Fernando Ralfer explica os desafios na carreira de fotógrafo, jornalista e documentarista
Barbara Martins
Brenda Marques
Carolina Alves
Edlene Galeno
Eduardo Jorge
Emanuely Victoria
Henry Araújo
Lauanny Alencar
Ludymilla Souza
Pepyaka Krikati
“Quer fazer documentário? Assista muitos documentários”. O conselho de um professor do curso de Jornalismo influenciou os rumos do jornalista e documentarista Fernando Ralfer quando ainda era estudante na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Em entrevista coletiva para os acadêmicos do 1º semestre atuais do curso, ele destacou a importância do olhar na construção de identidade profissional. Ralfer atua nas áreas de audiovisual, fotografia e assessoria de comunicação e é vinculado ao Centro de Trabalho Indigenista (CTI), no Programa Timbira da instituição.
Em setembro de 2022, Ralfer foi convidado pelo CTI para cobrir o evento “Diálogos Indígenas para Proteção Territorial”, em Carolina, Maranhão. A experiência imersiva marcou o início de uma série de colaborações, incluindo o Encontro de Mulheres dos Povos Timbira. Atualmente, ele se dedica não apenas à produção audiovisual, mas também à formação de jovens comunicadores indígenas, um projeto que considera essencial para a valorização e preservação das culturas locais.
Primeiras experiências
Ralfer já tinha elaborado a metade de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para o Jornalismo, que envolveria conteúdos na área do direito e seria muito trabalhoso, quando se perguntou: “Por que eu estou fazendo essa monografia? Não é isso que eu quero”. Em conversa com a colega de outra graduação que, como ele, também cursava História na antiga Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Clarícia Dallo, chegaram à conclusão que mudou sua trajetória: “Vamos fazer um documentário sobre a panelada”. O resultado foi o audiovisual “De costas para a rua”, realizado em 2012.
Antes de desenvolver o curta-metragem sobre paneleiras de Imperatriz, suas experiências tinham sido na colaboração com o Núcleo Imperatrizense de Cinema Experimental (Nice), no qual participou em diversas funções, mas nunca liderou um projeto. “Eu sempre estava ali. Num eu tava colaborando no som, em outro, operando câmera, mas nunca desenvolvi um projeto só meu do Nice”.
Outro contato prévio de Ralfer com a prática documental tinha ocorrido por meio do Tela Brasil, um projeto de formação da área, promovido pelo Governo Federal, com uma produtora que percorria o Brasil inteiro. “Eles vieram para Imperatriz, eu me inscrevi aí fui selecionado”. O período de 10 dias, embora curto, permitiu a compreensão de algumas técnicas, mas Ralfer diz que não chegou a assimilar o processo de edição. ”Lá você aprendia como escrever roteiro, dirigir, operar câmera. De resto, eu estava no Nice fazendo como eu achava que era”.
Claricia já tinha uma pesquisa prévia sobre o assunto para o TCC na História, que descrevia a panelada como patrimônio imaterial de Imperatriz. “Então, a gente se juntou e, a partir disso, começou a pensar essa ideia”, relembrou Ralfer. No mesmo período, como não conseguia administrar os dois cursos, além de trabalhar, ele teve que optar por continuar na área da comunicação.
Uma das principais dificuldades enfrentadas foi aprender a escrever um roteiro para documentário. Ralfer comenta que é algo totalmente diferente das atividades desenvolvidas nas disciplinas curriculares. “Quando você está em sala de aula, às vezes é mais tranquilo de fazer. Você tem a ajuda de um colega, a orientação do professor. Mas quando você parte para prática e vai lidar com os desafios, é muito diferente.”
Documentário na prática
Após definirem o tema, Ralfer e Clarícia formaram uma equipe e iniciaram as visitas nos pontos de vendas específicos da panelada. Foram na Pan, perto do viaduto, na Cruzeiro do Sul e nas Quatro-Bocas, já que na época ainda não havia sido criado o Panelódromo, no centro de Imperatriz. A partir da conversa inicial com as vendedoras ambulantes, três mulheres chamaram a atenção da dupla de realizadores.
Eram irmãs paneleiras que residiam na cidade de Vitorino Freire (MA) e se mudaram em busca de melhores condições de vida com o trabalho que elas sabiam fazer: a panelada. Ralfer descreve que foi uma espécie de sorte descobri-las. “Nem sempre você encontra personagens interessantes assim”. O documentarista explica que Cícera, Francisca e Maria da Paz acabaram se tornando um fio condutor da história.
O processo de escrita do roteiro do documentário “De costas para a rua” envolveu colaboração estreita com Clarícia, enquanto a decisão sobre a montagem foi realizada de forma individual. “Edição é um processo que é raro conseguir dividir com outra pessoa”, justifica. Ralfer também compartilha que houve alguns desentendimentos em relação a pontos de vista. “Muitas vezes Claricia tinha uma visão, pessoas que estavam ajudando na produção tinham outra, e essas visões às vezes se chocavam, era um pouco caótico”.
Para o jornalista, rever trabalhos antigos revela muitas questões. “Hoje, quando eu assisto aquele documentário, eu penso em mil coisas que poderiam ter sido diferentes. Mas acho que isso é normal, quando você reavalia trabalhos que você fez há muito tempo.”
Aprendendo com os indígenas
Ralfer nunca havia trabalhado com indígenas até que foi convidado para um encontro dos povos Timbira e dos Estados Unidos. Como a proposta era realizar um curta-metragem, ele fotografou e gravou diversos cenários e realizou várias entrevistas utilizando apenas um celular e um microfone de lapela. As pessoas envolvidas gostaram do seu trabalho e Ralfer, que antes atuava como assessor de Comunicação, na Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul), decidiu aperfeiçoar sua expressão no audiovisual com essas comunidades.
