“A coisa mais inusitada, e errada, que eu ouvi falar é que nós somos uma seita, que adoramos o diabo e sacrificamos crianças”, diz presidente da Igreja Seicho-No-Ie em Imperatriz

Texto de  Nayara Nascimento

 

A maioria das pessoas que passa em frente à Igreja Seicho-No-Iedo Brasil fica, provavelmente, no mínimo, com curiosidade para saber o que acontece no interior do charmoso templo de arquitetura oriental, fundado na década de 1980. Com o intuito de desvendar os mistérios dessa religião, que pode ser tomada também como uma filosofia de vida, converseicom o presidente regional da sede de Imperatriz, Marcos Tand Ferreira da Silva, 21 anos, sobre os fundamentos da Seicho-No-Ie – que significa “Lar do Progredir Infinito”. Tand está nessa função desde 2012 e já organizou três seminários de jovens para a Academia de Treinamento Espiritual da Amazônia (Belém- PA)e um para a Convenção Nacional dos Jovens, em São Paulo. Além disso, recentemente organizou a conferência “Todos podem ter sucesso”, com o objetivo de despertar o talento individual dos jovens.  Ao chegar ao templo para realizar a entrevista, meu primeiro sentimento foi de contemplação, tanto pela organização física do lugar quanto pela sensação de aconchego. Passando pela sala de estar, segui pelos degraus curtos de madeira foscada escada até chegar a um salão amplo, no andar superior. Encontrei os membros da coordenação da Associação dos Jovens da Seicho-No-Ie do Brasil (AJSI), um dos muitos departamentos da religião, e fui recebida com muito carinho e atenção. No fundo do salão, numa parte elevada do piso, percebi que havia incensos acesos “para purificar o ambiente”, segundo as palavras do entrevistado. Na parede frontal, encontrava-se um altar singelo que carrega dizeres em japonês. Em outra lateral, um quadro em preto e branco do fundador da religião, Masaharu Taniguchi, sugere reverência pelos seus feitos. Perto das janelas, duas cadeiras dispostas serviram de a porte para a entrevista que segue: 

"Nosso conceito de prosperidade não é conseguir comprar um carro, uma casa, etc., mas você ter aquilo que você precisa, na hora que você precisa e na quantidade que você precisa"
“Nosso conceito de prosperidade não é conseguir comprar um carro, uma casa, etc., mas você ter aquilo que você precisa, na hora que você precisa e na quantidade que você precisa”

 

Imperatriz Notícias – Para você, a Seicho-No-Ie é uma religião ou uma filosofia de vida?

Marcos – As duas coisas. Se você prestar atenção, toda religião é uma filosofia de vida, pois é o modo de você viver de acordo com o que acredita. Por isso, a Seicho-No-Ie é tanto minha religião, quanto minha filosofia de vida.Embora existampessoas que têm outra religião e agregam a Seicho-No-Ie

I.N – Por que você acha que isso acontece?

M.T – Isso acontece porque, às vezes,determinada religião não explica as coisas de uma forma que as pessoas possam entender. Por exemplo, já recebemos uma pessoa de uma igreja evangélica que falou assim “olha, eu queria saber por que lá na minha igreja tem incorporação e o pastor tirademônios, eu não entendi porque isso acontece lá, disseram que aqui vocês explicam as coisas…”. Nós agregamos a ciência com a questão espiritual para explicar o motivo pelo qual aquilo acontece. Então, tudo a Seicho-No-Ie me explica, é uma coisa que eu não vivo mais sem, pois é uma religião que não me diz nada cegamente. É embasada, por exemplo, nos livros de Freud, Stephen Hawking, etc. Sempre vai unir a ciência. Aí você pode dizer: “ah, mas como você vai provar cientificamente Deus?”. Eu posso explicar até certo ponto, mas você acredita se quiser. Uma das primeiras coisas que me fizeram gostar da Seicho-No-Ie foi a não humanização de Deus, porque todas as outras religiões que eu conhecio colocavamcomo um velho barbudo, que estava lá em cima fazendo acepção de pessoas que vão para o céu e para o inferno. A Seicho-No-Ie prega o Deus do amor, da paz, da bondade, e, ao mesmo tempo, funciona através de leis que são justas para todo mundo, como Jesus disse “Deus faz nascer o sol sob os justos e os injustos”.

 

I.N– Dentro dessa concepção de filosofia de vida, aSeicho-No-Ie pode ser tomada como autoajuda?

