Palco da fantasia: Uma noite de espetáculo circense no “pós”-pandemia

Textos e fotos: Beatriz Moura

Ao se aproximar da bilheteria, do lado direito da entrada principal, nota-se quatro filas grandes para a compra do “bilhete da felicidade”, como diz Bernardo, de apenas 7 anos. Ele nunca assistiu a um espetáculo no circo e está apressado para entrar, comprar sua pipoca e ver o show começar. Após dois anos de auge da pandemia da Covid-19, estreou dia 6 de maio, no Shopping Imperial, o “Mirage Circus”, inspirado nos shows dos cassinos de Las Vegas (EUA).

O espetáculo contou com uma estrutura de equipamentos que pode chegar a 800 toneladas. De fora já dá para perceber o brilho da armação branca de longe, montada no estacionamento externo, nos fundos do shopping, em Imperatriz-MA. A lona em formato de castelo é antimanchas, produzida na Itália e Alemanha.

Visto de fora, o brilho do circo chama a atenção 

 

A família circense do ator e dono do circo, Marcos Frota, que já atuou, inclusive, no trapézio e mantém até hoje essa escola para formar artistas, conta com mais de 200 anos de tradição. Esta é a quinta geração a levar alegria e diversão para quem participa das apresentações. Contam com artistas nacionais e internacionais, como malabaristas, trapezistas, bailarinas, mágicos, palhaços e o globo da morte, que causa particular sensação no público.

Espetáculo visual do circo cativa crianças e adultos

 

Após a entrada monitorada por meio de ingresso com QR code, avista-se, logo à frente, uma lanchonete enorme. Máquina de fazer pipoca, atendentes montando os cachorros-quentes e uma fileira para comprar fichas. Há uma diversidade de opções, porém com preços não tão acessíveis para muitos, como Adrielly, 16 anos, que diz para o rapaz ao seu lado, depois de ver o cardápio: “R$ 10 a Coca em lata? O quê? Não é possível”, comenta em tom alto, observando o menu em suas mãos. O adolescente amigo reprime: “Para, Adrielly, não me faz passar vergonha”. Os dois se afastam devagar da fila da lanchonete, rindo de tal situação.

O show inicia com Marcos Frota aparecendo no telão. Vídeos antigos relembram sua trajetória como trapezista. Assim, o público mergulha e entende um pouco da sua carreira antes de se tornar empresário, dono e diretor, encerrando a participação nos palcos. “O circo, quando chega em alguma cidade, cria uma expectativa tão grande, de prazer, de alegria, de transcendência e de transformação. O circo tem que responder a isso. Um espetáculo moderno, ágil, um musical circense! Não dá pra perder!”, diz Marcos Frota sobre a chegada a Imperatriz após um longo período sem fazer turnê pelas cidades.

Palhaçadas de Chuvisco

Depois da breve apresentação, as portas automáticas, que substituem as cortinas tradicionais, se abrem. Surge Nilton Gatica, 34 anos, e se apresenta como palhaço Chuvisco, dando início ao momento com boas-vindas a todos. Logo após, vai surgindo sutilmente uma fileira de bailarinas. Elas tomam a frente para que todos que estão atrás cumprimentem o público. O locutor apresenta um participante de cada vez, no ritmo em que vão dançando até o meio do palco. As roupas combinam, há muita sincronia entre eles e os detalhes da maquiagem deixam tudo ainda mais rico.

O palhaço Chuvisco convida algumas crianças para subirem ao palco durante sua apresentação. É possível escutar gritos de alegria de alguns e, de outros, súplicas para que seus responsáveis permitam a participação. Em poucos segundos, muita correria nos corredores. Os pequenos apoiam-se uns nos outros para subir a escada que dá acesso ao palco, como uma competição para ver quem chega primeiro.

Enquanto o palhaço organiza as crianças em fileira, sentadas no chão, dois ajudantes entram com um caixote de mais ou menos um metro e meio e o colocam próximo a elas. Com todas as crianças sentadas e prestando atenção no palhaço, ele começa a contar uma história para encorajar a criançada a “matar a onça que está dentro da caixa”. Ele lança a pergunta: “Quem vai ajudar o Chuvisco a matar o bicho?” Todas se levantam do chão, quase ao mesmo tempo, prontas para o grande combate.

Crianças se perguntam: o que tem na caixa do Chuvisco?

 

Quando se aproximam da caixa, surge um som muito alto de rugido. Elas viram para trás e começam a gritar aterrorizadas, chamando pela mãe. A plateia tem uma crise de riso imediata e coletiva enquanto os baixinhos entram em desespero. Mas a gargalhada explode mesmo, quando descobrem que dentro da caixa existe sim, um animal. Mas em vez de uma fera selvagem, é apenas o Bolt, cachorrinho do circo, participando de mais um número.

