“As pessoas são guiadas pelos seus líderes e, se os seus líderes não valorizam as mulheres da sua gestão, ninguém vai valorizá-las”, afirma Conceição Amorim

A cidade de Imperatriz-MA contará, em 2021, com apenas duas representantes femininas na Câmara de Vereadores. Esse total reflete uma queda no número de mulheres com participação efetiva na política local se comparado com as eleições anteriores, em que quatro mulheres foram eleitas para o cargo de vereadoras. “As pessoas votam nas pessoas que elas conhecem, que veem, que escutam, que acompanham na televisão durante a campanha eleitoral, que acompanham sua trajetória pessoal nas intervenções da cidade e nós podemos observar que as mulheres nessa cidade são completamente invisíveis”, analisa a presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, Conceição Amorim (foto).

Além de comandar o conselho, Conceição também foi responsável pela organização do primeiro grupo de feministas de Imperatriz, no Centro de Direitos Padre Josimo, em 1997. O grupo luta por políticas públicas para as mulheres e a sua maior participação nos espaços de poder da sociedade, pautando sempre o debate na perspectiva feminista e de gênero, e, em 2007, foi responsável por garantir a implantação da primeira Vara da Mulher do Maranhão e do Norte e Nordeste, no município de Imperatriz.

Apesar dos resultados eleitorais, 146 mulheres procuraram uma candidatura para o cargo de vereadora, indicando um aumento em relação à última eleição, de acordo dados do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE-MA). A justificativa é a obrigatoriedade que a legislação exige que cada partido tenha 30% de candidatas e o partido que não atingir essa cota terá problema para registrar seus candidatos. A média em Imperatriz ficou, inclusive, acima, pois o aumento foi de 32,5% enquanto que, na eleição passada, este número era de 30,7%.

Isso indica que, mesmo quando há uma elevação no percentual de candidatas nos partidos, ainda assim as mulheres não conseguem figurar nos cargos principais e, quando chegam perto de alcançá-los, nem sempre conseguem efetivamente realizar suas propostas. Na entrevista que segue, a líder feminista Conceição Amorim detalha essa situação e destaca a importância da representatividade feminina na política de Imperatriz.

Qual a importância da participação feminina na política local?

Conceição Amorim – A representatividade feminina nos espaços de poder e decisão governamental é determinante para se garantir a democracia. Numa cidade onde mais da metade da população são mulheres, significa dizer que, para que essa população esteja sendo alvo de políticas públicas, é necessário que tenha representação feminina para fazer esses pleitos. Então, a importância é absolutamente fundamental para garantir a democracia e para garantir os direitos das mulheres na efetivação das políticas públicas e da gestão pública, e assim por diante.

Nas eleições deste ano, a pessoa mais votada para o cargo de vereador(a) foi uma mulher, Terezinha Soares, e, segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE-MA), também houve o aumento do número de mulheres que buscaram uma participação mais efetiva na política, com 146 mulheres tentando uma candidatura. No entanto, nota-se que houve uma queda de 50% no número de mulheres eleitas, já que nas eleições de 2016 quatro mulheres foram eleitas e nas atuais eleições apenas 2. Por que você acha que isso aconteceu?

Conceição Amorim – Todos os melhores cargos políticos dessa cidade estão nas mãos dos homens. Quando nós analisamos a divisão da administração pública municipal, vemos que os principais cargos de chefia e as próprias secretarias não têm uma preocupação em se ter o mínimo de igualdade, e olha que profissionais competentes e qualificadas nós temos. Então, a primeira coisa seria pensar nessa ocupação dos cargos de gestão pública no contexto geral. Quanto à questão da participação das mulheres na perspectiva da representatividade feminina, ela condiz com a realidade da cidade no que tange a participação política das mulheres, desde a base, já que, quando a gente pega a história dos partidos políticos da nossa região, observamos que as mulheres são minoria dos cargos de presidente, tesoureiro, ou seja, nos cargos chave determinantes do partido. Dos 25 partidos hoje, que concorreram à última eleição em Imperatriz, apenas 5 eram dirigidos por mulheres, e nós sabemos que os partidos políticos no Brasil viraram agremiações exclusivamente para determinar candidaturas e pleitear os processos eleitorais e se você não tem o poder de decidir sobre os caminhos a seguir do partido, vai acontecer o que aconteceu na última eleição. De fato, todos os partidos políticos em Imperatriz cumpriram a cota, mas foi só cumprir a cota que os dirigentes partidários esqueceram as candidaturas femininas. O reflexo da eleição de duas candidaturas femininas significa exatamente a realidade objetiva do investimento dos partidos políticos. Todos, sem exceção, tinham como candidaturas prioritárias as candidaturas masculinas. Isso se dá a partir da própria estrutura do processo do debate político e da forma como se organizam internamente os partidos. A falta de democracia dentro deles é gritante, desde a ocupação dos cargos às reuniões que tomam as decisões, em que todas elas se dão a partir da ausência das mulheres. Precisamos reverter essa situação.