M.T -Sim, mas essa não é uma denominação nossa, porque isso vai mais das pessoas. Autoajuda é o que? É você se ajudar, através de uma leitura, através de uma coisa. É você refletir sobre algo que está passando e possivelmente ficar melhor, se entender… Então, levando em conta que nós temos a nossa literatura, se uma pessoa conseguiu, por exemplo, melhorar de vida, sair de uma depressão através de um livro da Seicho-No-Ie, foi também uma autoajuda, porque ela foi atrás, ela leu, ninguém leu pra ela, ela está se ajudando. Mas muitaspessoasaté confundem a Seicho-No-Ie com a autoajuda porque nossos livros falam assim “você é merecedor, você é maravilhoso, você é filho de Deus…”, só que nós temos o diferencial de estarmos falando de um lado espiritual, que nos outros livros talvez você não encontre. A partir do momento que em Gênesis diz que Deus nos criou à sua imagem e semelhança, se você está dizendo que não é capaz, você está encobrindo o seu deus interior e impedido que coisas boas se manifestem. Nós trabalhamos com “autossugestão”, ou seja, você se autossugestiona com “eu sou capaz, eu sou habilidoso, eu sou bonito, eu sou talentoso”. É como se você fosse um diamante e está embrulhando com todos esses pensamentos negativos, com todo esse complexo de inferioridade. A Seicho-No-Ie acredita que você é capaz, porque você nasceu assim, não é que vai se tornar por falar essas palavras, pela repetição, ou seja, se você continuar meditando essas palavras se torna uma pessoa assim. Você não se torna, você já é. A Seicho-No-Ie só vai te ajudar a manifestar, exteriorizar.

 

I.N –Então, se o pensamento positivo pode se materializar, como você disse, quando acreditamos que somos capazes, habilidosos, talentosos, etc., com o negativo acontece a mesma coisa?

M.T–A Seicho-No-Ieacredita que os pensamentos,tanto positivos quando negativos, tem força concretizadora sim. Isso é comprovado cientificamente. Não vou ser capaz de dizer quando e quem realizou a pesquisa, mas, cientistas fizeram um estudocom pessoas durante alguns dias para ver qual tipo de pensamento tinha mais força. O positivo mostrou-se com ondas mais sutis e de maior velocidade, enquanto o negativo é mais lento, mas é também mais denso. Por isso algumas pessoas falam, por exemplo, que um lugar tem uma “energia pesada”, ou que alguém está “carregado”. A energia negativa é capaz de derrubar uma pessoa, deixá-la desanimada, alguns chamam isso de quebrante. O pensamento tem força materializadora, assim como a palavra. Minha avó sempre me dizia “menino não fala besteira que a palavra tem poder”. Depois que eu vim para a Seicho-No-Ie, entendi que ela estava certa.Algumas pessoas levam para o lado místico, mas tem um lado espiritual nisso, tanto que Jesus falou: “o que mata o homem não é o que entra pela sua boca, mas é o que sai dela”. Mas também tem um lado científico, pois quando você fala, está emitindo um som e esse som tem um comprimento de onda que viaja pelo espaço e que, pelas leis da física, retorna para você de diversas formas, como, por exemplo, através de um fato, de uma pessoa, de uma coisa sua que quebra… qualquer coisa, entende? Nós acreditamos na lei do retorno. ASeicho-No-Ie é uma religiãomonoteísta,ou seja, só acredita num único deus, o Deus do bem – apesar de ser fundada a partir de três religiões, que são o cristianismo, o budismo e o xintoísmo. Então, para a Seicho-No-Ie, o mal não tem existência real, consistente, verdadeira. O mal, assim como a matéria, é uma ilusão, porque acaba.

 

I.N – Se a Seicho-No-Ie tem como base o cristianismo, o budismo e o xintoísmo, como é possívelunir todas essas religiões tão diferentes, quando, por exemplo, o budismo não acredita no deus cristão?

M.T – O budismo não crê nesse deus humanizado, eles acredita na luz, na energia. É o que a Seicho-No-Ieprega, que Deus é uma força, é a energia que rege todo o universo. Deus é a sabedoria suprema, é a causa primeira de todas as coisas. Aqui, nós filtramos o que é coerente e benigno de todas as religiões. Podemos dizer que a Seicho-No-Ie é um grande salão e neste salão existe uma mesa bem longa. Deus é essa mesa, é a verdade universal. Todas as cadeiras que estão em volta dessa mesa são as diversas religiões. Então, a Seicho-No-Ieengloba, junta e busca harmonizar todas essas religiões, mostrando à elas suas similaridades e não suas diferenças. Quando as religiões se despem de seus rituais, seus dogmas, daquilo que é próprio de cada uma, o que vai restar é Deus, a verdade universal. A Seicho-No-Ie não te diz acredite nisso ou não acredite naquilo. O que ela diz é que você tem que acreditar em você mesmo e em Deus. Nós não somos uma seita fechada. Nós estamos de portas abertas para todas as pessoas.

