Festa do Cupu, de Esperantina (TO), retorna depois de dois anos

Texto: Daiane Silva

Na noite de 19 de maio, em Esperantina (TO), chegava até a ser um privilégio ver novamente as expressões faciais do rosto das pessoas com o retorno, após um ano, da Festa do Cupu. Sorrisos, lágrimas, entusiasmo e muita diversão transbordavam nos arredores da praça Araguaia, a principal da cidade, de aproximadamente 11 mil habitantes, localizada na confluência entre os rios Araguaia e Tocantins, no “Bico do Papagaio”. Inspirada pela riqueza de frutos nativos como o cupu, a festividade acontece sempre em maio, desde 2006, quando foi criada por um grupo de professores do Colégio Estadual Joaquina Maria da Silva.

Subindo pela Vitorino Ribeiro, avenida principal que dá acesso à entrada da cidade, em direção ao palco, logo atrás das estruturas armadas para receber os músicos e palestrantes da noite, as movimentações são intensas. A noite de quinta-feira, 19 de maio, como de costume, acolhe a música gospel, com os cantores Regina Santos, Régis e Juvenal, Aldoraya e Banda e Aguida Mariana. Pastores das igrejas da cidade iniciam a festa com uma oração. A solenidade, aberta para públicos de todas as idades, reuniu não só evangélicos, mas também pessoas de outras crenças.

Nos arredores da praça, Natália Teixeira Passos e Pedro da Cruz Araújo contam que vieram de Imperatriz e instalaram uma barraca de bebidas preparadas na hora. Eles já são veteranos em festas organizadas na cidade e nos municípios do Bico do Papagaio. A vendedora lamentava que, até aquele momento, o movimento ainda estava fraco e sem muitos pedidos.

Mesmo sendo noite evangélica, um público que não costuma consumir bebidas alcoólicas, pessoas de outras denominações também compareceram e havia esperança de mais clientes. “Essa é nossa primeira vez na cidade, e esperávamos algo mais organizado”, reclamou Natália. Ali perto, adolescentes entusiasmados cercavam outro vendedor imperatrizense, com uma banca de bijuterias, tatuagem de henna, que prometia escrever nomes em um caroço de arroz fazendo dele um colar.

Por baixo das tendas armadas pela prefeitura da cidade em parceria com o Sebrae, barracas organizadas e bem estruturadas, os jovens Jaylson Ribeiro Duarte, Pedro Henrique dos Santos Sousa e Ivo de Oliveira Sousa, comentaram que, para eles, a festa estava ótima. “Eu danço até um forrozinho”, empolga-se Pedro Henrique. Ele estava usando um boné cor de rosa, camisa meio esverdeada e segurava um copo de “capeta” na mão, uma bebida líquida, à base de vodca, leite condensado, guaraná e canela em pó. Em meio à muita música, Jaylson confessou a sua insatisfação em relação à falta das receitas com base no cupu. “Senti a falta de muitas coisas, o que não falta aqui é cachaça”. Ele relata que já existiram edições melhores, como a que recebeu a banda Calypso.

A reportagem procurou os derivados do cupu e foram encontrados somente dois, o licor e o bombom. É possível extrair da fruta diversos tipos de receitas diferentes, como o mousse, sorvete, doce, vitamina e o verdadeiro licor. Aproveita-se tudo, desde o caroço até a casca. A dona da barraquinha que fez o licor, ofereceu por R$ 2 meio copo descartável da bebida. Depois de garantir o seu copo, Ivo de Oliveira virou-o de uma vez só, descendo o líquido garganta abaixo. Provou, aprovou e não deixou dúvidas: “É 51 pura, nada de Velho Barreiro”.

Sexta, 20, foi a vez dos vocalistas Romário Sousa, Vando Silva e o tão esperado Biu do Piseiro, cantor muito conhecido em toda a região. Ele apresentou canções que estão na boca do povo: “Seu after sou eu” e “No beco ou na casinha”. A praça não é muito grande, ainda mais com tantas pessoas juntas em um mesmo evento. No segundo dia, o movimento era maior, por conta da atração principal da festa, que começou pouco depois da meia-noite. A concentração mais intensa era ali mesmo, em frente ao palco. Havia casais dançando e grupos de jovens bebendo e cantando junto ao vocalista Biu.

 

Biu do Piseiro, apresentou hits como “Seu after sou eu” (Foto: Geiza Freire)

 

Na ponta da praça e meio distante do palco, os ânimos se exaltaram. Como quase todo ano, a confusão já estava feita. E foi aquele alvoroço, bate-boca e empurrões misturados com álcool. Teve até quem ficasse quase despido na parte de cima por conta do “puxa-agarra” daquela baderna.

A diretora do Departamento de Eventos e Cultura da prefeitura, Suene Oliveira, comentou  a programação que ocorreu durante a festividade, que está na sua XV edição, organizada em parceria com o Sebrae. Depois de dois longos anos de pandemia, a festa rolou em 19, 20, 21 e 22 de maio.  “Durante nossa programação tivemos o famoso concurso de pratos feitos com o próprio Cupu, ocorreu a final do campeonato de futebol Taça Cupu e, durante o dia, a XII edição do Enduro do Cupu”.

O sábado, 21, foi dia de manobras radicais para os motoqueiros durante a tarde, e mais festa, com  David e Danilo, Moura Santos e Forró Perfeito. E no último dia, além de um café da manhã, a trilha dos motoqueiros teve direito a som automotivo comandado por Mc Kiko, Dj Gabriel Melo e Dj Jheff.