Em 2021, Imperatriz contará com apenas duas vereadoras na Câmara Municipal. Quais propostas a senhora, como especialista em políticas públicas de gênero e raça, acredita que deveriam ser apresentadas, por ambas as candidatas, com foco para a população feminina da cidade?

Conceição Amorim – O principal papel das vereadoras de Imperatriz deveria ser fiscalizar as políticas públicas existentes e pensar novos programas e projetos a serem executados na cidade, que tem toda uma estrutura na assistência social, na saúde, na educação, no desenvolvimento econômico e na agricultura. Nós somos uma cidade que criou recentemente uma guarda municipal e que, da forma mais escancaradamente sexista, determinou que só 20% das mulheres poderiam participar do quadro desses profissionais, o que é um equívoco tremendo por parte dos gestores públicos.

A efetivação dessa política foi assistida pelas vereadoras que estavam, naquele momento, representando a sociedade e não houve nenhum pleito para chegar a um percentual justo, que seria no caso 53% – que é o número de mulheres que nós temos na cidade de Imperatriz – ou uma disputa livre, já que o concurso tem exatamente esse papel. Então, é inconstitucional você determinar um percentual para um ou outro sexo participar, já que a Constituição Federal deixa claro a questão da inclusão da mulher no mercado de trabalho, sem uma cota tão reduzida como essa. Nada explica a atitude da gestão pública e o silêncio das vereadoras. Eu, enquanto presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, solicitei à Secretaria Municipal de Política para as Mulheres que me dissesse quais são os programas e os projetos que elas desenvolvem e me responderam: nada. Concretamente a estrutura da Secretaria da Mulher infelizmente não cumpre o seu verdadeiro papel. Então, as vereadoras têm a responsabilidade de fiscalizar as ações desenvolvidas pela secretaria de política para as mulheres. Quais foram as políticas executadas? Em que momento a Secretaria apresentou o desenvolvimento de todas as políticas pleiteando a questão da igualdade de gênero ou da igualdade racial? No levantamento que nós fizemos, absolutamente nenhum. Cabe às vereadoras, juntamente com a gestão pública da secretaria, apresentar projetos de leis que possam garantir a ampliação da política na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, para incluir as mulheres no mercado de trabalho.

É preciso ter uma ação concreta da Câmara de Vereadores, por exemplo, garantindo que a política habitacional do município de Imperatriz tenha viés de igualdade de gênero e garanta que as mulheres, especialmente as que são chefes de famílias, sejam prioridade no acesso a essas casas nesses conjuntos habitacionais e que a Câmara fiscalize essa distribuição e apresente um o projeto de lei que determine que as casas que não estão sendo utilizadas sejam redistribuídas.

Sendo assim, o papel das vereadoras, nesse contexto, é fundamental para garantir que as políticas públicas aconteçam de forma equânime, justa e universal. A Casa Abrigo funcionou durante esses últimos quatro anos sem a sua equipe multiprofissional e é preciso que as vereadoras observem e acompanhem o nível e a qualidade dos profissionais que estão prestando serviço às mulheres em situação de violência. É preciso criar um projeto que garanta que o município tenha atendimento especializado às mulheres vítimas de violência doméstica e violência sexual na área da saúde. É preciso garantir que todos os hospitais de Imperatriz ofertem a pílula do dia seguinte e cabe às vereadoras pensarem nessa perspectiva. Nós precisamos que elas apresentem projetos de lei para criação das Casas de Parto da cidade de Imperatriz. Nós só temos um Hospital Regional Materno Infantil e o Sistema Único de Saúde discute a oferta de casas para partos normais, com equipes especializadas, que podem funcionar nas periferias, atendendo as mulheres que são assistidas pelo pré-natal de baixo risco nos postos de saúde. Então, nós temos demandas e projetos de lei a serem apresentados na cidade de Imperatriz para fomentar a equidade e a igualdade de gênero no município que estão há anos sem serem discutidos e debatidos na Câmara de Vereadores de Imperatriz, porque, infelizmente, as mulheres que se elegeram até hoje, não têm essa preocupação em seus mandatos.

