“Intervenho, logo existo”: doutora em Comunicação, Giovana Mesquita explica a nova audiência no Jornalismo

Texto e fotos de Eugenia Nascimento

Giovana Borges Mesquita é doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora no curso de Jornalismo na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), campus de Imperatriz, fez estágio na Universidade Pompeu Fabra de Barcelona. Em sua tese de doutorado – “Intervenho logo existo: A audiência potente e as novas relações no Jornalismo”- ela trata  do envolvimento da audiência na produção de notícias em decorrência da Web 2.0 – “uma fase no desenvolvimento da World Wide Web que favorece e promove a participação dos usuários”. Entretanto, seu interesse em estudar a relação entre audiência e Jornalismo surgiu bem antes do doutorado. Ela nos contou que já vinha pesquisando o Jornalismo de uma forma geral quando trabalhava em veículos de comunicação percebendo que “havia uma participação e um envolvimento da audiência que era diferente”. Depois de observar, estudar, pesquisar, Giovana inovou criando o conceito de “audiência potente”, que ela define como “agente que se envolve ou é envolvido nos processos, nas práticas e nas rotinas jornalísticas possuindo: capacidade de propagação da informação, capacidade de transformação e capacidade de amplificação”. Atualmente ela tem uma série de artigos publicados, nos quais discorre sobre o assunto que será abordado nesta entrevista: a audiência potente. Infelizmente não é possível colocar no texto o sotaque dessa pernambucana que, além de muita simpatia, trouxe bastante conhecimento na bagagem.

"Na verdade, a linha editorial nunca é comprometida por causa da audiência, até porque envolve outros interesses do jornal que eles não vão deixar na mão da audiência"
“Na verdade, a linha editorial nunca é comprometida por causa da audiência, até porque envolve outros interesses do jornal que eles não vão deixar na mão da audiência”

Imperatriz Notícias- Quais as características que essa nova audiência tem que a diferencia do que ela era antes?

Giovana Mesquita- Antes a gente tinha uma ideia de uma audiência que Vizeu chama de Presumida. Nela, o jornalista pensava que a audiência gostaria de ler algo sobre. Vamos dizer, estava no momento do Dia dos Namorados, aí você pensava que teria interesse de ver matéria sobre presentes, presentes mais baratos. O que eu conceituo como audiência potente é aquele homem e mulher não-jornalista que se envolve ou é envolvido com o Jornalismo e que altera a construção da notícia de diversas formas, participando nessa proposta de enviar conteúdo, mas para além disso, movimentando nas redes sociais. Isso interfere em como a noticia hoje é construída.

I.N– A audiência potente está pautando as matérias jornalísticas?

G.M– Com certeza.

I.N– De que forma?

G.M– Por exemplo, na minha pesquisa eu identifico situações do tipo: um conteúdo que não estava nas pautas do jornal, ao final do dia o editor de redes sociais, que é uma nova figura que surge no quadro jornalístico, observa que aquele conteúdo foi trending topics e aí ele resolve trazê-lo. Óbvio que esteja dentro dos critérios de noticiabilidade. Ele traz aquele conteúdo para o Jornalismo. Isso é uma mudança considerável, esse observar dessa movimentação, dessa audiência que reverbera nas redes sociais. Portanto o jornalista traz uma temática que muitas vezes nem seria pauta naquele dia.

I.N– Como fica a linha editorial do jornal já que a audiência está pautando?

G.M– Na verdade, a linha editorial nunca é comprometida por causa da audiência, até porque envolve outros interesses do jornal que eles não vão deixar na mão da audiência.

I.N– Essa audiência que está participando da escolha das pautas não é especializada, isso faria cair a qualidade do produto jornalístico?

G.M– É um desafio para o Jornalismo, porque ele não pode estar somente refém dessa audiência. Digamos assim: “a audiência reverbera esse assunto com grande força, portanto isso vai virar notícia”, não! Ele precisa ter todos os critérios que regem a seleção da notícia.

I.N – De que forma essa intervenção modifica a rotina jornalística?

G.M– De varias formas. Na apuração, por exemplo, antes você pegava o telefone e fazia uma ronda, lia os jornais, olhava o que tava sendo veiculado na televisão, com audiência potente você faz tudo isso e faz mais, você vê como ela se movimenta nas redes sociais, como ela repercute uma temática, como ela reverbera aquilo que você colocou. Essa é uma das modificações na rotina produtiva. Outra modificação importante é que há uma possibilidade dela amplificar muito facilmente a sua fala. O jornalista é meio que monitorado por essa audiência, tem que estar atento sempre, porque ele tem um monitoramento para além do seu chefe, ele tem um monitoramento de toda uma audiência.

I.N– Os jornalistas estão preparados para lidar com essa nova relação audiência-jornalismo?

G.M– Não. Eu não acho que estão preparados. Ambos os lados, tanto audiência quanto Jornalismo não estão se dando conta da força disso. Essa audiência tem apenas dimensão da força que ela pode ter.

"Essa audiência tem apenas dimensão da força que ela pode ter"
“Essa audiência tem apenas dimensão da força que ela pode ter”

I.N– Quanto ás universidades, elas estão ensinando os estudantes de Jornalismo a lidar com a audiência potente?

G.M– Já começa a ter essa perspectiva. Há muitas pesquisas a finalizar nesse sentido, mas já há um olhar considerando essas informações.

I.N– Como que fica o regionalismo dentro da audiência potente, já que estamos falando de uma audiência dentro do ciberespaço?

G.M– Então, acho que é inclusive uma possibilidade de levar pautas que possivelmente não chegariam a certos lugares. Agora você tem essa possibilidade de trazer novos assuntos, novos lugares, novas pessoas. Acho que isso só potencializa o regionalismo, é mais favorável do que poderia ser desfavorável.

I.N– Acontecem casos de jornais que criam uma ilusão de participação da audiência, mas não levam em conta a opinião desta?

G.M– Sim, na verdade muito dessa forma de envolver a audiência é estratégia de participação utilizada para ter essa audiência no seu jornal, são estratégias mesmo mercadológicas, mais do que interesse legítimo de trazer conteúdos para serem noticiados.

 

Se você é daqueles que curte estar sempre atualizado, confira o link da tese de doutorado da nossa entrevistada. http://repositorio.ufpe.br/bitstream/handle/123456789/13152/TESE%20Giovana%20Borges%20Mesquita.pdf?sequence=1&isAllowed=y