Por: Mateus Farias
Jornalistas são conhecidos por serem contadores de histórias. Famosos por trazer à luz fatos, segredos e acontecimentos surpreendentes. Histórias reais. Ou deveriam ser. Comigo não é diferente. Sendo um acadêmico aspirante a essa profissão, possuo alguns relatos curiosos que carrego.
Claro que estes, não são tão interessantes como os demais por aí na mídia. Muitas pessoas possuem narrações realmente emocionantes, de te fazer vibrar, se emocionar, refletir ou ficar irado, sejam essas narrações pessoais do jornalista ou de fontes. A que vou descrever aqui talvez não te dê nenhuma forte emoção, caro leitor. É apenas uma situação corriqueira, um engano que um iniciante na carreira, como eu, passou.
Um receio muito grande que nós jornalistas iniciantes ou em formação temos, é que nossas histórias podem não ser boas o suficiente para os leitores, assim como sinto que essa não possa agradar. Por isso, prefiro ouvir o que os outros têm a dizer, do que falar sobre mim. E por conta disso, uma vez perdi não uma, não duas, mas três entrevistas completas por conta de um minúsculo e simples erro. A vergonha que a gente tem na frente das pessoas, vergonha de perguntar, ou de falar qualquer coisa não só impede de alcançar os objetivos, como anula muitas oportunidades.
O tal fato aconteceu na segunda metade do ano de 2023. Sendo mais preciso, no final do mês de agosto. Estava cursando o quarto período do curso de jornalismo, na Universidade Federal do Maranhão. Nesse ponto do curso já se espera um pouco de domínio teórico do estudante, porque ali se iniciam as disciplinas de laboratório, essas que vamos à campo. E com campo, quero dizer exercitar a profissão de repórter, brincar de investigador. Mas eu não tinha tal capacidade, dar a cara a tapa nunca foi meu ponto forte. Ficava muito tenso só de pensar na ideia de ter que sair da zona de conforto e entrevistar alguém. Creio que por conta da minha ansiedade e da fobia social (o tal “medo de gente”).
Apesar disso, já havia realizado entrevistas e matérias para outras disciplinas, mas a sensação de medo nunca desaparece por completo. Por mais que o momento seja planejado minuciosamente, por mais que seja adquirida habilidade com a prática de entrevistar, conversar com uma pessoa totalmente desconhecida sempre é um desafio para mim.
Lembro que estava matriculado na matéria de laboratório de radiojornalismo, ministrada na época pela maravilhosa professora Izani Mustafá. Uma coisa que nunca pensei, é que fosse gostar tanto de fazer rádio. É trabalhoso, um pouco difícil, mas dá satisfação ver o resultado. E já de cara, na primeira avaliação da matéria, a nota seria composta por uma curta nota radiofônica. Até aí tudo bem, gravar era sempre gostoso. Eu só precisava ler o texto, sentadinho no ar condicionado, enquanto a Rosana Barros, técnica do laboratório e responsável pela gravação e edição, aturava todos os meus erros, indo e voltando falas. O problema dessa avaliação, é que precisávamos além de uma pauta interessante, mais duas a três fontes para falar sobre o tema. Isso porque jornalista não tem notoriedade para falar sobre um assunto de fora da área, ainda mais nós, meros e mortais estudantes. Apenas replicamos falas alheias, de certa forma. Replicamos, explicamos, publicamos. Como diria Thaisa Bueno, minha querida professora de Gêneros Jornalísticos: Jornalista não sabe, ele conhece quem sabe!
Apesar de não sabermos, somos seres humanos, e como humanos, nós percebemos o mundo, sentimos, ouvimos e experimentamos inúmeras sensações que só nossa cabecinha sabe. Dessas sensações pessoais, surgem as pautas jornalísticas, por meio do olhar individual de cada pessoa. E de minha experiência pessoal, veio a ideia de falar sobre poluição ou acúmulo de sujeira em nossa cidade, Imperatriz do Maranhão. Para mim é uma coisa que sempre incomodou. Na verdade, incomoda a todos, né? Era uma abordagem muito ampla, então, sugeri que pudesse ser sobre a poluição na Beira Rio. O tema foi aceito. Agora vinha a parte difícil: conversar com pessoas.
