Entrevista com Elaine do Carmo, curadora da Mostra de Cinemas Negros e Africanos do Tatajuba/NEAI-UEMASUL

Por Julie P. Sá

”A mostra de cinema foi o resultado do encontro entre as professoras Solanda e Maristane, ou melhor, do Núcleo de Estudos Africanos e Indígenas, da UEMASUL (NEAI), com o centro cultural TATAJUBA. Essa parceria que visa a promover ações e eventos para a valorização da população negra, valorização da cultura, identidade, da contribuição cultural da população negra na formação da cultura regional.” afirma Elaine. A curadoria da mostra foi realizada em conjunto com a professora Maristane Sauimbo, coordenadora do Núcleo de Estudos Africanos e Indígenas – NEAI, da UEMASUL.

Elaine do Carmo – Jornalista e pesquisadora de Cinemas Negros e Cinemas Africanos, curadora da mostra.
Foto: Acervo Pessoal da entrevistada

Imersa no mundo artístico há mais de 15 anos, Elaine do Carmo é bailarina, roteirista, assistente de direção e comunicação, além de atuar como produtora cultural na Massai Digital, agência que fundou em 2018 e atua desde então. Graduou-se em Comunicação Social/Jornalismo em 2012 e atualmente é mestranda em Cinemas Negros e Cinemas Negros no Feminino, pela Fafich UFMG. Pesquisadora na área cinematográfica, Elaine realizou a curadoria da Mostra de Cinema Negro e Africano realizada nos dias 21, 22 e 23 de novembro.

“Esta é a segunda parceria artística do Centro Cultural Tatajuba com o NEAI/UEMASUL. Estamos unindo esforços para valorizar a cultura local, pensando nas próximas gerações. Desejamos que os jovens cresçam conhecendo e valorizando a grandiosidade de suas origens, fortemente marcadas pelas culturas vindas do continente africano”, comenta Solanda Steckelberg, idealizadora do Centro Cultural Tatajuba.

Em entrevista ao Imperatriz Notícias, Elaine contou um pouco mais sobre os filmes escolhidos, e deu detalhes do processo de idealização desse evento, bem como sobre a escolha dos filmes.

Imperatriz notícias: Como foi idealizada a Mostra? 

Elaine: A Mostra surge do desejo de dois locais: Centro Tatajuba e UEMASUL, que estão empenhados em produzir e incentivar o ensino de cultura, promover a educação por meio da cultura, idealizando um evento para a valorização das raízes culturais da região. A professora Maristane contribuiu no sentido de solicitar que tivesse um filme africano e que esse filme propusesse uma reflexão não muito abstrata, que não fosse distante das pessoas. Nada tão experimental que pudesse se distanciar da realidade das pessoas da região que iam participar do evento.

Imperatriz notícias: O evento é voltado apenas para a comunidade acadêmica ou a sociedade em geral também está convidada a participar?

Elaine: O evento não é voltado apenas para a comunidade acadêmica. O primeiro dia de mostra, que foi o dia 21, ocorreu no auditório da UEMASUL, e consequentemente, teve uma maior presença de graduandos, professores, enfim, do ambiente acadêmico. Para alcançar diferentes públicos, resolvemos exibir os filmes programados para amanhã no Centro Cultural Tatajuba, que fica na avenida Getúlio Vargas. Acreditamos acima de tudo, no livre acesso à cultura, e a ideia do centro cultural é incentivar a produção dessa cultura, o acesso livre desses produtores de espaço também. Apesar de situado na UEMASUL, o NEAI atravessa as fronteiras da universidade e tem esse papel educador que vai além do campus.

Imperatriz notícias: Como foi feita a escolha dos filmes? Quais foram os critérios?