Os números do Censo 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que Imperatriz tem uma quantidade maior de mulheres que de homens. Mesmo com uma cidade majoritariamente composta por mulheres, por que vemos poucas figuras femininas ocupando cargos políticos?   

Conceição Amorim – No Brasil, hoje, nós somos 43% das mulheres que compõem os quadros de filiados partidários. Então, vai por água abaixo esse discurso de que nós mulheres não gostamos de política e que não temos interesse em participar da política. O que nós temos são impedimentos concretos e objetivos, por parte das administrações partidárias. Isso é um fato. As pessoas votam nas pessoas que elas conhecem, que veem, que escutam, que acompanham na televisão durante a campanha eleitoral, que acompanham sua trajetória pessoal nas intervenções da cidade e nós podemos observar que as mulheres nessa cidade são completamente invisíveis. Nós temos, por exemplo, as políticas para as mulheres no que tange um enfrentamento à violência contra as mulheres. Nós somos um município privilegiado, temos todos os serviços, e nós temos uma população que desconhece a existência do Centro de Referência Atendimento à Mulher em Situação de Violência, da Casa Abrigo de Proteção à Mulher em Situação de Violência e, inclusive, 30 anos depois, da existência da Delegacia das Mulheres.

Então, nós precisamos visibilizar a existência das mulheres dentro da nossa sociedade. Vejam bem, a nossa linguagem é sexista. Em categorias como as da Saúde, onde 84% das trabalhadoras técnicas de enfermagem são mulheres, quando se fala do profissional da saúde só se remete a existência dos técnicos de enfermagem. Parece que isso não tem importância, mas isso tem uma importância fundamental. A linguagem é responsável por uma política ideológica de invisibilização das mulheres. 80% a 90% dos profissionais da educação do ensino fundamental são mulheres, mas no dia dos professores ou quando se remete sobre a categoria sempre se fala dos professores e não dos professores e das professoras. A ONU reconhece e necessita que as instituições tenham uma linguagem que inclua as mulheres.

Nós ainda assistimos, por exemplo, nosso prefeito municipal assinando nomeação de conselheiras do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher se reportando no documento a ‘conselheiro fulano de tal’. Nós não somos conselheiros. Esse é um conselho composto só por mulheres. No Conselho da Saúde tem mulheres e homens, mas, na hora de nomear, aparece no documento oficial da instituição a nomeação do ‘conselheiro Maria das Graças’. Como assim? Ela não é um conselheiro. Ela é uma conselheira. Então, se a gente for observar todo esse processo de invisibilização das mulheres, a gente pode começar a entender o quanto há a falta de incentivo e de reconhecimento da importância do feminino no nosso município por parte das gestões públicas. A gente precisa fazer todo um processo de educação, de mudança de comportamento a partir da nossa própria linguagem. Nós precisamos valorizar a existência do feminino tanto quanto a gente valoriza a do masculino e precisamos de gestores públicos que valorizem as campanhas de enfrentamento à violência e que vão para a televisão pregar o direito das mulheres viverem uma vida sem violência. Nós precisamos de gestores na educação, na saúde e na assistência tratando disso de forma séria e consequente. As pessoas são guiadas pelos seus líderes e, se os seus líderes não valorizam as mulheres da sua gestão, ninguém vai valorizá-las. Isso a gente vê fortemente quando a valorização de uma mulher na política se dá pelo fato de ser ‘a mulher do outro político’, ‘a filha do político’, mas quando ela não é, ela não vai ter um caminho político valorizado pelo conjunto dos homens que estão na direção dos partidos, por exemplo.