Suene Oliveira explicou que a equipe de organização do evento foi composta por diretores, secretários, chefe de gabinete, prefeito e primeira-dama. Já a de apoio, com a participação dos funcionários da vigilância sanitária, teve a missão de receber e organizar os barraqueiros.

 

População mostrou que estava com muita saudade da festa (Foto: Magson Alves)

 

Quatro dias e quatro noites de programações movimentaram a economia da cidade esperantinense.  Hotéis e pousadas do município ficaram pequenos para o número de turistas que vieram a passeio. Fazer parte dessa vivência é relembrar a felicidade de noites que não eram festejadas há dois anos, esquecer o medo e os receios de abraçar novamente. Dizer oi, mostrando a expressão facial alegre, dançar em meio à multidão, e caminhar lado a lado de velhos e novos amigos.

Fruto precioso

O cupu, fruta originária da Amazônia, é considerado uma das mais importantes fontes de renda da cidade, além de contribuir com a sua infraestrutura. Os moradores locais sentem-se privilegiados em época de safra, pois colhem o fruto, cortam e empacotam para vender aos comerciantes locais. Eles compram dos cultivadores em torno de R$ 4,50 a R$ 5 o quilograma da polpa, para depois revender, a um custo mais elevado, para empresas de médio a grande porte dos estados vizinhos, como Maranhão e Pará. Adalton da Silva, microempreendedor individual e filho de agricultores, especifica que existem espécies diferentes como o cupuaçu, que contém características distintas das demais, como a casca grossa, grande e volumosa, mas reivindica mais estrutura. “Não temos condições de montarmos uma pequena indústria dentro da cidade”, lamenta.

Além de fazer a economia girar, o empreendedor conta que só nessa temporada de colheita já transportou em torno de 12 toneladas de cupu para Imperatriz (MA), sendo que uma safra dura de três a quatro meses. “Creio que a nossa cidade produz em torno de 70 a 80 toneladas por safra”. Adalton afirma, ainda, que a região Tocantina tem um diferencial quando o assunto é a polpa do cupu. Na Bahia, o caroço da fruta é retirado na despolpadora, fazendo com que ela solte um caldo grosso, sendo que nessa região o processo é manual, feito com a tesoura, para separar a polpa do caroço, tornando-a mais consistente e original, sem nenhum tipo de aditivos.

Origens

Os preparativos de logística seguiam mesmo dias antes da festa, para a montagem do palco, a iluminação, geradores de energia e a limpeza da cidade. Mas nem sempre foi assim. As barracas dos vendedores, que hoje são estruturadas com ferro e cobertas com lona, eram todas feitas de madeira e cobertas com palhas de coco babaçu.

A coordenadora do Colégio Estadual Joaquina Maria da Silva, Cleucilene dos Santos Nunes, lembra que a ideia da festa teve início há 17 anos, em um sábado letivo, quando os funcionários estavam conversando sobre as festividades tradicionais da região.  Os presentes se lembraram, na ocasião, da Festa do Arroz, do município de Carrasco Bonito, que era bem conhecida  no Tocantins e uma das mais tradicionais da época. “Daí naquela discussão, ‘por que que a gente não cria a festa do Cupu?’ Uma vez que na nossa região tem tanto Cupu. E aí a gente faria o mousse, o doce, a vitamina e outros”, explica Cleucilene.

O prefeito da cidade na época, Armando Alencar da Silva, ficou responsável por trazer os músicos para a festa. E tinha até quem fazia artesanato produzido da casca da fruta. “Todo aquele dinheiro arrecadado na festa a gente utilizava na escola. Uma vez compramos um teclado, e às vezes guardávamos para a festa dos professores”, conta Cleucilene. De 2010 até a edição atual, a organização ficou por conta dos administradores da cidade.

A ideia nasceu dentro da escola, mas a intenção era realizar a festa na praça, para a população inteira. Para que isso ocorresse, foram estabelecidas parcerias com a prefeitura da cidade, o Sebrae e também com a Ruraltins (Instituto de Desenvolvimento Rural do Estado do Tocantins). “Conseguimos uma moça da cidade de Augustinópolis, que veio nos capacitar pra gente aprender mais a como manusear os derivados da fruta”.

A origem da festa se deu em um momento de inspiração e muitas ideias, segundo explicou Cleucilene. A coordenadora, que seguiu como principal organizadora da festa até 2010, sempre no mês de maio, lembra que no dia do primeiro evento as guloseimas foram todas produzidas dentro da escola. “Nós organizávamos a questão das barracas, confeccionávamos as camisetas, marcávamos os lugares onde as barracas ficariam concentradas, as divisões. Tudo isso a gente fazia, era bem trabalhoso. Além do mais, a maioria dos dias festivos eram letivos, tínhamos que dar aula e trabalhar na festa. Passávamos muito estresse e tínhamos pouco retorno”, recorda Cleucilene sobre aqueles tempos pioneiros.

Mesmo com o fato de muitos cantores renomados como Anjo Azul, Calipyson, Forró Boys e Marizan Rocha já terem participado da Festa do Cupu e apesar de todo o trabalho envolvido, a coordenadora lembra que como ela foi criada por essa equipe original seria interessante um pouco mais de crédito. “Queríamos pelo menos um crédito como idealizadores da festa, e acredito que na escola tenham documentos e fotos que sirvam de evidência”, reivindica Cleucilene.

* Esta matéria faz parte do Projeto Vivências, que estimula os estudantes de jornalismo a abrirem todos os seus sentidos e narrarem ambientes, ações e personagens.