Como exemplo do seu trabalho, o documentarista menciona um projeto para a formação de agentes ambientais Timbira. Indígenas são indicados por suas comunidades para participar, e assim o grupo é formado com objetivo de conhecer o território, a fim de melhor protegê-lo. “Então a gente anda junto com pajé ou conselheiros mais velhos, passando por locais antigos e demarcações de território como por riachos, rios e até nascentes”, exemplifica Ralfer.
Em um documentário recente, foram abordadas questões relacionadas às mudanças climáticas e ao mercado de carbono, assuntos pouco conhecidos por essas comunidades. Durante uma oficina, ele registrou diversas imagens, enquanto especialistas detalharam esses temas, alertando sobretudo as mulheres indígenas. As principais denúncias envolvem ações antiéticas de algumas empresas, que tentam firmar contratos ilegais com estas comunidades, sem a regulamentação ou supervisão de orgãos responsáveis.
A experiência na aldeia Bacuri, do povo Krahô, no Tocantins, gerou várias reflexões. “Eles são extremamente comunicativos”, define. O documentarista ficou surpreso quando um dos mais velhos o chamou para gravar e contar a história de locais do próprio território. “Todos eles muito desenrolados, não tive nenhum tipo de dificuldade, foi muito tranquilo”.
Após cinco dias naquele local, Ralfer viajou para a aldeia Prata, do povo Apinajé. “Eu fui com a ideia de repetir o que fiz com os Krahô” , comenta, em relação às gravações e fotos. Tinha a esperança de que eles também explicassem abertamente sobre sua cultura, mas foi tomado por outra descoberta. “Eles são muito introvertidos. Não falam com a mesma desenvoltura”, compara. Diante dessa dificuldade de comunicação, começou a ficar preocupado, tendo de intervir de forma respeitosa. Convocou alguns para entrevistas de maneira mais ativa e teve que ser mais proativo nesse quesito.
“Outra coisa que a gente tem que entender: o tempo é diferente para eles”, acrescenta Ralfer. Assim, na sua opinião, é preciso respeitar as diferentes visões e posturas, principalmente trabalhando com as gravações. “Acho que o meu principal choque foi isso”, avaliou o documentarista, sobre como se sentiu quando percebeu a real diferença de cultura e comportamento entre os Krahô e Apinajé. “Todos eles têm suas particularidades”.
Multiplicação de comunicadores
Na visão do profissional, é importante que as próprias comunidades formem seus agentes de comunicação. O programa de formação, que está entrando em seu segundo ciclo, teve um foco inicial em criação de vídeo e foto e agora será voltado para a produção textual básica. “A ideia é formar comunicadores para eles falarem da vivência deles, assumindo o protagonismo. Indígenas falando sobre as questões indígenas”, detalha Ralfer. Ele considera notável o fortalecimento do diálogo social dessas comunidades nos últimos 10 anos no Brasil. “Houve um maior protagonismo, por assim dizer, de indígenas fazendo sua própria comunicação.”
Ralfer cita o documentário “O território” como exemplo da importância de que as próprias comunidades façam as denúncias dos problemas que enfrentam. A obra expõe ilegalidades ocorridas no território Ure Eu Wau Wau. Os não-indígenas estavam se organizando para lotear o território e a comunicação organizada pelos jovens da comunidade foi decisiva para barrar essa tentativa. Para Ralfer, essas formas de expressão representam uma ferramenta poderosa na luta desses povos pelos seus direitos. “O que fez essa situação minguar foi a comunicação. O fato de eles fotografarem e gravarem o que estava acontecendo”.
Os comunicadores do programa de formação estão planejando um encontro para estreitar as relações e ampliar ainda mais o alcance e a eficácia de sua comunicação. “Grande parte do trabalho eu faço daqui, então vamos tentar encontrar uma forma melhor de trabalhar, para que eles possam enviar material de lá também”.
Bastidores
Sobre seu processo de trabalho, Ralfer afirma que não faz planejamentos detalhados. “Eu não saio de casa. Eu faço um roteirinho básico do que eu quero fazer daquele vídeo”. Em sua trajetória, ele nem sempre foi diretor, mas exercitou as funções de entrevistar, fotografar e registrar as imagens.
Ralfer acredita que, em algumas obras, consegue imprimir seu olhar diferenciado, como no trabalho sobre o mercado de carbono e mudanças climáticas, quando teve liberdade de fazer uma sugestão ao seu contratante. “Deixa as mulheres falarem sobre o clima’’, recomendou.
Antes de entrevistar, ele conversa com os entrevistados para deixá-los mais à vontade. Aproveita para coletar muitas imagens para depois, na hora de editar, inseri-las como segundo plano. “Porque câmera é uma coisa que assusta até a gente”. Questionado sobre equipamentos recomendados para iniciantes na produção audiovisual, Ralfer enfatiza que, “quando se tem poucas ferramentas, tem que usar criatividade”.
Mesmo com um celular, é possível fazer um bom trabalho, desde que se tenha técnica. Além disso, destaca a abundância de tutoriais disponíveis hoje em dia, facilitando a vida dos novos criadores: “É o que tem em mãos, é o que vai usar para produzir”.
*Este perfil foi elaborado a partir de uma entrevista coletiva organizada pelos estudantes do 1º semestre de Jornalismo da UFMA. O texto final, resultado da edição dos exercícios da disciplina Redação Jornalística, é a primeira publicação desses futuros jornalistas.