Nós tivemos, nessa eleição, mais um golpe fatal contra as mulheres quando você analisa os dados da votação de Imperatriz, onde 7 mulheres tiveram 0 votos. A gente já começa a ficar muito preocupada, porque esses dados remetem a uma realidade que cerca de 65% das candidaturas femininas eram candidaturas ‘laranjas’, que tiveram menos de 100 votos. Nós temos números assustadores: 7 tiveram 0 votos, 13 tiveram de 1 a 10 votos e, quando a gente soma o total de votos de mulheres no pleito eleitoral, nós vamos ver que apenas duas mulheres tiveram mais de 1.000 votos e apenas uma teve mais de 2.000. O Tribunal de Justiça Eleitoral precisa ser mais rígido e punir veementemente todos os partidos que apresentaram e que transformaram as candidaturas femininas em candidaturas ‘laranjas’.

Qual o impacto que a população poderá sofrer em decorrência da falta de representatividade feminina no cenário político municipal?

Conceição Amorim – O impacto que nós sofreremos vai ser muito grande, porque se nós tínhamos quatro representantes femininas que, durante os últimos quatro anos, não apresentaram um único projeto de lei na Câmara Municipal de Imperatriz valorizando e incentivando as políticas para as mulheres e questionando a discriminação das mulheres, com duas, agora, com perfis completamente distintos, que não tem qualquer aproximação com os movimentos sociais, que não tem qualquer diálogo sobre a igualdade de gênero na nossa sociedade, nós teremos um cenário municipal bem complicado, porque, além de estar numa minoria absoluta,  sabemos que as representações partidárias dessas candidatas são dirigidas por homens que tomam decisões, inclusive, a reboque da consulta das próprias vereadoras. Então, nós temos aí um cenário de muita complicação.

O que a senhora acha que falta para que a população passe a incentivar e reconhecer a importância da participação feminina na política?

Conceição Amorim – É super importante observar os principais empecilhos das mulheres no acesso à política eleitoral, partindo concretamente da falta de democracia nos partidos políticos. Essa realidade é cruel. Os partidos são passos inacessíveis para as mulheres, “são máquinas de triturar mulheres”, segundo Vitalino Canas. Quando a gente estuda a composição dos partidos, nós vemos a ausência das mulheres nos espaços de comando. A participação partidária, além de ser mínima, muitas vezes, não é real, porque mesmo você sendo o presidente do partido aqui em Imperatriz, se o presidente do partido em São Luís decidir uma coisa, ele atropela todo mundo, como nós vimos nessa eleição com o presidente do PL, que queria seguir um rumo com candidatura própria e o partido determinou que ele iria apoiar outra candidatura e para executar essa política ele simplesmente tirou o presidente. Se tiram os homens, imaginem as mulheres. Fica mais fácil ainda. Então, nós vamos precisar ter esse olhar para que possamos compreender essas candidaturas ‘laranjas’ e possamos entender como é que se deu esse processo, o que significa esse resultado eleitoral, voto a voto, como que se dá essas prioridades nas representações partidárias e como que se dá essas escolhas.

Quando a gente estuda direitinho, a gente percebe que dos 25 partidos, os 5/6 primeiros candidatos tinham como prioridade do partido as candidaturas masculinas. Se a gente não conseguir compreender isso e fazer as mulheres ocuparem o espaço de poder do partido na disputa política, tendo voz e tendo o poder de decisão para melhorar a sua participação e a sua existência partidária, a gente não vai conseguir melhorar as candidaturas e garantir que essas mulheres sejam mais votadas na nossa cidade, porque elas são invisíveis. Se elas não existem no cotidiano partidário, na hora da eleição elas vão ter muito menos facilidade de apresentar o seu projeto político e as suas proposições do que os homens. O tempo de televisão é muito pouco. Como foi feita essa divisão? Realmente eles cumpriram a cota dos 30%? Quando a gente acompanhou o processo eleitoral nós observamos que não, nem todos os partidos faziam cumprir a participação de 30% das candidaturas femininas. Então, precisa de uma fiscalização mais rigorosa por parte do Tribunal de Justiça Eleitoral nesse processo das disputas e o cumprimento da cota de gênero.

*Atividade da disciplina Técnicas de Reportagem, do Curso de Jornalismo (2020.1), da UFMA Imperatriz.

*Foto: Acervo pessoal