 

I.N – Falando nessa concepção que algumas pessoas têm da Seicho-No-Ie como uma seita fechada, qual a coisa mais inusitada que você já ouviu falar sobre a religião?

M.T – A coisa mais inusitada – e errada – que eu já ouvi falar foi que a Seicho-No-Ie é uma seita, que nós adoramos o diabo e sacrificamos crianças. Outra coisa também, que é necessário pagar para entrar no templo, pois só aceitamos pessoas ricas e caso você seja pobre, deve pagar. Além disso, já disseram que aqui é a seita do carro preto, porque todo mundo tem um carro dessa cor. A máfia japonesa… Que nós abominávamos negros, homossexuais, etc., ou seja, tudo o que é diferente da nossa “segregação”. O pior de tudo é que muitas pessoas acreditam nesses absurdos e continuam a espalhar boatos, sem ir atrás da verdade. O que nós podemos fazer é reverenciar o deus interior das pessoas e explicar o que é a Seicho-No-Ie. Abençoamos e deixamos as portas abertas para todos. Aqui é um lugar em que todas as pessoas podem entrar, não fazemos distinção de raça, de cor da pele, credo, sexualidade, etc. Todos nós somos filhos de Deus, quem somos nós para julgar o outro?

 

I.N– Quem procura a Seicho-No-Ie?

M.T – A maioria das pessoas que procuram a Seicho-No-Ieé de dois tipos: uma que está sofrendo muito, que está passando por uma coisa que é muito complicada para lidar sozinha e ouviu falar da Seicho-No-Ie; a outra pessoa é aquela que veio por causa do programa de televisão ou da revista, que leu, gostou, achou sensacional e veio. Muitas delas podem vir já com sua própria religião ou não semvínculo com nenhuma. Elas encontram aqui essa liberdade de pensamento, porque em momento algum nós falamos que para ser da Seicho-No-Ie você precisa deixar sua religião. Então, as pessoas podem pegar toda essa parte filosófica da Seicho-No-Ie de cotidiano, como, por exemplo, ao acordar a primeira coisa que eu vou fazer é agradecer. ASeicho-No-Ie prega sobre coisas do dia a dia, que você precisa para estar sempre de bem, para construir um destino favorável a você, com gratidão, caridade… No altar estão escritas as oito normas fundamentais dos praticantes da Seicho-No-Ie, que nós procuramos seguir todos os dias. A primeira é “agradecer a todas as coisas do universo”. Seja grato. Gratidão é um sentimento que multiplica, e o que você não tem, ela te traz. O foco da Seicho-No-Ie é sempre estar olhando para a parte positiva da vida, nunca olhar para o lado negativo. A Seicho-No-Ie apareceu na minha vida num momento difícil, quando eu estava numa época rebelde… terrível. Eu fui a um seminário na Academia de Treinamento Espiritual da Amazônia, que fica em Belém – como se fosse um retiro, mas nós não usamos esse termo – para jovens empreendedores. Para a Seicho-No-Ie, o empreendedor não está ligado a economia, mas é toda pessoa que vai fazer qualquer empreendimento. Por exemplo, você vai preparar o almoço, isso é um empreendimento, pois você está fazendo uma coisa nova que vai te beneficiar e beneficiar outras pessoas.

 

I.N – Sobre essa questão de empreendedorismo, de fazer algo com sucesso, a Seicho-No-Ie está fundamentada também no estímulo à prosperidade. Num sentido geral, ser próspero é conseguir bens materiais, atingir um determinado padrão de vida. É correto dizer que os praticantes da Seicho-No-Ie buscam essa prosperidade material?

