“A mulher na barra não é uma stripper”: entrevista com Tatiane Carvalho,  professora de Poledance

Repórter: Renata Lima e Maria Eduarda Anchieta.

Fotos: Renata Lima.

 

Era começo de tarde do dia 8 de junho de 2022, quando cheguei ao endereço marcado. Subi as escadas e bati na porta de vidro. Depois de me receber, Tatiane Carvalho me pediu para tirar os sapatos, pois ninguém entra calçado ali. A sala não é grande, mas tem espaço o suficiente para quatro barras e dois espaços de descanso. Os tons de branco, cinza, preto e o prata das estruturas metálicas, constroem um ambiente calmo. Um leve cheiro acre no ar. O cheiro é do magnésio líquido usado para dar aderência nas barras e esse local é o primeiro estúdio de Pole Dance de Imperatriz.

Tatiane Carvalho Costa dos Santos, 38, é uma instrutora de pole dance e graduanda do último período de Psicologia. A mãe de duas filhas é praticante de pole dance desde 2016. Nunca gostou de academia e decidiu procurar por novas alternativas para se exercitar. Tatiane tinha acabado de sair do seu emprego de 12 anos, numa agência bancária, e de ter a filha mais nova, quando conheceu e se encantou pelo pole dance. Ela criou o estúdio para mais mulheres terem a oportunidade de praticar o Pole Dance, já que os únicos estúdios eram em São Luís. Tatiane conseguiu sua licença para dar aulas em São Paulo e fundou a primeira academia de Pole Dance de Imperatriz, “T2 Studio pole Fit”, em 2019.

O Pole Dance tem suas origens conhecidas nas tradições de barra chinesas e no esporte indiano centenário, “Mallakhamb”, que também era uma forma de preparação para a guerra. Ambos eram práticas masculinas para o exercício da flexibilidade, força e equilíbrio. Quando chegou às Américas, na década de 60, ele foi se associando às mulheres e ganhando sua profunda conotação sexual e popularidade nos bordéis e cabarés. O pole dance atual luta para se separar do seu estereótipo restritivo de dança erótica e tem diversas modalidades “É Pole Dance, mas a gente trabalha outras categorias, tem o pole flex, o pole sport, o pole coreografado, pole exótico, pole spin, etc. Cada modalidade tem um nome diferente”.

O Pole Dance vai além da dança e sensualidade e traz benefícios físicos e mentais. Além de trabalhar os corpos, as mulheres que praticam na “T2 pole Studio Fit” se unem em irmandade. O ambiente cultiva o autoconhecimento, a autoestima e a autoaceitação, que são os verdadeiros responsáveis pela sensualidade das dançarinas. A sensualidade surge com a confiança e empoderamento trazidos pela prática.

 

Confira a conversa com o Imperatriz Notícias a seguir:

 

Imperatriz Notícias: Ainda existem muitas pessoas com uma visão ultrapassada sobre o pole dance. O que você acha dessa super erotização?

Tatiane Carvalho: Não tem como a gente não remeter à história, né? Ao surgimento do Pole. Ainda tem tabu, ainda tem esse preconceito e a gente vem trabalhando com relação a isso. Para quebrar.  Porque o Pole Dance é um esporte que vem a ser uma atividade completa. Que vem trabalhar tanto físico quanto mental. A gente que trabalha nessa área precisa levar informação e explicações. Muitas vezes as pessoas também nos procuram buscando essa parte mais erótica e sexual e quando elas chegam aqui, quando a gente explica como é o processo, aí que elas passam a entender.

IN: Por que você acha que o Pole Dance ainda tem dificuldade em ser tratado como uma dança formal?

TC: Pelo próprio nome as pessoas já associam à strip, à boate, a algo sensual. E por trás disso existem outras coisas. Quando a gente diz “ah eu faço Pole Dance”, a primeira coisa que a pessoa pensa quando você fala isso é “vai ser stripper” ou “ela quer dançar para quem?”. A gente não faz Pole pelos outros. A gente faz para nós mesmos, para depois, quando você se sentir bem, se você estiver à vontade e se você tiver um desejo… aí sim, você usa para uma segunda pessoa. Quando abri eu achei que ia demorar um pouquinho para as pessoas aceitarem e quando comecei e fiz a inauguração veio algumas pessoas e o boca a boca foi espalhando. O público na época vinha fazer aula experimental e já ficava, era muito bom.

“Quando a gente diz “ah eu faço Pole Dance”, a primeira coisa que a pessoa pensa quando você fala isso é “vai ser stripper” ou “ela quer dançar para quem?”. A gente não faz Pole pelos outros. A gente faz para nós mesmas”

IN: Até os dias de hoje, a dança pode ser muito ligada a prostituição e rotinas eróticas, mas qual a relação do Pole Dance da vida real com a sensualidade feminina?