Pode parecer uma questão até boba para você, caro leitor, mas, imagine que você está saindo à noite para uma mata fechada. Podem ter cobras, escorpiões, aranhas, etc. Você não sabe o que vai acontecer, mas sabe que possibilidade para acontecer coisa ruim não falta. E era assim que eu me sentia, como se algo de muito ruim estivesse sempre prestes a ocorrer. Por mais que passe na cabeça tudo que possa acontecer, como um modo de se prevenir, as coisas sempre ocorrem de modo diferente. Mas, penso que seja um problema que todo iniciante no jornalismo deva enfrentar uma hora ou outra. E é assim, com medo, sem medo, você pensa no diploma e vai, porque tem que ir.
E assim eu fui. Não pensei muito. Saio direto da sala de aula em direção à Beira Rio, para fazer as benditas entrevistas. Nossas aulas encerravam às 17h30, mas nesse dia a professora Izani liberou com antecedência para a prática da avaliação. Era fim de tarde, o sol estava quase se pondo. Dava para ver o gigante dourado começando a se esconder, devagarzinho, por trás do rio Tocantins.
Parei por um instante para pensar o que eu ia perguntar, não havia nem pensado nisso. Não só no que ia perguntar, mas como iria dizer, qual tom de voz, como iria abordar as pessoas, quais palavras especificamente usar. Que tipo de pessoa iria ceder uma curta entrevista? Quem eu iria me aproximar para abordar? Todas pessoas estão tão apressadas, seria estranho interromper repentinamente para algo inesperado (será que após essas entrevistas, as fontes lembram e ficam curiosas com o resultado final?).
Então, me aproximei da pista onde são feitos passeios de bicicleta, etc. Não sabia quem parar, então “escolhi” uma pessoa aleatória por meio da técnica avançada: o “mamãe mandou”.
A primeira fonte foi uma mulher de cabelos loiros e coque que fazia sua corrida diária. Ela concorda em fazer a entrevista, assim, ligo o gravador do celular. Eu lembro que havia anotado algumas perguntas de última hora num bloquinho, mas na hora de pegar, estava tremendo tanto que ele caiu no chão junto com a caneta (e a tampa da caneta foi parar em Nárnia). A segunda fonte, foi um homem de cabelo preto médio, vestindo roupas claras. Mesmo procedimento: pergunto, ligo gravador (dessa vez o bloquinho não caiu). Tentei até disfarçar um pouco do nervosismo dessa vez. Encerradas as abordagens, fico em pé, ali mesmo, pensando se deveria ou não fazer mais uma gravação. A massa de pessoas passando começou a me deixar bem desconfortável. Acho que era a sensação de estar em situação de fragilidade, com vários olhares entrelaçando. Assim, precisava tomar uma decisão logo para poder ir embora. E decisão que foi de fazer mais uma entrevista. Essa última foi com um rapaz alto, careca, que vestia uma camisa regata de algum time de basquete. Mesmo processo.
Estava encerrado meu dia extremamente radical. Ao chegar em casa, começo a montar o roteiro e separar as “aspas”, que seriam utilizadas daqueles áudios.
Passam-se alguns dias. Estou no laboratório da rádio terminando os cortes dos áudios no computador de lá. Então, me bate um leve vento de sabedoria: Eu não havia coletado dados básicos das fontes. Como o nome completo, idade, profissão, cargo e principalmente um meio de contato. E agora José? O Roteiro estava pronto, faltavam apenas os áudios. Um colega que ouviu minha queixa sugeriu até dar um nome qualquer para as fontes e fazer daquele jeito que estava. Mesmo que supostamente, “ninguém saberia”, eu não seria capaz de manchar com lama a mim e a profissão de jornalista.
Então lá fui novamente, em meio a choros e velas, ou melhor, em meio ao sol e poeira, fazer novas entrevistas. Até passei antes na biblioteca da universidade para ler as dicas de entrevista que Ana Estela de Sousa Pinto poderia me dar em seu livro “Jornalismo Diário”. Realmente lições muito boas. Uma era pedir para a fonte soletrar o próprio nome, para não errar na escrita.
Assim, eu concluí meu trabalho da forma que deveria. Posso dizer até que essa experiência de erros e acertos foi positiva. Não tem jeito, no começo todo mundo erra. É só sacudir a poeira e fazer de novo. Não desanimar é o mais importante. Mesmo que pareça que as coisas não vão dar certo, tem um jeito. Como diria o mantra da professora Thaisa Bueno: Sempre dá!