M.T – Nós acreditamos que já temos tudo. Nosso conceito de prosperidade não é conseguir comprar um carro, uma casa, etc., mas você ter aquilo que você precisa, na hora que você precisa e na quantidade que você precisa. Nem mais e nem menos. Nós acreditamos que a prosperidade nada mais é do que fruto de um pensamento correto de que Deus já nos deu tudo. Nós já temos tudo, pois como filhos de Deus, somos herdeiros de todas as coisas boas. Quando temos a mentalidade de fazer o bem e ajudar o maior número de pessoas possível, nós conseguimos tudo o que queremos. Por exemplo, “eu quero uma casa, mas para quê? Para a minha família”. Na Seicho-No-Ie é assim: eu e o outro somos um,somos uma única vida, como irmãos por parte do mesmo pai, que é Deus. Para a Seicho-No-Ie nós já somos ricos.Claro que cada pessoa tem suas metas e nós trabalhamos com planejamento de futuro, que é uma das coisas que os praticantes mais gostam, porque às vezes estão sem objetivo de vida, sem perspectivas. As pessoas precisam querer crescer, progredir na vida, ampliar seus conhecimentos. Para isso é preciso praticar os ensinamentos da Seicho-No-Ie, como a meditação, gratidão aos pais e às pessoas, estar sempre disponível, etc. Para muitas pessoas a culpa de tudo é do outro, do demônio, do governo, e nunca sai do mesmo lugar.

 

I.N – Falando em meditação, que é um dos ensinamentos da Seicho-No-Ie, qualquer pessoa pode meditar?

M.T – Sim, qualquer pessoa. A meditação não consiste em apenas ficar numa posição e balbuciar. Também é. Mas no caso da Seicho-No-Ie, quando você pega um livro instrutivo, que te faça refletir sobre a sua vida de uma forma positiva, que te faça querer progredir, isso já é uma meditação. Quando você vê um filme que te encha de inspiração, com aquelas histórias de superação que te fazem chorar, isso é um estado meditativo. Mas na Seicho-No-Ie nós temos uma prática de meditação chamada Shinsokan. Shinsokan significa ver, contemplar a Deus. Ou seja, é uma das formas que nós temos de adorar a Deus, em todas as formas que Ele tem e em tudo o que Ele é na natureza, em nós mesmo, até porque nós somos a natureza, nós fazemos parte dela. Então, a meditação Shinsokan tem um diferencial porque a maioria das outras te diz para esvaziar a sua mente, para você não pensar em nada. A Seicho-No-Ie prega o contrário: você tem que preencher a sua mente com pensamentos positivos. Sua mente não precisa parar, mas estar em constante exercício positivo. Você vai contemplar os atributos de Deus, que são seis: sabedoria, amor, vida, provisão, alegria e harmonia. Na meditação, você auto afirma que esses atributos também são seus e será plenificado e vivificado por esses eles. Você começa a se reconhecer como espírito e não como matéria, se reconhecendo como verdadeiramente um filho de Deus.

 

I.N – Qual fundamento da Seicho-No-Ie você considera essencial na sua vida?

M.T – São dois: primeiro, eu aprendi a parar de ver o mundo em preto e branco e passei a enxergar colorido. A positividade acima de tudo. Não deixar que as coisas adversas me atrapalhem. Às vezes você está tão bem e alguém te fala sobre uma tragédia que aconteceu e você fica tão mal. Você vai ignorar e fingir que nada aconteceu, achando que o mundo são só “flores”? Não é essa a questão. A questão é que a tragédia aconteceu e se não houver nada que eu possa fazer concretamente, ajudarei com oração, pensamento positivamente, etc. Você precisa manter sua mente saudável: “mente sã, corpo sã”. A mente antecede todos os fatos. O segundo fundamento é que eu e o outro somos um, então você precisa sempre se colocar no lugar do outro. Sempre tentar ajudar o outro da melhor maneira possível. Entender que nem tudo é culpa do outro e que, na maioria das vezes, a culpa é nossa. Às vezes tem uma pessoa que está criticando você ou está sendo falsa, mas isso não importa. A Seicho-No-Ie acredita que somente e unicamente o bem tem existência verdadeira, porque o mal não foi criado por Deus, e somente Deus tem o poder de criar aquilo que vai existir pra sempre, que é eterno. Nós não acreditamos em demônio, em satanás, porque não foi criação de Deus, e se não é criação de Deus não tem existência verdadeira, não é real. Isso faz parte do mundo fenomênico, que, enquanto fenômeno, está em mudança e acaba. Mas o que Deus criou – algunschamam de céu, paraíso, reino de Deus, nós chamamos de mundo da imagem verdadeira, porque a imagem é aquilo que realmente existe – não acaba, é eterno, porque Deus criou. No mundo da imagem verdadeira não existe nada de mal, como pobreza, doença, diabo, discórdia, desarmonia, guerra, tudo isso é passageiro, deixa de existir, acaba um dia, e só vai continuar a existir Deus e o que Ele criou: a perfeição, o bem, a harmonia.