algumas medidas em razão do eminente colapso no sistema de saúde. O meu conselho a população é que, não espere uma medida restritiva de um gestor, prefeito, governador ou juiz, faça a sua parte, se inclua como um dos muitos profissionais que estão na linha de frente no combate à pandemia. Enquanto os profissionais estão nos hospitais, nós, cidadãos devemos ficar em casa e seguir as recomendações para evitar a transmissão do vírus. Vamos ter consciência, ajudando uns aos outros, e cada um dentro da sua atribuição fazer o máximo daquilo que é recomendado atualmente pela OMS.