Profissionais refletem sobre as suas práticas e mudanças em seu percurso
Matheus Aquino
No Brasil, o modelo de saúde estabelecido desde o início da década de 1990 passa pela consolidação da Estratégia Saúde da Família (ESF), exemplificada em Unidades Básicas de Saúde (UBS), bem famosas como “postinho” ou “posto de saúde”. Para facilitar o acesso da população a esses serviços, existem profissionais chamados Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que fazem parte da ESF e atuam como intermediários entre as famílias e as equipes de saúde nos bairros, visando garantir a participação e acesso dessas pessoas ao sistema como um todo.
“Antigamente era mais difícil, agora que melhorou mais”, afirma Terezinha Lima, 66 anos e ACS. A profissional comunica a respeito das dificuldades enfrentadas desde o início da sua prática profissional no bairro Caema, há 25 anos. Ao falar das adversidades, aponta a falta de uma unidade de saúde própria no local como um aspecto complexo: “Já estivemos atendendo no Bacuri, depois fomos para a Beira-Rio, depois voltamos para o Bacuri e agora estamos mesmo na Caema”.

A Unidade Básica de Saúde do Bairro, localizada na rua Projetada, Nº 08, no bairro Caema em Imperatriz, ainda é um espaço alugado, após as várias mudanças de localidades e junções ocorridas anos atrás. A UBS atualmente recebe os moradores do bairro para marcações de exames, consultas de enfermagem e médicas, bem como aplicação de vacinas disponíveis na cidade. Além disso, por operar conectado à rede de saúde pública, o posto reporta questões de marcações de exames com especialistas ao Centro de Saúde Dr. Milton Lopes, que funciona como receptor macro para região central em Imperatriz.
Iracema Dias, de 61 anos e agente comunitária de Saúde há 25 anos, conta sobre as mudanças ocorridas no bairro: “O saneamento mudou, melhorou, mas as pessoas ainda adoecem de coisas básicas”. Além da recorrência no aparecimento de algumas enfermidades, por trabalhar no bairro há 27 anos, reitera conhecer “tudo e todos, bem como os problemas de tudo e de todos”. Sobre as mais de 300 famílias acompanhadas, enfatiza trabalhar com todas as idades e tipos de pessoas, “crianças, jovens, adolescentes, adultos e idosos, aqueles que estão esquecidos”.
Além dos problemas de fixação na própria Caema, Terezinha acentua que embora faça o atendimento das pessoas, muitas vezes não consegue resolver os problemas das famílias. “O atendimento nem sempre é na hora que a pessoa precisa, todo mundo sabe como é que tá, né? Nossa saúde tá difícil”.
Sobre a atuação dos ACS, a agente expõe a sobrecarga que as equipes de saúde possuem. “Porque nós, como agentes de saúde, temos mais de 300 famílias cadastradas, aí você precisa de uma consulta e vai no posto, é um único médico”. Iracema confirma a dificuldade quando quis ajudar um idoso: “Não é fácil consultar com um especialista na hora, já aconteceu algumas vezes”.
Relações interpessoais
Ainda assim, Terezinha certifica que o papel dos ACS vai além dos problemas. “A gente conhece as famílias, o que fazemos bastante é ajudar as pessoas num momento difícil”. A agente explana sobre as diferentes situações familiares encontradas no bairro, afinal a Caema é muito conhecida pelos estigmas relacionados à violência e falta de cuidado público. Embora seja próximo do centro da cidade, abriga várias famílias ribeirinhas e de baixo poder aquisitivo.

Segundo a Secretaria de Atenção Básica Nacional, cada agente comunitário de saúde deve cuidar de uma área de no máximo 750 pessoas, sem especificações quanto ao número de famílias. Assim, cada componente da Equipe de Saúde da Família deve se ajudar em prol do cuidado e necessidades em cada área ou bairro. Ao atuar como ACS, Terezinha atesta que o trabalho é em equipe. “A gente se ajuda, e como ajudamos muita gente, nós todas trabalhamos juntas”.
Iracema deixa de lado a seriedade na entrevista e começa a sorrir, demonstrando o quanto aprecia seu ofício, e mesmo sendo profissional, busca um lado mais humanizado. “Gosto de ajudar. Eu sou muito humana, sou muito solidária, e a gente é muito sentimental também. Quando um paciente está morrendo, eu estou morrendo ali com ele, sinto na pele, sou muito feliz com esse trabalho”.

A relação entre os agentes comunitários de saúde e a população é marcada pela intimidade. Como as informações precisam chegar à equipe de saúde, as agentes funcionam como um elo. Iracema pondera sobre essa conexão. “Eu estou neste setorzinho desde que comecei a trabalhar, aqui é minha comunidade”.
“A gente se apega com as pessoas como se fosse consigo mesmo”, diz Iracema. Com os olhos marejados, ela relembra como as particularidades podem afetar o lado pessoal ao narrar a história de um morador do bairro. “Eu cheguei lá na casa de um senhor, um idoso carente que estava à espera de uma senha para o atendimento. Ele tinha hanseníase e um ratinho tinha roído seu dedão, ele não tinha sentido o rato roer seu dedo”.
Além dos problemas de saúde, questões relacionadas à falta de saneamento básico, ou dificuldades financeiras podem piorar as condições de saúde das pessoas. A agente menciona que “não doeu nele fisicamente, porque ele não sentia, mas aquilo doeu em mim”.

Mesmo que realizem um trabalho considerado de base na sociedade, tão importante quanto as demais carreiras na área da saúde, percebe-se uma invisibilização desses profissionais pela população. Mas para Terezinha isso não é problema, pois trabalhar como agente comunitária é algo que ela aprecia bastante. “Eu gosto muito do meu trabalho, eu amo meu serviço, principalmente visitar as pessoas e oferecer uma oportunidade de cuidado”.
Iracema certifica-se de dialogar sobre os pontos negativos, mas não deixa de ressaltar os positivos. “Eu gosto desse trabalho e me sinto feliz, sinto que eu amo”. Entusiasmada, Terezinha corrobora com Iracema. “Gosto demais, meu Deus! Até quando uma pessoa falece a gente sente. Porque do outro lado, a gente se apega com as pessoas”. E sua filha, próxima, confirma acenando com a cabeça positivamente e sorrindo.
Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, chamado “Meu canto também tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.