TC: É a questão da aceitação, de trabalhar a autoestima. Você passa a trabalhar e praticar, descobrindo a mulher poderosa que você é, desenvolvendo aceitação do seu corpo. Tratando o seu físico e o seu mental. Geralmente quando as alunas começam, a gente explica que esse primeiro mês é só de adaptação, você vai se reconhecer, ter esse primeiro contato com o corpo. É onde você vai começar a perder a timidez. A diferença da academia para o estúdio é que você não vê essa questão de roupa melhor, ou corpo melhor, não, cada um aqui está na sua e incentiva as outras a fazer o movimento correto. Pode ser roupa de academia, short curto, um topzinho, camisa pode ser regata, quanto menos roupa, melhor. Talvez isso leve as pessoas a pensarem o pole mais pro lado sensual, mas a gente usa pouca roupa para praticar não porque queremos ser vulgares ou sexys, e sim, porque a gente precisa desse contato pele com a barra. A nossa pele vai dar aderência no mastro e ele vai ajudar a executar as figuras dos exercícios. Se eu tiver com uma roupa o tecido vai grudar e escorregar.

 

IN: Você comentou que o Pole Dance é uma ótima alternativa para fazer exercício e também que ele é para todo mundo. Já que ele é para todo mundo, então ele também é uma forma de pregar a aceitação corporal? 

TC: Sim, porque ela vai trabalhar sua autoestima. Quando você começa a trabalhar o físico, o mental, esse processo ocorre naturalmente. Você passa a descobrir coisas que antes você não conseguia fazer, que você achava que tinha limitações, então você passa a se aceitar, passa a se ver de outra forma, você começa a se enxergar não apenas pela sua aparência física mas também pela interior.

 

IN: Você acha que celebridades, adotarem e praticarem nas redes sociais contribuem para essa mudança na imagem do esporte que vocês trabalham para alcançar?

TC: Muitos artistas praticam, inclusive a Jennifer Lopes treinou uns seis meses para usar um pedacinho no clipe dela, em uma das apresentações. E eu acredito que sim, que é positivo quando eles usam da maneira adequada, quando eles usam para mostrar realmente os benefícios, do empoderamento, da qualidade e muitos outros fatores.

IN: O que seria usar de forma negativa?

TC: É quando você faz apenas associação do esporte ao lado erótico. Porque não é só isso. O erotismo vem como um benefício. Você vai passar a se conhecer, conhecer seu corpo, a trabalhar a sua autoestima. A partir do momento que você trabalha sua autoestima, você usa da maneira que quiser.

IN: Vocês promovem o Pole Dance como uma atividade que proporciona o bem estar físico e mental e que vai contribuir com o aumento da autoestima, da coragem e da atividade. Existe alguma relação disso com o fato de você estar se formando em psicologia?

TC: O curso não veio por causa do Pole, ele veio porque já era algo que eu queria antes, ele veio agregar, porque sabemos que trabalhamos com pessoas de vários jeitos, cada ser humano é diferente, em uma mentalidade diferente, e isso influencia no aprendizado. Naquele momento em que você não está bem, mas assim que você começa a praticar, você sai renovado. É muito bom, porque a psicologia veio somar, me ajudou a lidar com várias situações.

IN: O que tem no Pole Dance que motiva essas pessoas em estado de fragilidade?

TC: Já tive casos de alunas que entraram aqui com depressão, que foram indicadas por médicos, psiquiatras e psicólogos, a fazer as aulas. Tive alunas que entraram aqui com processo de automutilação, elas começaram a praticar e estão melhorando. E isso é gratificante, não é só pelo fato delas terem se recuperado, mas pelo fato dela falar pra você depois, que você foi um fator primordial na vida dela, para tirá-la dessa situação. Todo esse trabalho que é feito, esse processo, que não é do dia pra noite, ele te muda, te faz pensar e a reflexão. A interação com as pessoas que estão no meio, o ambiente, o clima.

“Naquele momento em que você não está bem, mas assim que você começa a praticar, você sai renovado. É muito bom, porque a psicologia veio somar, me ajudou a lidar com várias situações”

 

IN: Você já se arrependeu, em algum momento, de começar esse negócio ou começar a praticar Pole Dance?

TC: Não. Em nenhum momento. Quando eu tive minha primeira experiência, em São Luís com a minha instrutora, eu disse “é isso que eu quero”. E eu estava tão decidida que eu comprei minha primeira barra, para praticar, assim que eu cheguei em Imperatriz. Se fosse algo que eu não tivesse me identificado eu não teria voltado lá no mês seguinte e teria deixado, porque não é fácil. Você tem realmente que ter coragem e determinação.

IN: Você começou a estudar psicologia e se tornou uma instrutora de Pole Dance depois que saiu do seu trabalho de 12 anos em um banco. Você se considera mais feliz atualmente?

TC: Sim, sou totalmente feliz. Quando eu comecei a estudar psicologia eu comecei a entender algumas coisas e ter um autoconhecimento maior, então foi uma soma positiva.

 

Bate Bola

 

Qual sua cor favorita? “Preto.”

Qual o livro que você mais gosta? “Huuummm….. Eu leio muitos livros de psicologia e dança:”

O que você queria ser quando crianças? “Psicóloga!”’

Qual sua coisa favorita sobre dançar pole dance? “Quando eu tô fazendo Pole Spin, que é o Pole girando, é um momento de liberdade.”

Qual seu hobby? “É Pole [risos].”

Como você definiria o pole dance em qualquer âmbito ou sentido? “Amor Próprio.”

Se você fosse definir esse espaço como alguma coisa, como você definiria? “Casa de acolhimento [risos]. Eu acho que seria isso porque aqui é um local de acolhimento na verdade.”