Entrevista: Pesquisadora da UFMA, Izani Mustafá investiga as rádios comunitárias no Brasil

 

                                                                               Repórter: Cinthya Monteiro e Letícia Pereira

                                                                                                    Fotos: Arquivo pessoal da fonte

 

 

Formada em Jornalismo, doutora em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e coordenadora do grupo de pesquisa “Rádio e Política no Maranhão” (RPM), Izani Mustafá, hoje aos 60 anos, atua como professora adjunta da graduação e pós-graduação de Comunicação Social/Jornalismo, na Universidade Federal do Maranhão, campus Imperatriz. Em conversa com o Imperatriz Notícias,  a professora relata seu interesse desde criança pela rádio e como isso sempre o acompanhou na sua vida pessoal e durante sua formação profissional.

Com o ensino voltado sobre rádio para acadêmicos da universidade, para a professora é gratificante incentivar o interesse pela rádio e atualmente também pelo podcast aos alunos, prezando pela prática, para que tenham um conhecimento mais aprofundado, não só sobre as rádios locais, mas também sobre a história do rádio no Brasil.

Em um recém artigo publicado “A função social das rádios-postes do Nordeste do Brasil”, juntamente com a pesquisadora doutora Giovana Mesquita, da UFPE, foi realizado um recorte sobre rádios postes que funcionam como rádios comunitárias no interior do Brasil. A importância e a prestação de serviço de rádios como essa para a comunidade são essenciais no desenvolvimento sociocultural, e na integração das pessoas de determinadas comunidades no interior do estado.

Em um tipo de frequência modulada (FM), as rádios comunitárias surgem com o intuito de promover a cultura e o entretenimento local de comunidades, sem fins lucrativos. O alcance de uma rádio comunitária chega a 1 quilômetro em relação à antena transmissora, o que torna limitado apenas para a própria comunidade. Devido a circunstâncias como essa, normalmente são instaladas várias rádios comunitárias em pequenas e grandes cidades.

Nessa entrevista, Izani Mustafá, professora de laboratório de rádio da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) campus Imperatriz, nos conta um pouco sobre o papel de rádios comunitárias, como elas fazem para cumprir seu papel em prol da comunidade, e quais seus desafios nos dias atuais, em uma era de grandes avanços tecnológicos principalmente para os meios de comunicação.

 

Imperatriz Notícias: Como a rádio comunitária funciona? o que ela significa para a comunidade?

 Izani Mustafá: A nossa legislação brasileira tem três tipos de rádio, são as rádios comerciais privadas, que podem ser AMs e FMs. Tem as rádios comunitárias que tem uma lei de radiodifusão comunitária que só surge em 1998, e aí sim é fomentada a rádio comunitária, e temos as rádios educativas e dentro das educativas estão as universitárias e as públicas, a nossa legislação só dá esses três tipos de rádio. As rádios comunitárias quando surgiram elas tiveram um papel superimportante, apesar da limitação porque para se ter uma rádio comunitária precisa ter uma entidade comunitária, uma fundação ou uma associação comunitária, que não tenha fins lucrativos para criar a rádio comunitária na sua comunidade. Essa rádio só pode ter transmissão de até 1 quilômetro, ela não pode ter anúncios publicitários nem patrocinadores, mas pode ter apoio cultural. E apesar de ter uma baixa potência, a rádio comunitária cumpre esse papel social. Para entender uma rádio comunitária, sempre sugiro para os alunos assistirem o filme “uma onda no ar”, ele mostra exatamente papel da rádio comunitária, oferecer informações para aquela comunidade e entrevistar as pessoas daquela comunidade. Então isso é superimportante, oferecer informação de utilidade pública é contribuir para que as pessoas sejam informadas e formadas como cidadãos, dá conteúdo de cidadania, comportamento e saúde.

 

IN: Como é feito para atrair a atenção do público para a programações como a de rádios comunitárias na cidade, tendo em vista outros veículos de comunicação ganhando mais espaço hoje em dia?

IM:  Olha depende muito, assim, eu não consigo ouvir as rádios comunitárias porque como elas têm um distanciamento de até 1 quilômetro, pelo menos as legalizadas, eu não posso analisar as rádios comunitárias daqui por enquanto, e elas dificilmente tem um site que as mantém online também, e às vezes sai do ar. Para ter uma programação depende do interesse dela, se ela é uma rádio comercial, às vezes é muito mais barato, por exemplo, ter só um apresentador que controle tudo, que apresenta um programa de quatro horas na parte da manhã e à tarde só toca música, do que contratar dois ou três jornalistas, porque produzir conteúdo e fazer jornalismo, é muito mais caro.  Imagina, se eu tiver dois repórteres na rádio, eles terão que sair, vão ter que se deslocar, vão ter que usar carro, entende? vai ter que ter um microfone, um celular para falar ao vivo, então isso é muito mais caro.

 

IN: Quais os impactos da rádio comunitária para a comunidade aqui na cidade, naquela época que a tecnologia não era tão avançada?