Aline Gatica, esposa do palhaço Chuvisco, participa do show fazendo força capilar. Suspensa pelos cabelos, a mulher realiza movimentos impressionantes. Antes da sua entrada no palco, as luzes se apagam e, quando voltam a ser acesas, ela já está sentada, com o cabelo preso a uma corda e segurando uma fita longa de cetim em cada mão. Seu figurino é rosa, cheio de pedrarias que brilham a cada vez que os projetores de luz lhe encontram. Já nas alturas, ela consegue prender os olhares de todos, fazendo com que parte do público grave sua apresentação na memória. Jorge Silva, 52 anos, sentado na terceira fileira, comenta em voz alta: “Isso sim é ter força na peruca”, provocando gargalhadas nos seus vizinhos de assento. Após um intervalo de 10 minutos, Fernanda Alves, 10 anos, levanta da cadeira decepcionada e pergunta ao seu pai com olhar de tristeza: “Já acabou? Eu queria mais”.

As pessoas procuram novamente os seus assentos e se acomodam para aguardar o próximo número começar. Diego Robatini, mágico do circo, se apresenta ao lado de Nathalia Stankonich, 23 anos, em um número no qual ele a algema e coloca dentro de uma caixa fechada com cadeados. Em seguida, finca cinco espadas em sentidos alternados. Após retirar as espadas e abrir a caixa, lá está Nathalia, sem algemas e com uma roupa completamente diferente da qual entrou. A plateia vai à loucura. “É um número muito curioso, estranhamente possível de sair com vida, se fosse real”, diz Moisés Soares, 17 anos, ao assisti-los.

Enquanto a equipe coloca uma rede de proteção, para iniciar a próxima apresentação, surge o palhaço Chuvisco, contando piadas e fazendo a plateia gargalhar. Luiz Felipe, 19 anos, o trapezista mais novo entre os seis que se apresentaram na noite, é o primeiro a dar saltos e giros no ar, mostrando sua incrível habilidade e segurança nesse exercício, que é um dos pioneiros entre as modalidades circenses. Os acrobatas dão um show no ar, fazendo com que duvidem de o número ser um dos mais difíceis e perigosos na execução.

Globo da tensão

Um dos momentos mais esperados pela plateia é a última apresentação da noite: a hora do “menor globo da morte do mundo”, que consiste em uma espécie de jaula em forma de esfera de aço. No seu interior, motociclistas, em número variado, pilotam suas motos, gerando um clima de suspense. Desde a metade do espetáculo os apresentadores falavam ao microfone: “Vocês não perdem por esperar, a hora do menor globo da morte tá chegando!”.

Globo da Morte gera momentos de tensão

 

Todas as luzes se apagam, restando somente alguns feixes em direção à “bola gigante”, segundo uma das crianças sentadas na quinta fileira da lateral comenta. O público automaticamente “congela” e compartilha dos mesmos sentimentos: aflição e expectativa extremas. Uma música de tensão toma conta do ambiente, quando surgem três motoqueiros confinados dentro da enorme esfera. Eles aceleram a moto ao mesmo tempo em que são movidos para frente até chegarem ao meio do palco. Durante esse percurso, a plateia começa a ficar muito animada. Despontam gritos, aplausos e assobios altos. Mais adiante, é possível escutar vários coros pedindo para que o número comece e as luzes voltam a se acender aos poucos.

A cada três minutos, entra mais um motoqueiro. Logo são cinco, acelerando e girando simultaneamente. Tudo dura por volta de 10 minutos, deixando muita gente com a feição de espanto e outras encantadas com algo tão diferente que acabaram de presenciar. Quando o espetáculo acaba, Thatiele Reis, grávida de oito meses, comenta que achava que sua filha Ísis iria nascer naquela hora mesmo. “Comecei prestando muita atenção, até que foram entrando mais motoqueiros lá, e ficando mais rápidos e eu não consegui mais olhar”, ri de nervoso, enquanto enxuga as mãos suadas no vestido verde claro.

O espetáculo circense termina  após cerca de duas horas, com todos os artistas participantes em cima do palco,  vestidos de branco. As luzes piscam, a plateia aplaude e se despede deste espaço de fantasia. “Lugar onde o impossível se torna possível, regado com coragem, alegria e determinação. Valores importantes para crescer e levar para a vida”, diz Lidiane Rodrigues, 39 anos, ao comentar sobre seu amor e relembrando as vezes que ia ao circo quando criança.

* Esta matéria faz parte do Projeto Vivências, que estimula os estudantes de jornalismo a abrirem todos os seus sentidos e narrarem ambientes, ações e personagens.