Elaine: Fizemos uma curadoria híbrida. Uma parte mais conceitual, concentrada no primeiro dia, e uma segunda parte pautada na fabulação das questões que perpassam a vivência diária da população negra no Brasil. Eu fiz as escolhas a partir do que achei que as pessoas iriam gostar de ver, mas também no que acrescentaria de conhecimento sobre novas produções e sobre a história do cinema negro e dos cinemas africanos.

O processo de escolha desses filmes foi um processo de muita reflexão, para tentar trazer algo que fosse múltiplo, diverso, que representasse toda a população negra, e também que fosse algo muito próximo da realidade das pessoas, que houvesse um processo de identificação com quem tá ali na tela, que se enxergasse, que se identificassem com o que está representado lá. Além disso, promover uma protagonização cinematográfica negra.

Para a primeira sessão foi escolhido um filme que tem uma grande relevância histórica que é considerado por muitos teóricos e autores negros o primeiro filme de cinema negro do país por ser a primeira obra que traz uma visão positiva dos traços fenotípicos da população negra (cabelo, olho, pele) que são a base da construção do gatilho pro racismo. Eu como mulher negra retinta, posso dizer que a gente já nasce com papel pré-determinado na sociedade, que é um local de subserviência. A gente já nasce com falta de acesso para que a gente gradualmente seja direcionada e mantida sem acesso à educação, à produção de senso crítico, informação.

Imperatriz Notícias: Pode falar um pouco sobre os cineastas escolhidos? 

Elaine: Os cineastas que estão na mostra foram selecionados de acordo com as diferentes perspectivas de suas obras, que abordam muitas questões em diferentes direções que perpassam a vida e os temas que interessam às pessoas negras.

Cartaz do filme brasileiro Impermeável Pavio Curto

O Higor Gomes, em o Impermeável Pavio Curto, por exemplo, traz a história da uma menina da periferia, da região metropolitana de Belo Horizonte, e é um cineasta que está sempre com os olhos voltados para as questões específicas da periferia, sua identidade filmográfica nessa obra é basicamente isso.

Viviane Ferreira, cineasta e presidente da SPCine Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

A Viviane Ferreira, primeira diretora de um filme de longe metragem de ficção no Brasil, teve sua obra lançada em 2019. Temos mais de 100 anos de cinema no Brasil e aproximadamente 50 anos de cinema negro, e apesar de termos a Adélia Sampaio, considerada por muitos a primeira cineasta e diretora negra do Brasil, a história que ela escolheu abordar não contempla uma temática negra. Foi um filme de questionamento de temáticas sociais, mas, que não abordava especificamente, uma história de protagonismo negro. E a Viviane, somente em 2018, conseguiu alcançar esse lugar. Me preocupo em não ficar ”rankeando”, ou seja, colocando em ranking as produções, faço apenas um destaque em relação a dificuldade para produzir cinema negro e cinema africano. Quando falamos na produção artística não-negra, observamos que esta produção se dissemina com mais facilidade, não sofre repetidos movimentos de invisibilização como acontece com as produções de cultura e imagem de pessoas negras.

Ana Pi, bailarina, cineasta, pesquisadora e militante

Incluímos ainda a obra da Ana Pi, que traz a questão diaspórica. Que discute como nós, pessoas negras no Brasil , esse movimento. Assim, nos vemos diante do que acontece no continente africano. E a Ana fez um trajeto por alguns países do continente, produzindo um documentário auto biográfico, em que relata esse processo do encontro dela com a identidade e ancestralidade. Também com as diversas informações culturais que aparecem em sua vida e na vida de sua família.

Frame do filme do Mali – Timbuktu

No terceiro dia traremos um filme chamado Timbuktu. Este filme traz uma nova abordagem sobre o Mali, um país do continente africano, desértico, pouco conhecido no Brasil. Essa película não se propõe a discutir o Islã, porém, a apresentar para o público uma nova perspectiva sobre a África. África que é um continente onde existe uma grande diversidade de cores de pele negra, não só pessoas retintas, como eu, por exemplo. E que tem suas raízes bem definidas no modo de vida africano.