Estrangeiros em Imperatriz: Conheça o “Tio Ali”, dono de uma das esfirrarias mais famosas de Imperatriz

Foto e texto de Lorena Lacerda

 

"Percebo que aqui [...] a maioria das pessoas parecem não ter medo de Deus"
“Percebo que aqui […] a maioria das pessoas parecem não ter medo de Deus”
Ali OmaisYanim, popularmente conhecido como “Tio Ali”, 43 anos, formado em administração pela UEMA (Universidade Estadual do Maranhão) é o proprietário há oito anos de uma das esfirrarias mais tradicionais do centro de Imperatriz. Brasileiro, mas, pertencente a uma família muçulmana que veio para o Brasil nos de 1963 fugindo das instabilidades econômicas e sociais que estavam ocorrendo no Líbano, o empresário e sua família são figuras populares na cidade, conhecidos pelo seu tempero tipicamente árabe,  mas também pelas peculiaridades advindas de sua religião e cultura.

Atualmente casado com uma brasileira, pai de dois filhos, ele garante que sua família sente-se bem recebida pelos imperatrizenses e que não enfrenta muitas dificuldades para seguir e manter os costumes muçulmanos, mesmo depois de 50 anos de vivência em uma região que pouco conhece sobre costumes islâmicos.

Nesta entrevista, ele responde como representante da família Omais, abordando as dificuldades de ser muçulmano em Imperatriz, os preconceitos, os tabus em torno da cultura, educação das novas gerações, além do sucesso e curiosidades de seu restaurante.

Ele e a família representam muito bem como construímos más imagens de acordo com suposições e teorias imaginárias, pois, admito, fiquei surpresa ao descobrir quem era a figura por trás do nome “Tio Ali”. Sim, você não está vendo errado, ele é o caixa da esfiaria. Em outras palavras, o empresário e sua família não só administram o empreendimento, como põem a mão na massa, literalmente, para que ele dê certo.

Atualmente, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), no Brasil existem cerca de 30 mil praticantes de islamismo. Em dados por estado da região Nordeste, o Maranhão está em terceiro lugar, embora o número de islâmicos aqui seja bem pequeno, apenas 142 declarados. Mas, os números não são absolutos, algumas entidades islâmicas, como a Associação Religiosa Beneficente Islâmica do Brasil (ARBIB), afirmam que são mais de 1,5 milhão de islâmicos no território brasileiro. De qualquer modo, estudos da AIBIB asseguram que a maioria dos imigrantes muçulmanos está em cidades pequenas, como é o caso de Imperatriz.

 

Imperatriz Notícias: Sua esfirraria é uma das famosas da cidade. Como conseguiu esse sucesso?

Ali Omais: O respeito ao consumidor, pois, o islamismo ensina que devemos sempre respeitar as pessoas, independente de qualquer diferença, tentamos sempre trabalhar isso no nosso restaurante.

 

IN: Mas vocês mantém alguns costumes antigos. Uma curiosidade, por que vocês não trabalham com cartão de crédito?

AO: Não usamos cartão de credito por causa de uma visão negativa que tenho sobre ele. O governo investe em facilidades para o uso de cartões. Até jovens universitários, como você, têm facilidade para isso. Direto você vê propagandas que incentivam o uso, compras de valores baixos, pagas com cartão. Infelizmente o dinheiro vai acabar, esse é o caminho. Mas, vejo no uso do cartão um modo que o governo utiliza para cobrar mais imposto sobre os serviços públicos.

"“Já andei com minha irmã no supermercado e as pessoas brincarem: olha a mulher bomba!”
““Já andei com minha irmã no supermercado e as pessoas brincarem: olha a mulher bomba!”

IN: O que agregou na sua vida ser brasileiro, maranhense, com origens libanesas?

AO: Consigo ver a diferença de como é lá no Líbano e como é aqui. Podendo tirar benefícios disso. De ambos os lados.

 

IN: No Brasil existe um número expressivo de mesquitas, no entanto, na nossa região e estados vizinhos não existe nenhuma.  Qual a dificuldade dos muçulmanos dessa região em fundar uma mesquita?

AO: Na capital do Pará, Belém, ainda não possui uma mesquita, mas, podemos dizer que já tem um orientador religioso, e Manaus também possui uma mesquita. A maior dificuldade em fundar uma nessa região de Imperatriz e proximidades, são os custos financeiros e também seria necessário um número maior de muçulmanos para conseguir isso.

 

IN: Você disse que o Brasil é acolhedor, no entanto, como me disse, já ouviu piadas do tipo “olha o homem bomba”. Essas piadas conseguem lhe ofender em que sentido?

AO: Nunca sofri discriminação pesada, mas, brincadeirinhas. Já andei com minha irmã no supermercado e as pessoas brincarem: olha a mulher bomba! Mas nada que chegou a me ofender. Acredito que essa reação é por causa da educação que tive, do que acredito e aprendi com a cultura muçulmana.

 

IN: Em uma conversa anterior, falamos sobre muçulmanos radicais retratados na mídia e, infelizmente, visto pela maioria como atitude comum a todos os muçulmanos. Que mensagem você deixaria para que as pessoas conheçam a real riqueza da cultura muçulmana?

AO: A maior riqueza da religião islâmica é que ela sempre prega a paz, o amor ao próximo. Tudo que você ver relacionado ao islamismo que apresenta morte e violência, não é islamismo. Porque a palavra islamismo é sinônima de paz, islã significa paz. Muitas dessas coisas que pintam sobre o islamismo, são erradas. É sempre muito amor à família, muito amor ao próximo, em especial, à família.

 

IN: Qual a sua opinião sobre as discussões acerca da possível opressão das mulheres na cultura muçulmana?

AO: Em todos os lugares existem homens machistas, na religião islâmica também. Talvez tenha mais que as outras. Mas, em todas as religiões e culturas ainda existe machismo, umas têm mais, outras menos. Talvez no islamismo isso seja visto mais pela questão da mulher ser submissa. No Líbano tem um ditado: Quando uma mulher casar com um homem, se ela fizer todas as vontades dele, ele será o escravo dela. Então, se ela for uma boa esposa, ele vai ser escravo dela. Tudo que ela pedir, o marido vai fazer.

 

IN: Sua família está no Brasil há mais de 50 anos e vocês ainda conservam os costumes muçulmanos. Como ocorre a educação das novas gerações para dar continuidade a esses costumes mesmo crescendo em uma cidade de cultura tão diferente?

AO: A gente procura sempre estar conversando.  Minha mãe e meu pai sempre conversavam comigo e tento fazer isso com meus filhos. Procuro sempre orientar, mostrar como era o comportamento de antigamente, meu comportamento, como é o dos jovens de hoje. Além disso, sempre tento levar eles para o Líbano, uma ou duas vezes ao ano, para verem o comportamento de lá e aqui. Agora, dia 9 de maio, estamos indo para lá. Meu filho tem 17 anos e já foi lá várias vezes, passou uma temporada, três meses, e teve oportunidade de entrar em escolas, viu como era o comportamento dos jovens muçulmanos. Percebo que aqui é meio sem religião, a maioria das pessoas parecem não ter medo de Deus. A religião muçulmana muitas vezes é vista como intolerante porque não aceita brincadeiras, levam religião como algo muito sério, de todos os dias, para toda vida. Aqui no Brasil muitas pessoas acham que podem se redimir em algum momento.