 IM: Eu acho que se fizer um serviço público, de interesse público produzindo conteúdo que interessa aquela comunidade, ela vai está cumprindo seu papel inicial estabelecido na lei que é, integrar a comunidade estimular a cultura, o convívio social, também contribuir para o aperfeiçoamento deles e promover ações sociais de integração.

“Quando a gente pensa na relação do rádio, por que que não ouvem determinadas rádios, certamente é porque a programação não está mais agradando”

 

IN: A rádio funcionava como correio de mensagem também?

 IM: Sim claro, aliás as rádios comunitárias têm esse papel de divulgar aviso mensagens para as pessoas que estão ouvindo. Apesar dessa nossa nova tecnologia de estar na internet, muitas rádios cumprem essa lei estabelecida, isso ainda acontece e é muito importante.

 

IN: Na sua opinião, em relação ao público geral, por que não consomem mais a rádio comunitária como antes?

 IM: Quando a gente pensa na relação do rádio, por que que não ouvem determinadas rádios, certamente é porque a programação não está mais agradando, já não é mais uma rádio que interesse. E aí às vezes as pessoas são levadas a ouvir uma rádio que tenha transmissão ao vivo, que às vezes o apresentador pode estar falando demais, aí elas preferem ouvir o podcast pelo gosto delas. Hoje tem muito mais variedade e mais opções para a gente escolher o que quiser.

 

IN: É possível a rádio comunitária se reinventar? Como por exemplo agora com o surgimento dos podcasts, que funciona como uma ramificação do radialismo.

IM: Ela pode sim se reinventar, ela pode por exemplo, se tiver condições de ter o programa e gravar, depois distribuir em formato de podcasts para os jovens, já que a gente tem várias plataformas de streaming. Por exemplo, hoje eu faço entrevista em minha rádio comunitária com o infectologista da cidade para falar sobre a vacinação contra a Covid, eu gravo esse trecho e posto na plataforma de streaming e divulgo nas redes sociais para meus ouvintes. Então você está ampliando que outras pessoas ouçam o programa, e que se não conseguiram ouvir ao vivo, ouçam depois. Então tem várias formas, a gente consegue divulgar a informação muito mais do que vinte anos atrás.

 

 

Bate-bola

 

IN: Livro que mudou sua vida?

IM: “100 anos de solidão” do Gabriel Garcia Márquez, um livro que eu adoro e preciso voltar a ler. “As veias abertas da América Latina” do Eduardo Galeno e a sangue frio do Truman Capote, é um livro super didático que eu gosto de usar nas aulas.

IN: Livro que gostaria de ter escrito?

IM: Eu acho que a minha tese, que ainda não virou livro. “O uso político dos rádios no governo Getúlio Vargas e Salazar de 1930 a 1945”, preciso escrever esse livro.

IN: Uma música para tocar na sua playlist?

IM: “Sonífera Ilha”, não sei eu sou apaixonada por música então assim, a música me acompanha, cada música tem uma história, se fosse atual, vou pensar no momento amoroso então um Diogo Nogueira “Pé na areia”, a música é tudo.

IN: Uma série que indicaria?

IM: Eu acho que “La Casa de Papel”, bem popular. Eu gosto de ação e eu gosto de todas as séries espanholas, gosto muito dos filmes espanhóis.

IN: Uma dica para quem quer ser jornalista ou outra profissão, se for o caso?

IM: Eu acho que para ser jornalista tem que ter curiosidade, tem que gostar de ler, não tem que ter preconceito. “Ah eu não gosto de assistir a Globo, porque a Globo é Globo lixo”, “ah não vou assistir a Record porque é evangélica”, “não vou assistir o SBT porque é do Silvio Santos”, eu acho que a gente tem que tirar essa roupa, ou pelo menos em algum momento a gente tem que conhecer todos os meios de comunicação possíveis, ler os jornais possíveis, o Estadão, a Folha, a Globo, os jornais regionais, e aí sim, a gente vai ter propriedade para dizer, olha eu gosto da Folha por isso,  ah eu não gosto da Folha por isso. Você tem que conhecer os meios de comunicação. A gente não pode falar que não gosta simplesmente, a gente tem que ter argumentos. Eu acho que a gente tem que pesquisar, saber pesquisar, o jornalista não é o cara que sabe tudo, mas é a pessoa que sabe procurar as informações e onde estão as fontes que podem falar sobre. O jornalista além de ser curioso, de querer ler e estudar, estar atualizado é querer também. Infelizmente hoje o repórter está muito mais na redação do que na rua, e às vezes a gente faz a cobertura de um evento, entrevistar alguém em um evento, e esquece de ouvir as pessoas. A gente sempre procura as fontes autorizadas, e esquece de ouvir as pessoas também. Acho que a gente tem que olhar com mais cuidado para essa diversidade, essa pluralidade que a nossa sociedade tem. Então a gente tem que ficar sempre atento. E um jornalista por exemplo, ele tem que saber que tudo é palco, e sempre desconfiar principalmente de números, de dados que nos apresentam, de pesquisa, relatórios. A gente sabe que às vezes essas fontes autorizadas nos levam para outros caminhos, que às vezes apontam para outros lados. Então sempre tem que ficar com um pé atrás, sempre desconfiar, no bom sentido mas, para aprimorar a nossa apuração.